8 Novembro 2014

São muito poucos os que se arriscam a sair de casa por estes dias em Freetown, capital da Serra Leoa, onde o medo de contágio do ébola tomou conta de tudo e de todos. O sistema de saúde do país está em colapso, muitas lojas estão fechadas e os preços dos alimentos dispararam. E a ajuda internacional já prestada não chega para dar resposta a tanto, é preciso muito mais, relata o diretor da Amnistia Internacional Serra Leoa, Solomon Sogband, neste texto de blogue.

Desde que foram declarados os primeiros casos de ébola em março passado, a vida mudou drasticamente na Serra Leoa.

Até agora, a Organização Mundial de Saúde confirmou a existência de mais de 5.200 casos de ébola apenas na Serra Leoa, e mais de 13.700 no mundo inteiro. Mais de 4.500 pessoas morreram deste surto – 1.500 delas no meu país natal.

Amigos meus que vivem noutros países perguntam-me amiúde como é a vida aqui neste momento. Posso apenas descrevê-la como sendo absolutamente horrível.

Acordo todas as manhãs em minha casa, em Freetown, com o som das histórias e das imagens terríveis reportadas na televisão e na rádio. As pessoas tentam, e em muitos casos sem nenhum êxito, obter ajuda médica que faria toda a diferença entre a vida e a morte. Médicos e enfermeiros estão à beira do colapso. Há comunidades inteiras em quarentena, sem acesso a alimentos e água suficiente.

Antes do eclodir da crise do ébola, costumava ir todas as manhãs para o trabalho, no centro de Freetown, e os meus filhos iam para a escola.

Agora raramente saímos de casa. Não visitamos ninguém e ninguém nos visita. O telefone e as redes sociais são os nossos principais meios para comunicar com os outros. A escola dos meus filhos está fechada e, por isso, eles ficam em casa os dias inteiros.

Atualmente, as ruas de Freetown não têm tanta gente como acontecia antes do eclodir do surto. Apesar de algumas pessoas parecerem continuar com as suas vidas normalmente, o sentimento geral é de medo. Todos têm receio de estar em contacto com alguém que possa estar doente, daí que frequentemente preferem não sair de casa.

A sobrevivência tornou-se num desafio bem real mesmo para aqueles que não estão contagiados. Até comprar comida é uma tarefa difícil.

Muitas lojas estão fechadas e os preços dispararam. Mal nos conseguimos aguentar. Não há alimentos a chegarem de fora e muitas linhas aéreas cancelaram os voos para a Serra Leoa.

Parece que o país inteiro está em quarentena.

E a situação fora da cidade ainda é pior.

O Governo está a fazer tudo o que pode nestas circunstâncias. Tem fornecido informação sobre o que se fazer e o que não fazer para evitar contrair a doença. Mas o surto de ébola expôs a nu os enormes problemas do nosso sistema de saúde, que está agora a enfrentar desafios a que não consegue dar resposta, especialmente nas zonas rurais.

Os hospitais veem-se em sérias dificuldades para prestarem os cuidados necessários com os escassos recursos e pouco pessoal médico de que dispõem. Isto significa que está a ser rejeitado atendimento a pessoas que precisam de ajuda clínica para outras doenças além do ébola, mesmo algumas que apresentam quadros clínicos de risco de vida, como o da malária e complicações de parto. O tratamento essencial para os casos de cancro parece ter sido simplesmente suspenso.

Outra questão importante toca à reintegração dos sobreviventes do ébola nas suas comunidades de origem. Temos ouvidos imensas histórias de pessoas que sobreviveram à doença mas não lhes foi permitido voltar para casa ou que são ostracizadas no regresso.

Apesar de as operações internacionais em curso estarem a desenvolver muito trabalho para ajudar as pessoas que necessitam de ajuda, como é o caso de algumas missões do Reino Unido, a situação continua desesperada.

Mesmo tendo em conta as estimativas mais conservadoras da Organização Mundial de Saúde sobre a propagação da doença, é preciso muito mais apoio do que aquele que foi prestado e prometido até agora pelo mundo para se conseguir controlar o surto de ébola.

Precisamos desesperadamente que a comunidade internacional aumente os seus esforços, e isto não apenas no que toca à assistência financeira. O que as pessoas estão realmente a precisar na Serra Leoa é médicos e enfermeiros dispostos e prontos a trabalhar, e a trazerem-nos os seus conhecimentos e competência na luta contra esta doença cruel. Tal só pode ser feito com um esforço internacional concertado e uma determinação política global.

Esta é uma crise global que exige uma resposta global.

Estão demasiadas vidas em risco. Não há tempo a perder.

 

Junte-se ao coro de vozes que está já a exigir essa resposta global. Assine a petição mundial da Amnistia Internacional, instando os países membros do G20 a agirem quanto antes e de forma significativa e substancial no combate ao surto do ébola: campaigns.amnesty.org/actions/g20-ebola-petition

Este texto de blogue foi publicado originalmente no Huffington Post: www.huffingtonpost.com/solomon-sogbandi/living-with-ebola-in-free_b_6106706.html

 

 

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