8 Abril 2015

 

Dia Internacional das Comunidades Ciganas

A escola primária nº 4, enfiada num canto da pequena vila grega de Sofades, perto da cidade de Karditsa, mais parece uma prisão velha e decrépita. O edifício está em tão mau estado que criança nenhuma devia sequer estar ali. 

Sem salas de aula suficientes e constantes cortes de energia, é mesmo inacreditável que alguém consiga aprender algo naquela escola. Porém, todos os dias, cerca de 200 rapazes e raparigas entre os seis e os 14 anos passam o portão enferrujado da escola, construída dentro do acampamento da comunidade cigana local, e tentam tirar dali o melhor proveito possível.

Todas aquelas crianças pertencem às comunidades ciganas. Para elas, a “escola do gueto” (como lhe chamam) é a única oportunidade que têm para conseguirem uma educação.

Em países por toda a Europa – na Grécia, na República Checa, em França e na Eslováquia, até mesmo em Portugal, para mencionar apenas alguns – as comunidades ciganas são frequentemente segregadas. Enfrentam uma exclusão social sistemática, condições de extrema pobreza, são visadas em ataques de motivação racial e alvo de desalojamentos forçados. Para as crianças, isto traduz-se em só muito raramente haver uma verdadeira oportunidade de progresso na vida: estão encurraladas num ciclo vicioso de pobreza e marginalização.

Como se o tempo tivesse parado para elas, a segregação perdura e são demasiadamente poucas as pessoas a insurgirem-se contra esta situação.

A discriminação de que são alvo as crianças das comunidades ciganas na educação é multifacetada. Estas crianças são desproporcionalmente colocadas em escolas destinadas a acolher alunos portadores de “deficiências mentais moderadas” ou relegadas para escolas ou salas de aulas exclusivamente compostas por membros das comunidades ciganas. Aqueles que andam em escolas regulares e multiculturais enfrentam amiúde intimidação e bullying.

Para muitas famílias das comunidades ciganas, a situação é de tal forma desesperada que os filhos acabam por não ir à escola, o que compromete ainda mais seriamente as suas oportunidades de futuro.

Escolas-contentores

Numa missão recente à Eslováquia, a Amnistia Internacional apurou que as autoridades estão a construir escolas em contentores de aço, próximas dos acampamentos e estabelecimentos informais das comunidades ciganas – literalmente encaixotando as crianças à margem do resto da sociedade.

As escolas-contentores são feitas com materiais que se assemelham aos dos contentores usados nas cargas marítimas e consistem em construções de piso raso ou com mais um andar, de telhados planos e espaço interior que se limita a salas de aulas e corredores. Custam cerca de 200 mil euros cada, o que é bastante mais barato do que construir escolas com tijolos e cimento. Apenas crianças das comunidades ciganas têm aulas nestas escolas-contentores.

O pai de Imrich, um rapaz que anda numa escola secundária regular na cidade eslovaca de Kežmarok, preocupa-se com as consequências da segregação das crianças das comunidades ciganas. “Se todos os colegas de turma dos nossos filhos forem outros alunos das comunidades ciganas, como é que podemos esperar que eles venham a integrar-se e misturar-se com pessoas que não fazem parte destas comunidades quando acabarem a escola secundária?”

Sem nenhum lugar ao qual chamar casa

Em alguns outros países europeus, como a França, há autoridades municipais que se recusam mesmo a matricular muitas crianças das comunidades ciganas nas escolas. Os desalojamentos forçados frequentes de comunidades ciganas inteiras resultam em que muitas famílias não têm morada fixa, requisito imprescindível em alguns municípios de França para se poder inscrever uma criança na escola.

Mesmo aqueles que têm a sorte de ter um lugar ao qual chamar casa, vivem em condições de habitabilidade e saneamento tão desadequados que alguns pais se sentem desencorajados em enviarem os filhos para a escola, onde temem que venham a ser alvo de mais discriminação.

Preocupações com o bullying

As crianças das comunidades ciganas matriculadas em escolas regulares são também alvo de perseguição e bullying.

Katka (nome fictício), uma rapariga das comunidades ciganas que frequenta uma escola regular em Ostrava, na República Checa, conta: “Um dia estávamos a ouvir um cantor das comunidades ciganas numa aula de música e a professora perguntou-nos se sabíamos quem eram as comunidades ciganas e se algum de nós pertencia a essas comunidades. Eu levantei a mão. Desde então muitas coisas mudaram. O rapaz que se costumava sentar ao meu lado tirou a cadeira e disse que não se queria sentar ao lado de uma cigana. Quando nos preparávamos para ir para uma visita de estudo ninguém quis partilhar o quarto comigo, por isso, não fui. Nenhuma rapariga queria ser minha amiga, mas acabei por fazer uma, por isso, agora está tudo bem. Mesmo assim, todas as semanas sou lembrada que sou das comunidades ciganas, que sou suja e que sou diferente”.

O bullying também é um problema para as crianças das comunidades ciganas na Grécia. A Amnistia Internacional e a organização não-governamental Greek Helsinki Monitor visitaram recentemente o estabelecimento informal de Sofos, na cidade de Aspropyrgos, perto de Atenas, onde conheceram crianças demasiado amedrontadas para sequer frequentarem a escola regular local onde foram inscritas depois do Governo ter fechado a escola que existia exclusivamente para crianças de comunidades ciganas.

Anna (nome fictício) tem 13 anos e vive com os pais e a irmã mais velha num estabelecimento informal. Frequentou a escola segregada durante alguns anos e está agora registada na escola regular. A diretora garante que as crianças são bem-vindas, mas os pais de Anna temem a reação violenta que os outros pais tiveram em anteriores tentativas de integrar crianças de comunidades ciganas nas escolas regulares.

Promessas vãs

Até agora, as autoridades da Grécia, da República Checa, da França e da Eslováquia falharam em cumprir as suas limitadas promessas de mudança. Pouco mudou na verdade, apesar de haver várias decisões judiciais que exigem que os governos acabem com as diferentes formas de discriminação e com a segregação das crianças em escolas exclusivas para comunidades ciganas ou para alunos portadores de “deficiências mentais moderadas”.

“A falta de capacidade para acabar com a discriminação das comunidades ciganas que está tão profundamente enraizada, que constitui uma obrigação dos Estados, está a manter milhares de crianças reféns de um ciclo de segregação, de medo e de oportunidades perdidas”, lamenta Gauri van Gulik, diretor-adjunto do programa para a Europa e a Ásia Central da Amnistia Internacional. 

“Ao invés de recusarem a segregação e a discriminação das comunidades ciganas em escolas e nas comunidades, as autoridades da Grécia, República Checa, França, Eslováquia, e de todos os países onde há comunidades ciganas – como Portugal –, devem introduzir reformas sistemáticas que combatam aquela que é efetivamente a raiz de todos estes problemas: o preconceito étnico. Isto exige uma mensagem política forte e inequívoca: acabar com a discriminação ilegal de crianças de comunidades ciganas na educação”, conclui este responsável da Amnistia Internacional.

 

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