12 Agosto 2014

Os três juízes no julgamento de 494 pessoas, em que os arguidos enfrentam o risco de pena de morte, escusaram-se do processo pouco antes da primeira audiência, mas a Amnistia Internacional mantém o alerta para estes julgamentos de farsa que se têm tornado recentemente numa sombria imagem de marca no Egito.

O painel de magistrados escusou-se deste caso, que envolve 494 apoiantes do deposto Presidente Mohamed Morsi, na sequência de objeções que foram apresentadas pelos advogados de defesa dos arguidos. Um novo coletivo de juízes será indicado pelo Tribunal de Recurso do Cairo, sendo depois agendada nova data para a audiência de arranque deste julgamento – que em tudo se assemelha já aos anteriores processos judiciais que pouco mais foram do que pantominas de justiça.

Este caso reporta aos protestos que ocorreram a 16 e 17 de agosto de 2013, nas imediações da Praça Ramsés, na capital egípcia, em que morreram pelo menos 97 pessoas. A maior parte destas mortes resultaram da repressão brutal feita pelas forças de segurança. Entre os arguidos estão 12 menores de idade, que têm estado detidos como adultos, num desrespeito flagrante da legislação do país.

“Nos meses recentes, os tribunais egípcios têm vindo a emitir sentenças de pena de morte em série, com base em provas frágeis e no contexto de procedimentos judiciais repletos de falhas e deficiências. Estes julgamentos de farsa, que acabam com sentenças de morte, estão a tornar-se numa sombria imagem de marca do Egipto. E este agora, também, é pouco mais do que uma pantomina”, defende o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África, Said Boumedouha.

Aqueles protestos de 16 e 17 de agosto do ano passado foram feitos em apoio a Morsi, o qual fora deposto cerca de um mês antes da presidência do país. De início as manifestações desenrolaram-se de forma pacífica mas eventualmente surgiram tumultos, após as primeiras cargas policiais para dispersar as multidões. Muitos manifestantes procuraram então refúgio na mesquita de Al Fath, na qual se barricaram durante a noite (na foto).

As forças de segurança dispararam gás lacrimogéneo para dentro do edifício, causando a morte por asfixia de pelo menos uma pessoa, uma mulher. Seguiram-se trocas de tiros nas zonas em redor da mesquita, nas quais a polícia diz que os manifestantes estiveram envolvidos. Mas os investigadores da Amnistia Internacional, presentes no local e na altura destes incidentes, reportam que não há possibilidade nenhuma de os manifestantes terem feito disparos contra as forças de segurança, uma vez que se encontravam fechados na área interior da mesquita.

Ibrahim Halawa, 17 anos, preso com adultos

Mais de 400 dos 494 arguidos são acusados de homicídio e tentativa de homicídio, crimes que são geralmente punidos com a pena capital ao abrigo da lei penal egípcia. Os restantes respondem em acusações que incluem destruição de propriedade pública, participação em manifestação não autorizada, agressão a membros das forças de segurança e prejuízo ao trabalho das instituições nacionais.

Entre eles estão 12 crianças, incluindo Ibrahim Halawa, de nacionalidade dupla egípcia e irlandesa, que tinha 17 anos à data da detenção, tendo já completado os 18 anos na prisão.

A Amnistia Internacional investigou pormenorizadamente este caso: Ibrahim Halawa e as três irmãs foram detidos quando tinham procurado refúgio dos tumultos na Praça Ramsés na mesquita próxima. Foi alvejado a tiro numa das mãos quando as forças de segurança irromperam no edifício, e não lhe foi dado acesso a assistência médica para tratamento do ferimento de bala. Os únicos cuidados que recebeu foi de um outro detido, médico de profissão. Ibrahim Halawa tem permanecido em detenção com adultos, em violação da legislação do Egito que determina que os menores de idade devem ser mantidos em centros de detenção juvenil e separados da população prisional adulta.

A Amnistia Internacional concluiu nesta investigação que Ibrahim Halawa é um prisioneiro de consciência, detido apenas por exercer pacificamente o seu direito à liberdade de expressão. A organização de direitos humanos insta, assim, a que seja imediatamente libertado e de forma incondicional, com a anulação de todas as acusações que impedem contra ele.

“O caso de Ibrahim é um dos muitos casos de injustiça que está a ser aplicada nos tribunais egípcios. E é demonstrativo da determinação com que o Governo no país está a desprezar as suas obrigações ao abrigo das leis internacionais”, frisa o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África.

De acordo com os media, até mesmo o grande mufti (mais alto representante islâmico junto do Estado egípcio e o qual detém a autoridade de aprovação das sentenças de morte proferidas pelos tribunais), terá recusado o seu aval à pena capital dada a muitos outros apoiantes da Irmandade Muçulmana, com a justificação de não terem sido apresentadas provas suficientes para validar as acusações. O grande mufti terá mesmo avançado que as acusações deduzidas pelos procuradores se consubstanciavam unicamente nos testemunhos e investigações dos agentes das forças de segurança.

No processo que era levado esta terça-feira a tribunal – e cujos autos foram analisados pela Amnistia Internacional – estão arroladas 100 testemunhas, a esmagadora maioria das quais são polícias ou responsáveis governamentais.

“Todos os arguidos têm direito a julgamento justo e sem a penalização de morte. Todos têm de ser julgados estando presentes em tribunal, de forma a poderem ouvir e contra-argumentar os testemunhos e provas expostas pela acusação, e a apresentarem a sua defesa, por representação legal ou defendendo-se a si próprios. Todos os arguidos têm de poder convocar testemunhas de defesa e examinar todas as provas que são apresentadas contra eles”, remata Said Boumedouha.

 

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