18 Novembro 2014

Numerosos ativistas nos Emirados Árabes Unidos (EAU) têm sido alvo de repressão, detidos e, em alguns casos, torturados às mãos das forças de segurança, é atestado em novo relatório da Amnistia Internacional que traz à luz as táticas repressivas usadas com frequência pelo Governo para silenciar os que lhe são críticos.

“There is no freedom here: Silencing dissent in the UAE” (Não há liberdade nenhuma aqui: Silenciar a dissidência nos EAU) – divulgado esta terça-feira, 18 de novembro – levanta o véu sobre o clima de medo que assola o país desde 2011, com as autoridades a fazerem tudo o que está ao seu alcance para refrear qualquer sinal de dissidência, crítica ou pedidos de reformas, em eco da vaga de rebeliões populares maciças no Médio Oriente e no Norte de África da Primavera Árabe.

“Sob a camada de verniz, há um lado bem mais sinistro dos EAU que nos revela um Estado profundamente repressivo, onde os ativistas críticos ao Governo podem ser atirados para as prisões por coisas tão simples como escreverem um tweet”, avança a vice-diretora do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Hassiba Hadj Sahraoui.

Os alvos desta repressão são advogados, professores universitários, estudantes e ativistas da sociedade civil, alguns dos quais ligados à Associação de Reformas e Orientação Social (conhecida como Al-Islah), uma organização de raízes pacíficas que o Governo acusa de ter elos à Irmandade Muçulmana no Egito. As táticas de repressão visam também os familiares destas pessoas.

Este novo relatório da Amnistia Internacional – que surge em antecipação do Grande Prémio de Abu Dhabi de Fórmula 1, no próximo fim de semana, 22 e 23 de novembro – expõe o abismo enorme que existe entre a imagem pública que os Emirados Árabes Unidos tentam projetar no mundo, de uma potência económica dinâmica, moderna e florescente, dotada de hotéis de luxo, arranha-céus e os mais elegantes centros comerciais, e a feia realidade de ativistas a serem constantemente perseguidos e sujeitos a desaparecimentos forçados, tortura e outros maus-tratos.

“É esperado que milhões de espectadores por todo o mundo assistam ao Grande Prémio de Abu Dhabi de Fórmula 1 este fim de semana – e, porém, a maior parte deles não fazem ideia nenhuma da feia realidade da vida dos ativistas nos EAU”, sublinha Hassiba Hadj Sahraoui. “O nível de repressão é arrepiante e a verdade é que o tratamento terrível que os EAU dão aos ativistas críticos do Governo, assim como às suas famílias, continua a ser ignorado pelo mundo. É mais do que chegada a hora para que os aliados internacionais dos Emirados Árabes Unidos parem de fechar os olhos a estes abusos desenfreados por parte das autoridades, e ponham os direitos humanos claramente à frente dos seus interesses comerciais”, prossegue a vice-diretora do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

Assinatura de petição levou à perseguição

A repressão dos dissidentes ganhou ímpeto após uma petição assinada por 133 cidadãos ter sido enviada às autoridades em março de 2011, pedindo reformas políticas no país e o direito de voto para eleger um Parlamento. Desde aí, mais de cem ativistas pacíficos e críticos do Governo foram acusados ou detidos por crimes de segurança nacional ou por cibercrimes, em ambos os casos politicamente motivados. Mais de 60 destas pessoas continuam na prisão, a cumprirem sentenças que chegam a 14 anos.

O relatório agora publicado pela Amnistia Internacional detalha os casos destes homens e das suas famílias, demonstrando como foram intimidados ou detidos arbitrariamente pelas autoridades e acabaram presos.

Entre eles está o prisioneiro de consciência Mohammed al-Roken, reputado advogado de direitos humanos que há vários anos é alvo de perseguição do Governo devido às críticas expressas sobre a conduta de direitos humanos dos EAU e à sua campanha em prol de reformas democráticas no país. Cumpre atualmente uma pena de dez anos de prisão, na sequência de uma sentença emitida num processo coletivo repleto de falhas legais que visou 94 ativistas e foi julgado pela Câmara de Segurança de Estado do Tribunal Supremo Federal – caso que ficou conhecido como o julgamento “dos 94 dos Emirados Árabes Unidos”.

