A história dos direitos humanos é, em si, uma narrativa de fins e recomeços, marcada por ciclos de progresso e retrocessos que moldaram o mundo como o conhecemos. Desde a abolição da escravatura[1], passando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948[2], até aos movimentos contemporâneos por justiça social, cada conquista foi precedida por períodos de luta intensa e resistência. Muitas vezes, crises profundas, como guerras, genocídios e regimes opressivos, expuseram as piores violações à dignidade humana, mas também serviram como catalisadores para novos pactos sociais e políticos que renovaram o compromisso global com a proteção dos direitos fundamentais.
Cada recomeço, no entanto, não representa um ponto final, mas sim o início de novos desafios. As promessas das grandes cartas e tratados nem sempre se concretizaram de forma universal, exigindo movimentos contínuos de monitorização e adaptação às realidades em constante evolução. Recomeços como o surgimento do movimento feminista global, a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos da América ou as recentes mobilizações contra as alterações climáticas ilustram como os direitos humanos permanecem uma obra em construção. Estes marcos lembram-nos que cada fim aparente é, na verdade, uma oportunidade para reimaginar e fortalecer os alicerces de um futuro mais justo e inclusivo.
Um Olhar Sobre a Liderança na Amnistia Internacional
O conceito de “novos começos” é especialmente relevante no contexto da Amnistia Internacional, refletindo a contínua necessidade de adaptação e evolução da nossa organização. À medida que nos aproximamos das eleições para novos membros da Direção e demais órgãos sociais, que tomarão posse em 2025, esta ideia torna-se um convite para avaliar criticamente o caminho percorrido, aprender com os desafios enfrentados e renovar o compromisso com os valores que nos unem.
Este é um momento de reflexão sobre o passado recente, marcado por um crescimento significativo da nossa secção nos últimos nove anos. Embora esse crescimento tenha sido reconhecido pelo movimento internacional como um exemplo de sucesso, também trouxe consigo novos desafios e complexidades. Este “novo começo” não se trata apenas de renovar o compromisso com os direitos humanos, mas de adaptar a nossa estrutura e práticas para responder de forma mais eficaz aos desafios do presente e do futuro. Mais do que uma simples transição de liderança, este momento representa uma oportunidade para reimaginar estratégias, fortalecer o impacto da nossa ação e garantir que a nossa secção continua a ser um exemplo de resiliência e compromisso com a visão de “uma única Amnistia” (One Amnesty) no nosso modelo organizacional, inspirados pelos princípios de liderança feminista delineados na Estratégia Global do Movimento 2022-2030[3]. Esta é uma oportunidade para fortalecer ainda mais a nossa cultura organizacional, tornando-a mais ágil, inclusiva e eficaz, para que possamos continuar a impulsionar o nosso trabalho em defesa dos direitos humanos, enfrentando com determinação os desafios que surgem com o nosso crescimento e garantindo que estamos preparados para as oportunidades que virão.
Eleições para os órgãos sociais: o Futuro da Amnistia Internacional Portugal
Em dezembro, a Amnistia Internacional Portugal não apenas elege novos membros para os órgãos sociais, mas também traça o rumo para os próximos anos, num momento decisivo para o futuro da organização. Este processo representa uma oportunidade única de reforçar os princípios de liderança feminista em todas as dimensões do nosso trabalho, promovendo uma cultura de colaboração. Mais do que escolher lideranças, esta é uma ocasião para fortalecer a participação democrática e o envolvimento ativo de cada membro na construção de um movimento mais forte e representativo.
Cada membro tem o poder de votar, mas também o dever de participar ativamente neste processo. Este é o momento de refletir sobre questões fundamentais que definirão o futuro da secção: Que tipo de liderança será mais eficaz para enfrentar os desafios contemporâneos? Como podemos promover ligações mais fortes entre membros, voluntários e ativistas? De que formas podemos motivar uma participação mais ativa e diversa nas Assembleias Gerais, garantindo representatividade e inclusão? Como podemos integrar melhor a juventude e os ativistas nos processos estratégicos, de modo a moldar um movimento que reflita a diversidade e a energia das bases?
