No momento histórico em que o Presidente dos Estados Unidos da América visita Cuba e a Argentina, a Amnistia Internacional escreveu aos três líderes uma Carta Aberta com 8 preocupações em relação à situação de direitos humanos nos três países. Estes são os assuntos que deviam estar em cima da mesa esta semana.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
1. Detenções na Baía de Guantánamo
Embora seja de reconhecer a vontade da atual administração norte-americana de acabar com as detenções na base naval da Baía de Guantánamo, é preocupante que dezenas de detidos continuem no local mais de seis anos após o prazo inicial decretado pelo Presidente Obama para o seu encerramento. Todos os detidos sobre os quais os Estados Unidos da América não tenham intenção de formular nenhuma acusação formal para julgamento, em procedimentos que devem cumprir na íntegra os padrões internacionais de um julgamento justo, devem ser imediatamente libertados.
O plano do governo norte-americano para o encerramento do centro de detenção militar, enviado a 23 de fevereiro de 2016 para o Congresso, falha ao não encarar esta questão como sendo de direitos humanos. O plano não refere quaisquer obrigações dos Estados Unidos da América ao nível da responsabilização pelas violações de direitos humanos ocorridas, incluindo crimes relacionados com tortura e desaparecimento forçado. A proposta passa por transferir alguns detidos para território continental norte-americano, mantendo-os em detenção por tempo indeterminado, sem acusação ou julgamento. Encerrar a prisão de Guantánamo não pode passar por transferir as violações de direitos humanos para outro lugar.
2. Embargo económico norte-americano a Cuba
Durante demasiado tempo o embargo económico dos Estados Unidos a Cuba tem posto em causa os direitos humanos neste último país, particularmente no que diz respeito aos direitos económicos, sociais e culturais. Ao longo dos anos, a Amnistia Internacional tem pedido o levantamento do embargo e documentado como este impede, diariamente, o acesso dos cidadãos cubanos a medicamentos e outros produtos básicos. Os esforços do governo norte-americano para restabelecer as relações diplomáticas com Cuba são de louvar, mas é preciso agora que o Congresso aprove as seguintes leis: Lei de Liberdade para Viajar para Cuba, de 2015, Lei do Comércio com Cuba, de 2015, e Lei de Matéria Digital e de Telecomunicações com Cuba.
3. Migrantes e refugiados
Nesta primeira visita à América Latina em 2016, o Presidente Obama deve não apenas considerar os problemas de direitos humanos existentes nos países que visita, mas aproveitar para resolver a situação de milhares de migrantes e requerentes de asilo nos Estados Unidos da América. Deve garantir que o seu governo cumpre os padrões internacionais no que diz respeito às pessoas que tentam entrar no seu país.
No ano passado, cerca de 40.000 crianças não acompanhadas e 40.000 famílias foram detidas quando passavam a fronteira no sul do país. Muitos fugiam da violência e da insegurança vividas em El Salvador, nas Honduras, Guatemala e no México. As famílias e as crianças estiveram detidas durante meses enquanto pediam para permanecer no país. Muitos ficaram em locais onde não era garantido o acesso adequado a cuidados médicos, alimentação ou água, bem como o acesso a aconselhamento legal.
O governo norte-americano anunciou a expansão do programa atual de reinstalação para migrantes que estejam a fugir de El Salvador, Guatemala e Honduras. Um passo na direção correta, mas ainda assim longe das medidas internacionais consideradas necessárias para a reinstalação destes deslocados.
CUBA
4. Escrutínio Internacional
Há décadas que organizações independentes de direitos humanos e outros mecanismos, como o Relator Especial das Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não têm acesso a Cuba. O país é o único da região das Américas ao qual a Amnistia Internacional nunca teve permissão de aceder. Ao mesmo tempo que é de louvar o diálogo agora aberto entre Cuba e a comunidade internacional, seria importante que este incluísse outros atores, como as organizações de direitos humanos, que deviam poder entrar no país para monitorizar e relatar questões relacionadas com os direitos humanos.
5. Detenções arbitrárias e restrições às liberdades de expressão, associação e reunião
Nos últimos anos têm surgido constantemente relatos de perseguições e detenções arbitrárias por curtos períodos de tempo de manifestantes pacíficos, dissidentes políticos e defensores de direitos humanos em Cuba. A 10 de dezembro de 2015, por exemplo, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional recebeu relatos de dissidentes e jornalistas colocados em prisão domiciliária como forma de prevenir que participassem em ações pacíficas.
Igualmente preocupante é o facto de estarem a ser usadas disposições do Código Penal cubano – como as relacionadas com “desacato”, “resistência a funcionários públicos no desempenho da sua função” e “desordem pública” – para reprimir as liberdades de expressão, reunião e associação.
ARGENTINA
6. Acesso à justiça e o fim da impunidade
Quatro décadas passadas desde o golpe de Estado de 1976 na Argentina e muito se evoluiu nas investigações e na tentativa de levar a julgamento os responsáveis pelas violações graves de direitos humanos que ocorreram na altura. Contudo, há desafios que continuam por superar, como a necessidade de organizar mais eficientemente os casos e de proteger a segurança e a integridade física das testemunhas.
7. Direitos dos Povos Indígenas
A Constituição argentina e as leis internacionais de direitos humanos reconhecem o direito dos povos indígenas. Porém, durante décadas estas pessoas têm sido tratadas no país como cidadãos de segunda classe, sujeitos a violência, intimidação e discriminação, sendo os seus direitos humanos ignorados. Nos últimos anos as suas reivindicações começam a ganhar relevância na agenda política e social na Argentina, mas na última década os interesses estatais e privados, especialmente os ligados às industrias agroindustriais e extrativas, têm criado enormes barreiras no acesso dos povos indígenas da Argentina ao direito às terras tradicionais. Organismos internacionais têm criticado a falta de consulta às comunidades locais quando se preparam projetos de desenvolvimento e de exploração dos recursos naturais que as podem afetar.
8. Liberdade de expressão e o direito a reunir pacificamente
Nos últimos anos registam-se avanços e retrocessos noque diz respeito à forma como o poder político e as forças de segurança na Argentina têm lidado com os protestos da sociedade. Em fevereiro deste ano de 2016 o Ministério da Segurança publicou o “Protocolo de Atuação das Forças de Segurança do Estado em Manifestações Públicas” e o documento insta as forças de segurança a travarem todos os protestos e a exercerem ação penal sobre as pessoas que participem em manifestações. Isto limita fortemente a liberdade de expressão e o direito de manifestação pacífica, ao mesmo tempo que representa o uso indevido do sistema de justiça para criminalizar quem se quer manifestar.
A Carta Aberta da Amnistia Internacional está disponível aqui, na íntegra, em inglês e espanhol.