Noutro caso emblemático, o ativista Osama al-Najjar, de 25 anos, foi detido em março de 2014 após ter expressado, em comentários publicados no Twitter, os seus receios de que o pai, Hussain Ali al-Najjar al-Hammadi, e outros presos políticos encarcerados na Prisão de Al-Razeen, em Abu Dhabi, estivessem a sofrer maus-tratos. Logo após a detenção, Osama foi colocado em cela solitária e diz ter ali sido espancado repetidamente por todo o corpo e ameaçado com choques elétricos.

O pai de Osama al-Najjar está a cumprir uma pena de 11 anos de prisão, tendo sido condenado por acusações vagamente fundamentadas em questões de segurança nacional em dois julgamentos coletivos maciços e injustos. Logo após a sua detenção em 2012, foi mantido em solitária durante oito meses em condições que configuram desaparecimento forçado.

“As autoridades dos EAU têm de parar imediatamente com estas detenções e prisões arbitrárias, assim como com os desaparecimentos forçados. Tanto o pai como o filho neste caso são prisioneiros de consciência que devem ser pronta e incondicionalmente libertados, a par de todos os outros que foram detidos apenas por exercerem pacificamente os seus direitos de expressão e de associação”, defende Hassiba Hadj Sahraoui.

A Amnistia Internacional insta as autoridades dos EAU a reverem urgentemente as leis que criminalizam o exercício pacífico dos direitos de liberdade de expressão e de liberdade de associação, incluindo a lei que visa os cibercrimes assim como a nova e repressiva legislação antiterrorismo aprovada em agosto de 2014.

Detidos e brutalmente torturados

Alguns dos detidos afirmam que foram torturados e submetidos a outros maus-tratos, descrevendo que os interrogadores lhes arrancaram as unhas, espancaram brutalmente e os penduraram de cabeça para baixo durante longos períodos de tempo, que lhes arrancaram pelos das barbas e do peito e os ameaçaram com choques elétricos, violação e a morte.

Para a Amnistia Internacional é imperativo que as autoridades dos EAU condenem publicamente o recurso à tortura e tomem medidas efetivas para proibir e prevenir a ococrrência de todas e qualquer forma de tortura e outros maus-tratos, e que lancem investigações independentes e imparciais a todas as alegações de tortura, levando a tribunal os responsáveis por tais práticas.

“Os EAU não podem continuar a proclamar que são um país progressista, nem manter a cabeça erguida como membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, e tão pouco permanecer como parceiro de negócios no palco internacional, enquanto mantiverem os críticos ao Governo nas prisões por terem apenas expressado pacificamente as suas opiniões”, reitera a vice-diretora do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

O julgamento “dos 94 dos Emirados Árabes Unidos” ficou marcado por uma série de irregularidades, erros processuais e injustiças. O sistema de justiça dos EAU não é independente nem imparcial, e os seus tribunais normalmente parecem fazer pouco mais do que carimbar as decisões do Executivo do país.

Os arguidos veem-lhes ser negado acesso a advogado, assim como o direito de recorrer de uma sentença. Em muitos casos, o processo assenta em “confissões” forçadas com as quais os arguidos são condenados, em violação das leis internacionais de direitos humanos.

As táticas de perseguição e de intimidação usadas pelas autoridades incluem também a revogação da nacionalidade de ativistas e a punição de seus familiares, no que, amiúde, toma a forma de um bloqueio do acesso a oportunidades de emprego e de ensino.

As autoridades dos Emirados Árabes Unidos responderam às preocupações expressas pela Amnistia Internacional neste relatório com a declaração de que a promoção dos direitos humanos no país é “um processo em curso”. “Mas aquilo que temos de ver as autoridades dos EAU fazerem é a tomada de medidas rápidas e concretas para provarem que o Governo está verdadeiramente decidido a proteger os direitos humanos, e não mais camadas de verniz a taparem a impiedosa repressão que ocorre no país”, remata Hassiba Hadj Sahraoui.

 

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