30 Agosto 2011

 

ONU deve exigir acesso para ajuda humanitária e fim dos bombardeamentos indiscriminados
 
As forças Armadas do Sudão estão a bombardear indiscriminadamente áreas civis nas Montanhas da região de Nuba, no Cordofão do Sul e a impedir que a ajuda chegue às pessoas deslocadas que se encontram em situação de desespero, afirmaram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, no dia 30 de Agosto.
 
Durante uma missão de uma semana realizada no final de Agosto em Kauda, Delami e Kurchi, os investigadores de ambas as organizações recolheram informação sobre 13 ataques aéreos. Estes ataques aéreos mataram pelo menos 26 civis e feriram mais de 45 pessoas desde meados de Junho. Os investigadores também testemunharam aviões do governo a circularem sob áreas civis e a largarem bombas, forçando os civis a procurarem abrigo nas montanhas e em cavernas.
 
“Os bombardeamentos implacáveis estão a matar e a mutilar homens, mulheres e crianças civis, deslocando dezenas de milhares de pessoas, colocando-as em situações em que necessitam desesperadamente de ajuda e impedindo que comunidades inteiras cultivem colheitas e alimentem os seus filhos”, afirmou Daniel Bekele, Director da Human Rights Watch para África.
 
“O governo sudanês está cometer homicídios impunemente e a tentar impedir que o mundo exterior o descubra”, afirmou Donatella Rovera, Consultora sénior de Resposta às Crises da Amnistia Internacional. “A comunidade internacional e particularmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) deve parar de olhar para o outro lado e agir de forma a  resolver a situação.”
 
Os civis não têm forma de proteger-se dos bombardeamentos indiscriminados. Familiares das vítimas falaram com a Amnistia Internacional e com a Human Rights Watch sobre a sua provação: “Ouvi explosões e depois um vizinho trouxe o corpo da Maryam para casa”, disse a mãe de duas meninas mortas num ataque aéreo. “Ela foi atingida na cabeça e não tinha parte da sua cabeça. O vizinho disse-me para ir ao cemitério porque tinham levado a Iqbal para lá. Eu fui mas os seus ferimentos eram tão graves que eu não consegui sequer olhar.”
 
De acordo com grupos de ajuda no terreno, o bombardeamento, os ataques e os combates  deslocaram mais de 150.000 pessoas em áreas sob o controlo de forças da oposição, onde as restrições do governo impedem que os grupos de ajuda entreguem comida e outros tipos de assistência. Cerca de 5.000 pessoas atravessaram a fronteira com o Sul do Sudão para chegarem a um abrigo de refugiados no Estado de Unity.
 
As bombas tiveram um impacto devastador na população civil. Comunidades foram forçadas a abandonarem as suas casas pelos repetidos bombardeamentos e vivem em condições duras em cavernas, no topo de montanhas, debaixo de árvores e no mato longe das cidades. Falta-lhes comida, medicamentos, saneamento e abrigo de chuvas fortes. Muitas famílias deslocadas disseram aos investigadores que comiam bagas e folhas e que as suas crianças tinham diarreia e malária.
 
A 23 de Agosto, o Presidente Omar al-Bashir, procurado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade na região ocidental de Darfur, anunciou um cessar-fogo unilateral de duas semanas no Cordofão do Sul, onde as forças sudanesas têm lutado contra as forças da oposição armada desde o início de Junho.
 
Contudo, organizações locais no terreno disseram que apesar do cessar-fogo, o governo continuou a bombardear áreas civis. Al-Bashir disse também que nem a ONU nem as agências de ajuda internacionais terão permissão para assistir as pessoas deslocadas.
 
Enquanto os investigadores estiveram no terreno, os aviões Antonov lançaram bombas sobre quintas e aldeias quase diariamente. Por exemplo, a 14 de Agosto, um avião lançou bombas perto da povoação de Kurchi, 70 km a Este de Kadugli, destruindo a casa e posses de Wazir al-Kharaba. Os investigadores fotografaram também três bombas a caírem de um avião Antonov perto de Kurchi às 17h15, no dia 19 de Agosto. A 22 de Agosto, outro ataque aéreo feriu gravemente um homem na perna e uma idosa no maxilar e danificou uma escola.
 
“Os ataques indiscriminados em áreas civis e as restrições à ajuda humanitária equivalem a crimes de guerra e a crimes contra a humanidade”, afirmou Donatella Rovera. “Estes ataques devem acabar e deve ser imediatamente permitida uma avaliação independente das necessidades humanitárias e a entrega de ajuda.” 
Quando os investigadores visitaram as áreas dos ataques aéreos, não estavam visíveis quaisquer alvos militares perto da zona. Testemunhas afirmaram que os aviões Antonov ou aviões caça lançaram bombas a grande altitude em áreas civis onde, segundo eles, não existe alvos militares.
 
Peritos em armamento disseram às organizações que as munições utilizadas não possuem mecanismos que possibilitem o controlo da trajectória e são frequentemente lançadas manualmente de aviões de carga Antonov ou lançadas de outros aviões de uma forma que não permite controlar o local exacto onde irão cair.
 
“O uso de armas cuja trajectória não pode ser dirigida de forma exacta para um alvo militar torna estes ataques, em áreas civis, indiscriminados, violando o Direito Humanitário Internacional”, afirmou a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.
 
Em áreas controladas pelo governo, as agências da ONU e outros grupos de ajuda afirmam terem sido proibidos de chegar a muitas pessoas afectadas devido à segurança e às severas restrições do governo. As autoridades sudanesas impediram as mesmas agências de alcançarem e prestarem ajuda em áreas controladas pela oposição, ao recusarem autorizar voos de ajuda e realizando ataques aéreos em pistas de descolagem/aterragem que podiam ser utilizados para entregar ajuda. A 14, 19 e 24 de Junho aviões do governo, incluindo aviões caça, bombardearam a faixa aérea de Kauda e a área em volta da mesma. 
 