A eleição dos órgãos sociais é uma responsabilidade coletiva que requer o compromisso de todos os membros. Somente com a participação ativa e consciente será possível assegurar que as decisões tomadas reflitam as necessidades, ambições e diversidade do movimento. Este é um momento para renovar o nosso compromisso com os direitos humanos e com a construção de uma organização que, fiel aos seus valores, seja um exemplo de justiça, igualdade e democracia participativa.
Votação da Estratégia de Ativismo: Um Novo Impulso para a Mobilização pelos Direitos Humanos
A Assembleia Geral de 14 de dezembro de 2024 marca outro momento significativo para a Amnistia Internacional Portugal, com a votação da Estratégia de Ativismo. Este é mais um passo no compromisso contínuo da organização em adaptar-se às exigências do presente e construir um movimento ainda mais participativo, inclusivo e impactante. Este desenvolvimento segue a aprovação prévia da Estratégia de Juventude, que visa fortalecer o envolvimento dos jovens na tomada de decisão da secção, reconhecendo o papel essencial que as novas gerações desempenham no futuro da luta pelos direitos humanos.
Com a proposta da Estratégia de Ativismo, a organização dá um passo adicional para dinamizar e inovar a forma como os ativistas se envolvem e contribuem para a missão da Amnistia, procurando novas formas de mobilizar pessoas, fortalecendo o impacto das campanhas e garantindo que a atividade de ativismo se torne mais acessível e motivadora para todos. Com o crescimento significativo da secção portuguesa nos últimos anos, esta estratégia também tem como objetivo garantir que os ativistas têm o apoio necessário para navegar pelos desafios organizacionais e manter o entusiasmo pela defesa dos direitos humanos.
Estas estratégias, juntas, refletem a visão de uma “única Amnistia” no modelo organizacional, onde todas as iniciativas estão alinhadas para criar uma organização mais coesa e eficaz. A integração do ativismo e da juventude como pilares fundamentais é um reflexo do compromisso contínuo da Amnistia Internacional Portugal com a justiça social, a inclusão e a construção de um movimento que não só reage aos desafios, mas os antecipa e lidera com inovação e resiliência. O apoio e participação dos membros na Assembleia Geral serão cruciais para transformar esta visão em ação e garantir que a organização continua a crescer de forma sustentável e impactante.
Este é um momento para renovar o nosso compromisso com os direitos humanos e reafirmar o propósito que une todos os que fazem parte da Amnistia Internacional: agir por um mundo mais justo e inclusivo, onde a dignidade humana seja respeitada em todas as suas formas. Trata-se de consolidar a visão de uma organização que não apenas defende esses princípios externamente, mas também os vive internamente, tornando-se um exemplo de como a igualdade e a democracia participativa podem ser integradas no dia a dia da sua estrutura e funcionamento.
Ao renovar este compromisso, reafirmamos a nossa determinação em enfrentar os desafios contemporâneos com coragem e inovação. É uma chamada para construir uma organização que valorize a diversidade como força motriz, que fomente o diálogo aberto e inclusivo, e que promova processos colaborativos mantendo a transparência. Este é um momento para não apenas refletir sobre o impacto que desejamos ter no mundo, mas também para garantir que o nosso movimento reflete os valores que buscamos alcançar globalmente, inspirando confiança, unidade e ação coletiva em todas as suas dimensões.
Reforçar a Liderança Reforçando Competências
A Direção e os órgãos sociais da Amnistia Internacional Portugal têm enfrentado uma série de desafios que refletem dificuldades comuns a muitas organizações baseadas no voluntariado e na participação ativa dos seus membros. O crescimento da nossa secção, a evolução das necessidades e as exigências de um mundo em constante mudança obrigam a uma adaptação contínua da nossa estrutura e capacidades. No entanto, a busca por novos membros dispostos a integrar os órgãos sociais tem se revelado uma das maiores dificuldades. A escassez de candidatos é ainda mais complexa, uma vez que é necessário garantir que os mesmos possuam as competências necessárias para desempenhar adequadamente as funções, assegurando uma liderança eficaz e alinhada com as normas do movimento e com os desafios contemporâneos enfrentados pela organização.
