4 Setembro 2014

As práticas de tortura e outros maus-tratos estão fora de controlo no México, com um aumento de 600 por cento no número de casos denunciados na última década, é revelado em novo relatório da Amnistia Internacional. A organização de direitos humanos insta o Governo mexicano a agir quanto antes para travar o recurso persistente e generalizado à tortura por parte da polícia e das forças militares no país.

Este novo relatório – intitulado “Out of control: Torture and other ill-treatment in Mexico” (Fora de controlo: a tortura e outros maus-tratos no México) e divulgado esta quinta-feira, 4 de setembro – espelha um gravíssimo aumento do uso da tortura e outros abusos, e demonstra a existência de uma cultura de tolerância desta conduta e de impunidade. Apenas sete responsáveis por atos de tortura foram condenados em tribunais federais mexicanos e menos ainda foram julgados a nível dos tribunais dos estados federados.

“As autoridades não podem continuar a fechar os olhos e a ignorar a tortura. O falhanço sistemático em imporem salvaguardas para impedir a prática de tortura e outros maus-tratos, a par da forma frequentemente tendenciosa com que são investigadas as denúncias, menorizando a gravidade dos abusos cometidos, constituem indicadores de que o Governo não está a proteger os direitos humanos”, avalia a diretora do Programa Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara Rosas.

A perita frisa que este “aumento chocante da tortura no México significa que a ameaça de maus-tratos e abusos existe para toda e qualquer pessoa no país”, e evoca o inquérito comissionado pela organização de direitos humanos, segundo o qual “64 por cento dos cidadãos mexicanos têm medo de serem torturados caso sejam detidos pelas autoridades”.

Este novo relatório agora divulgado é o primeiro de uma série de investigações sobre cinco países que serão publicados no âmbito da campanha global STOP Tortura da Amnistia Internacional.

Out of control: Torture and other ill-treatment in Mexico” nota que, entre 2010 e o fim de 2013, a Comissão Nacional de Direitos Humanos naquele país recebeu mais de sete mil denúncias de práticas de tortura e outros maus-tratos. É assinalada uma baixa recente em 2014, mas os números permanecem muito mais elevados do que há uma década.

Vítimas de tortura oriundas de várias partes do México descreveram à Amnistia Internacional terem sido submetidas a espancamentos, ameaças de morte, violência sexual, choques elétricos e quase asfixia às mãos da polícia e de militares, frequentemente com o propósito de lhes serem forçadas “confissões” ou que incriminem outras pessoas em crimes graves.

Espancado e quase asfixiado na prisão por ser imigrante e negro

Ángel Amílcar Colón Quevedo, natural das Honduras, foi torturado e sujeito a maus-tratos por polícias e militares por ser imigrante e negro. Contou à Amnistia Internacional que o espancaram, asfixiaram com um saco de plástico enfiado na cabeça, que o forçaram a despir-se e a ter atos humilhantes, e lhe fizeram insultos raciais. Este hondurenho permanece detido no México a aguardar julgamento com base em declarações que foi forçado a prestar sob tortura. A Amnistia Internacional declarou-o prisioneiro de consciência no início deste ano.

O relatório da organização de direitos humanos documenta os casos de mais de 20 pessoas que, como Ángel Colón, sofreram tortura sob a tutela das autoridades no México.

Apesar da proibição legal da tortura no país, o sistema de justiça criminal mexicano continua a aceitar provas obtidas no âmbito de detenções arbitrárias e práticas de tortura. Esta conduta não só encoraja o continuado recurso à tortura e outros maus-tratos; indica também o quão frequentemente os julgamentos e condenações são injustas – debilitando ainda mais a credibilidade do sistema judicial e dos direitos humanos dos arguidos criminais.

Nas raras ocasiões em que são abertas investigações oficiais a denúncias de tortura estas estão frequentemente repletas de deficiências.

Os procedimentos especiais forenses do Gabinete do Procurador Federal nas investigações a casos de tortura e outros maus-tratos ficam amiúde aquém dos padrões internacionais consagrados no Protocolo de Istambul (nome comum pelo qual é conhecido o Manual das Nações Unidas para a Investigação e Documentação de Tortura e outros Maus-tratos ou Tratamento ou Castigo Desumano ou Degradante, de 1999). Apesar destas falhas, procuradores e juízes confiam em tais investigações oficiais deficientes e recusam-se a aceitar provas e peritagens independentes.

“A ausência de investigações credíveis e minuciosas às alegações de tortura configura um duplo abuso de direitos humanos. Se as autoridades falham na recolha de provas da conduta abusiva das próprias autoridades, as vítimas ficam sem reparação e incapacitadas de demonstrarem que as ‘confissões’ foram obtidas sob violência”, sustenta Erika Guevara.

Os processos de investigação às alegações de tortura e outros maus-tratos “têm de ser radicalmente e prontamente revistos, em especial no que toca à aplicação dos padrões internacionalmente reconhecidos pelo Protocolo de Istambul”, prossegue a diretora do Programa Américas da Amnistia Internacional. “As autoridades mexicanas têm também de garantir que as provas recolhidas pelos peritos médicos independentes são admitidas nos procedimentos judiciais”, avança ainda.

Este novo relatório aponta uma série de medidas que têm de ser adotadas e postas em prática pelas autoridades do México de forma a prevenir, investigar e punir as práticas de tortura e outros maus-tratos – a começar pelo reconhecimento público por parte do Governo da verdadeira escala da tortura no país, a par da assunção do compromisso em combater esta grave violação dos direitos humanos como uma prioridade de topo.

Apenas 0,006 por cento das denúncias conduziram a condenações

Das mais de sete mil denúncias de práticas de tortura e outros maus-tratos recebidas pela Comissão Nacional de Direitos Humanos naquele país entre 2010 e o final de 2013, o Gabinete do Procurador Federal deu arranque aos procedimentos de inquérito forense em apenas 364 casos, tendo encontrado provas de recurso à tortura em 26.

Entre 2006 e 2013, o Gabinete do Procurador Federal abriu o total de 1.219 investigações oficiais a denúncias de tortura e outros maus-tratos, mas destas só foram lançados 12 processos com acusações formais por práticas de tortura e o sistema judicial mexicano reporta tão só sete condenações por tortura nos tribunais federais: isto traduz-se numa taxa de condenação de 0,006 por cento. Ao nível dos estados federados a prevalência da impunidade em casos de tortura é ainda mais alta.

Na génese de todo o processo, a Comissão Nacional de Direitos Humanos falha frequentemente em levar a cabo investigações atempadas e meticulosas a todas as denúncias de tortura que recebe, e tão pouco defende adequadamente os direitos das vítimas. Daquelas sete mil denúncias feitas entre 2010 e 2013, só em 44 o organismo emitiu recomendações públicas que confirmam a prática de tortura.

Em fevereiro passado, o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, reuniu-se com o Presidente mexicano, Enrique Peña, ao qual entregou um memorando instando as autoridades a encetarem uma série de procedimentos de combate à entrincheirada impunidade no que toca ao recurso à tortura no país e outras graves violações de direitos humanos.

 

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