Apesar do governo ter anunciado, a 20 de Agosto, que nunca restringiu o acesso às Montanhas Nuba, o Presidente al-Bashir disse três dias depois que os grupos internacionais não teriam autorização para entrarem no Estado e que apenas a organização sudanesa Red Crescent teria permissão para dar ajuda. 
 
Como partes envolvidas no conflito, o governo sudanês e as forças da oposição devem imediatamente acordar em permitir que seja distribuída ajuda humanitária através do ar ou em terra de forma a alcançar as populações afectadas, independentemente de onde estejam a viver, afirmaram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch. Todas as agências de ajuda humanitária devem ter acesso sem restrições, para auxiliarem os civis com necessidade urgente de comida, abrigo e outras ajudas. 
 
O conflito começou a 5 de Junho, entre o governo sudanês e o Exército de Libertação do Povo Sudanês, em Kadugli e em Um Durein, e espalhou-se rapidamente a outras cidades e aldeias onde estavam presentes quer as forças do governo quer as forças do Exército de Libertação.
 
O conflito surgiu no contexto das crescentes tensões entre o Partido do Congresso Nacional que governa o Sudão do Norte e o Movimento de Libertação do Povo Sudanês – o partido político que governa o Sudão do Sul, agora independente – devido aos acordos de segurança no estado do Cordofão do Sul e às disputadas eleições estatais nas quais o candidato incumbente a governador, Ahmed Haroun, antigo Ministro dos Assuntos Humanitários e que também é procurado pelo TPI por crimes de guerra e crimes contra a humanidade no Darfur, foi eleito com uma margem curta.
 
O Cordofão do Sul é a casa de grandes populações de grupos étnicos Nuba, com fortes ligações ao antigo movimento rebelde do sul que lutou contra as forças de governo sudanesas nas montanhas de Nuba, durante a guerra civil do Sudão que durou 22 anos e terminou em 2005. 
 
Quando o Sudão do Sul se tornou um país independente, a 9 de Julho deste ano, o Movimento de Libertação do Povo Sudanês que operava no Sudão ficou conhecido como “Movimento de Libertação do Povo Sudanês – Norte” e o grupo da oposição armado no Cordofão do Sul ficou conhecido como o “Exército de Libertação do Povo Sudanês – Norte”.
 
Os investigadores da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch não conseguiram alcançar as linhas da frente ou entrar nos locais controlados pelas Forças Armadas Sudanesas, onde a violência surgiu pela primeira vez. Mas os investigadores entrevistaram dezenas de pessoas deslocadas que escaparam aos confrontos em Kadugli e noutras áreas. 
 
Testemunhas afirmaram que os soldados e as milícias dispararam contra pessoas nas ruas, realizaram buscas casa a casa e obrigaram civis a pararem em  checkpoints, utilizando listas com os nomes de reconhecidos apoiantes do Movimento de Libertação do Povo Sudanês. As testemunhas também descreveram a destruição, o saque e incêndio de igrejas e casas, incluindo a demolição de casas de conhecidos membros do Movimento de Libertação do Povo Sudanês.
 
Os relatos são consistentes com muitas das descobertas do relatório lançado a 15 de Agosto, pelo Gabinete do Alto Comissário de Direitos Humanos. O relatório foi baseado em informações recolhidas pelos investigadores de direitos humanos da Missão das Nações Unidas no Sudão antes do mandato da missão ter terminado no início de Julho, antes da independência do Sul do Sudão. O relatório documenta padrões de homicídios ilegais e ataques generalizados a propriedades civis que podem equivaler a crimes de guerra e crimes contra a humanidade, disseram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.
 
O governo sudanês rejeitou as conclusões do relatório das Nações Unidas e pediu ao Conselho de Segurança da ONU para atrasar a discussão sobre o Cordofão do Sul até que o governo complete a sua própria investigação sobre os abusos de direitos humanos. 
 
“O Sudão aparenta estar a tentar encobrir os graves abusos dos direitos humanos enquanto continua a bombardear civis e a impedir a assistência humanitária”, afirmou Donatella Rovera da Amnistia Internacional. “O Conselho de Segurança tem permanecido em silêncio durante demasiado tempo. Não deve continuar em silêncio enquanto as bombas caem sobre civis.” 
 
O Conselho de Segurança reuniu-se a 19 de Agosto mas não chegou a acordo sobre a realização de uma declaração que condenasse as violações dos direitos humanos no Cordofão do Sul ou em tomar qualquer acção concreta, em grande parte devido às objecções da África do Sul, Rússia e China.
 
“A posição da África do Sul é especialmente desapontante”, afirmou Daniel Bekele. “Como um dos principais Estados africanos, deve fazer tudo para proteger as vidas de civis inocentes em Kordofan do Sul, evitando que estes enfrentem uma repetição do foi a guerra civil, na qual tantas pessoas perderam a vida.”
 
A Amnistia Internacional e a Human rights Watch instam o Conselho de Segurança a condenar firmemente e a exigir o fim dos bombardeamentos indiscriminadas do Sudão em áreas civis, tal como outras violações, apelam ao acesso sem restrições das agências humanitárias a todas as áreas afectadas e para que seja tomada uma acção concreta para assegurar uma monitorização independente dos direitos humanos em todo o Cordofão do Sul. 
 
As organizações instam também o Conselho a implementar as recomendações do Alto Comissário de Direitos Humanos, ordenando um inquérito independente sobre as alegações de violações do Direito Humanitário Internacional e dos Direitos Humanos que ocorreram durante as hostilidades no Codofão do Sul, responsabilizando os perpetradores. 

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