26 Junho 2024

As autoridades russas têm privado os críticos e dissidentes do governo russo – que se encontram arbitrariamente presos – do contacto com as suas famílias e amigos. Num novo relatório, denominado “Isolar e punir: privação de contacto dos dissidentes presos com o mundo exterior na Rússia“, a Amnistia Internacional detalha como este modo de atuação policial tem sido frequente.

Com base em  vários casos emblemáticos, o relatório documenta a forma como as autoridades russas exploraram lacunas jurídicas e criaram pretextos para isolar ainda mais os dissidentes, mesmo os que foram presos por se terem manifestado contra a invasão russa da Ucrânia.

“Estas não são práticas isoladas às quais recorrem alguns funcionários desonestos. É uma estratégia deliberada do governo russo para isolar e silenciar os dissidentes e infligir-lhes, a eles e às respetivas famílias, mais sofrimento. Todas as formas de contacto – visitas, telefonemas, cartas – estão a ser reduzidas”, afirmou Natalia Prilutskaya, investigadora da Amnistia Internacional na Rússia.

“Todas as formas de contacto – visitas, telefonemas, cartas – estão a ser reduzidas”

Natalia Prilutskaya

As autoridades estão a utilizar táticas variadas para privar os presos do contacto com as suas famílias e amigos. Um dos métodos consiste em recusar, repetidamente, os pedidos de visitas e telefonemas enquanto a pessoa permanece em prisão preventiva, muitas vezes sem apresentar qualquer motivo.

Há também casos em que os membros da família são designados como “testemunhas” no processo de julgamento do seu ente querido, ficando impedidos de ter qualquer contacto com ele. Nestas ocasiões, a separação familiar pode durar meses ou anos. As autoridades podem ainda atrasar o correio dos detidos e dos prisioneiros ou proibir totalmente a correspondência com determinadas pessoas.

Outra tática é a transferência, sem aviso prévio, de reclusos da prisão preventiva para instituições penais na véspera de uma visita familiar planeada, que é depois cancelada. Estas transferências requerem aprovação judicial pelo mesmo tribunal que aprova a visita, o que torna esta prática ainda mais cínica.

Outra tática é a transferência, sem aviso prévio, de reclusos da prisão preventiva para instituições penais na véspera de uma visita familiar planeada, que é depois cancelada

Uma forma de assédio muito utilizada pelas autoridades penitenciárias é colocarem os reclusos numa cela de isolamento por alegadamente ter cometido uma infração disciplinar menor. Muitas vezes, esta fração é inventada mesmo antes de uma visita familiar programada. O recluso fica privado de visitas e de telefonemas durante o período do castigo. Estas práticas não só penalizam ainda mais os dissidentes presos, como também infligem um grave sofrimento psicológico às suas famílias.

“Este modo de atuação é desumano. Ao enviá-los para a prisão, as autoridades devastam a vida daqueles que tiveram a coragem de mostrar uma opinião dissidente, como também privam os seus familiares das poucas possibilidades de contacto. Estes maus-tratos cruéis devem cessar de forma imediata. Todas as pessoas detidas apenas por terem exercido o seu direito à liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica devem ser libertadas”, declarou Natalia Prilutskaya.

“As autoridades devastam a vida daqueles que tiveram a coragem de mostrar uma opinião dissidente, como também privam os seus familiares das poucas possibilidades de contacto”

Natalia Prilutskaya

Casos emblemáticos

Vladimir Kara-Murza, um político da oposição detido em abril de 2022 e condenado a 25 anos de prisão por múltiplas acusações forjadas, foi impedido de telefonar à sua mulher e filhos durante 14 meses. Numa entrevista publicada através do seu advogado, Vladimir Kara-Murza  partilhou que “a coisa mais difícil [na detenção] é a separação da família”.

Aleksandra (Sasha) Skochilenko, uma artista de São Petersburgo, foi detida em abril de 2022 pelo seu ativismo contra a invasão da Ucrânia e está condenada a sete anos de prisão. Durante um ano, esteve isolada da sua companheira, Sonya, que tinha sido designada “testemunha” no processo. “Após um ano de separação, estou tão contente por poder ver a Sasha. Gostaria muito de a abraçar, mas é impossível”, contou Sonya à Amnistia Internacional. No site da Amnistia Internacional Portugal, há uma petição a decorrer pela libertação de Sasha, que qualquer pessoa pode assinar.

“Após um ano de separação, estou tão contente por poder ver a Sasha. Gostaria muito de a abraçar, mas é impossível”

Sonya, companheira de Sasha

Oleg Orlov, defensor dos direitos humanos e copresidente da organização Memorial, foi condenado, em fevereiro de 2024, a dois anos e meio de prisão por um artigo crítico em relação às autoridades russas. A sua esposa só teve direito a uma visita em abril, mas pouco antes de o poder visitar, Oleg Orlov foi transferido de um centro de detenção de Moscovo para outra região, a mais de 1000 km de distância.

Aleksei Gorinov, conselheiro municipal de Moscovo, foi detido em abril de 2022 e condenado a sete anos de prisão por ter criticado a guerra da Rússia na Ucrânia durante uma reunião do conselho. Enquanto cumpria pena de prisão, foi repetidamente colocado numa cela de isolamento por alegadas infrações menores. Este tipo de incidentes também aconteceu antes de uma visita programada, o que fez com que a sua família se deslocasse à colónia penal, mas visse a visita ser-lhe negada.

 

Violações do direito internacional

O direito das pessoas detidas a manterem contacto com o mundo exterior está consagrado nas normas internacionais de direitos humanos. Negar o contacto com a família viola estas normas e pode constituir uma pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Alguns casos podem equivaler a detenção em regime de incommunicado (isolamento) ou a desaparecimento forçado.

A Amnistia Internacional insta as autoridades russas a libertar, imediata e incondicionalmente, todas as pessoas detidas apenas por exercerem os seus direitos à liberdade de reunião, de expressão e de associação pacífica. As forças de segurança têm de garantir que todos os detidos e prisioneiros possam manter contacto regular com as suas famílias. A legislação penal deve também ser alterada para evitar a recusa arbitrária de contacto. Em relação às táticas para privar os presos do contacto com as suas famílias e amigos, as autoridades devem investigar todas as violações dos direitos humanos registadas e levar os responsáveis a tribunal.

Em relação às táticas para privar os presos do contacto com as suas famílias e amigos, as autoridades devem investigar todas as violações dos direitos humanos registadas e levar os responsáveis a tribunal

O relatório salienta o recurso regular e generalizado do isolamento e da recusa de contacto com a família contra as pessoas presas na Rússia por manifestarem a sua dissidência. Estas práticas não são acontecimentos isolados. Fazem antes parte de uma estratégia mais vasta, politicamente motivada, utilizada pelas autoridades russas para sufocar a liberdade de expressão e punir aqueles que se manifestam contra o governo.

 

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