- “O novo Governo moçambicano deve dar início imediato a investigações independentes, eficazes e exaustivas a todas as mortes, incidentes de tortura e outros maus-tratos” — Khanyo Farisè
- Amnistia apela a que o Governo se comprometa a publicar conclusões dessas investigações
O Governo moçambicano, liderado pela Frelimo, deve iniciar urgentemente investigações a relatos de violações de direitos humanos generalizadas, cometidas durante a repressão continuada às manifestações de contestação dos resultados das eleições gerais, e comprometer-se a publicar as conclusões, apelou a Amnistia Internacional.
Após o assassinato de duas destacadas figuras alinhadas com a oposição, começaram, a 21 de outubro de 2024, manifestações por todo o país. Desde então, há relatos credíveis de violações de direitos humanos generalizadas, envolvendo nomeadamente o homicídio de mais de 300 pessoas, incluindo crianças e transeuntes, numa tentativa de reprimir os protestos.
A responsabilidade pela maioria das mortes foi atribuída às forças de segurança, segundo os registos de grupos de monitorização. As forças governamentais balearam e feriram ainda mais de 700 outras pessoas e detiveram arbitrariamente milhares de pessoas, sujeitando-as alegadamente a tortura e outros maus-tratos sob custódia, também de acordo com os mesmos registos. As autoridades perseguiram ainda alegadamente jornalistas, limitaram o acesso à internet e mobilizaram o exército.
“A repressão às manifestações em Moçambique após as eleições do ano passado tem sido chocante. Assistimos ao ciclo eleitoral mais sangrento da história de Moçambique no pós-guerra civil, contudo, os presumíveis autores gozam de total impunidade” lamentou Khanyo Farisè, diretora regional adjunto para a África Oriental e Austral.
“Assistimos ao ciclo eleitoral mais sangrento da história de Moçambique no pós-guerra civil, contudo, os presumíveis autores gozam de total impunidade”
Khanyo Farisè
“O novo Governo moçambicano deve dar início imediato a investigações independentes, eficazes e exaustivas a todas as mortes, incidentes de tortura e outros maus-tratos, assim como outras violações dos direitos humanos reportadas durante a repressão continuada, indicando prazos claros para a publicação das conclusões. O Presidente Daniel Chapo deve provar que está determinado a quebrar este ciclo de impunidade, apelando ativamente para a realização de investigações urgentes e garantindo a plena cooperação com as autoridades responsáveis pelas mesmas. Deve ainda assegurar a reparação efetiva às vítimas e sobreviventes e exercer a sua autoridade para acabar com as violações dos direitos humanos pelas forças de segurança durante as manifestações”.
Força letal
Moçambique realizou eleições gerais em 9 de outubro de 2024. Os resultados preliminares apontavam para a vitória de Daniel Chapo, o candidato da Frelimo, o partido no poder, sobre o candidato da oposição, apoiado pelo partido PODEMOS, Venâncio Mondlane, que contestava as contagens de votos.
Em 19 de outubro, num clima de alegações generalizadas de fraude eleitoral, atiradores não identificados emboscaram um automóvel em Maputo e crivaram-no de balas, assassinando um destacado membro do partido PODEMOS, Paulo Guambe, e o assessor jurídico de Mondlane, Elvino Dias.
No dia 21 de outubro, eclodiu rapidamente uma vaga de manifestações convocadas por Mondlane, que alastrou a todo o país. Nos dias e semanas seguintes, a polícia respondeu com força excessiva e por vezes letal, existindo relatos de disparos de gás lacrimogéneo contra edifícios fechados e de balas contra manifestantes.
Em inícios de novembro, após relatos de mais de 20 mortes, as autoridades mobilizaram o exército.
Até meados de dezembro, o número de mortes reportadas tinha ultrapassado a centena, com o homicídio de pelo menos 34 pessoas numa só semana. Nos dias 23 e 24 de dezembro, a sociedade civil indicou que tinham sido mortas mais de 50 pessoas quando o Conselho Constitucional anunciou a vitória eleitoral de Chapo.
O número de mortes anunciado chegou às 300 na segunda semana de janeiro de 2025, após a morte de mais oito pessoas durante manifestações que tiveram lugar durante a celebração da tomada de posse de Chapo, em 15 de janeiro. As mortes no contexto das manifestações continuaram, registando-se mais de uma dezenade outras mortes durante manifestações desde a tomada de posse.
Ocorreram ainda dezenas de alegados raptos, homicídios e desaparecimentos forçados fora do contexto das manifestações, nomeadamente no caso do político e jornalista da oposição Arlindo Chissale, que foi alegadamente vítima de desaparecimento forçado em 7 de janeiro.
Ao longo de todo este período, a repressão das manifestações incendiou a ira popular e espoletou ataques de aparente vingança. Bernardino Rafael, que foi comandante da polícia até à tomada de posse de Chapo, anunciou o homicídio de 17 agentes da polícia durante os distúrbios. Um funcionário eleitoral foi também morto, alegadamente por uma multidão enfurecida, em aparente retaliação pela alegada fraude eleitoral.
“As eleições terminaram, mas os relatos de violações dos direitos humanos não pararam”, afirmou Khanyo Farisè. “As forças de segurança de Moçambique devem pôr um ponto final à repressão, parar de matar pessoas ilegalmente nas manifestações e cumprir as suas obrigações de direitos humanos, respeitando, facilitando e protegendo as manifestações. As autoridades devem também proteger as pessoas de raptos e desaparecimentos forçados e libertar imediata e incondicionalmente todas as pessoas detidas arbitrariamente por, pacificamente, se manifestarem ou expressarem a sua opinião.”
“As forças de segurança de Moçambique devem pôr um ponto final à repressão, parar de matar pessoas ilegalmente nas manifestações e cumprir as suas obrigações de direitos humanos”
Khanyo Farisè
Virar da página
Até à data, ninguém foi responsabilizado pelas mortes ilegais e outras violações dos direitos humanos no período pós-eleitoral.
No dia 22 de novembro, o Serviço Nacional de Investigação Criminal anunciou que estava em curso uma investigação às mortes de Guambe e Dias, mas não houve qualquer atualização sobre a mesma até à data. Em finais de janeiro, o Presidente Chapo declarou numa entrevista à comunicação social que o seu governo “trabalharia para investigar a situação” do envolvimento das forças de segurança na morte de civis, mas não anunciou mais pormenores desde então.
Entretanto, o procurador-geral de Moçambique anunciou em 4 de fevereiro o início de 651 processos penais e civis relacionados com “mortes, ofensas corporais ou destruição de propriedade pública ou privada, decorrentes de manifestações violentas”, mas não especificou se estes casos envolviam forças de segurança, civis ou ambos.
“Para virar a página deste capítulo terrível, as autoridades moçambicanas devem ser frontais sobre a evolução das várias investigações e processos já anunciados e lançar investigações exaustivas, credíveis e transparentes a todas as violações dos direitos humanos cometidas durante a repressão pós-eleitoral”, declarou Khanyo Farisè.
“As autoridades moçambicanas devem ser frontais sobre a evolução das várias investigações e processos já anunciados e lançar investigações exaustivas, credíveis e transparentes a todas as violações dos direitos humanos cometidas durante a repressão pós-eleitoral”
Khanyo Farisè
Assine a petição da Amnistia Internacional exigindo que o Governo de Moçambique dê início a investigações aos relatos de violações dos direitos humanos durante a repressão pós-eleitoral.
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