De facto, esta dificuldade pode enfraquecer a capacidade de liderança e tomada de decisão da secção, colocando em risco a nossa relevância e impacto no movimento global pelos direitos humanos. Para responder a este desafio, a implementação de um “Comité” Independente de Nomeações, conforme prescrito nas Normas Fundamentais do Movimento, e já aplicado noutras secções e no movimento internacional, poderia ser uma solução eficaz. Este comité teria a responsabilidade de identificar lacunas de competências nos órgãos sociais e de conduzir um processo independente, com o objetivo de colmatar essas lacunas de forma estratégica. Além disso, poderia atuar como um facilitador para promover maior diversidade e inclusão nos órgãos sociais, assegurando que as diferentes experiências, perspetivas e talentos dos nossos membros sejam adequadamente representados.
Além disso, poderia desempenhar um papel crucial no planeamento do processo de indução de novos membros dos órgãos sociais, garantindo uma transição fluida e estratégica de liderança, ao mesmo tempo que prepara os próximos líderes da organização. A implementação desta ferramenta não só ajudaria a enfrentar os desafios atuais, mas também reforçaria a sustentabilidade e a relevância da Amnistia Internacional Portugal no longo prazo. Com processos mais transparentes e estruturados para a escolha de lideranças, a organização poderia atrair novos talentos, fortalecer a confiança dos membros e alinhar-se com as melhores práticas internacionais. Este passo é fundamental para garantir que a Amnistia Internacional Portugal continue a ser uma voz forte e eficaz na defesa dos direitos humanos.
A Direção da Amnistia Internacional Portugal reconhece que a implementação do Comité Independente de Nomeações é uma medida essencial para o fortalecimento e a sustentabilidade da nossa secção. Foram dados passos significativos na definição e preparação deste mecanismo, deixando o caminho trilhado para que a nova liderança possa avançar com a sua concretização, sempre com o envolvimento ativo dos membros da nossa secção. Este é um passo decisivo para assegurar que a nossa organização continue a ser um exemplo de mobilização e gestão democrática, onde as decisões refletem a missão e os valores do nosso movimento global, liderado por pessoas, para pessoas.
A nossa profunda gratidão a todos e todas que contribuíram para fortalecer este caminho conjunto.
Texto escrito pela Direção que cessou funções em dezembro de 2024 (e escrito antes das eleições dos novos órgãos sociais).
[1] — O primeiro país a abolir oficialmente a escravatura foi a Dinamarca-Noruega. Em 1792, o governo dinamarquês promulgou uma lei que proibia o comércio de escravos no Atlântico, com efeito a partir de 1803, marcando um passo pioneiro na luta contra a escravatura. No entanto, é importante notar que esta abolição inicial se referia ao comércio transatlântico e não à escravatura em si, que continuou em algumas colónias dinamarquesas por um período mais longo. Em Portugal, a abolição da escravatura ocorreu em etapas. O marco inicial foi em 1761, quando o Marquês de Pombal proibiu a entrada de novos escravizados no território continental português, tornando Portugal um dos primeiros países europeus a adotar essa medida. Contudo, a escravatura continuou a existir nas colónias portuguesas. A abolição total da escravatura no Império Português aconteceu apenas no século XIX. Em 1854, a escravatura foi abolida em Goa, e em 1869, um decreto assinado pelo Rei D. Luís I declarou o fim oficial da escravatura em todas as colónias portuguesas. Mesmo assim, a prática residual da servidão e do trabalho forçado continuou em algumas regiões sob outras formas até o século XX.
[2] — A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de dezembro de 1948, estabelece os direitos e liberdades fundamentais a que todas as pessoas têm direito, independentemente de raça, género, religião ou qualquer outra condição.
[3] — Quadro estratégico global da Amnistia Internacional [POL 50/3639/2021].