3 Maio 2014

Os jornalistas no Paquistão vivem sob constantes ameaças de morte, perseguição e muitas outras formas de violência vindas de todos os lados, inclusive dos serviços secretos do país, partidos políticos e grupos armados como os talibãs, denuncia a Amnistia Internacional. É um dos muitos exemplos no mundo onde a imprensa livre, sinal de um Estado democrático, permanece sob graves ameaças, ao assinalar-se a 3 de maio o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

O novo relatório, intitulado “A bullet has been chosen for you: Attacks on journalists in Pakistan” (Foi escolhida uma bala para ti: Ataques aos jornalistas no Paquistão) e divulgado na quarta-feira, 30 de abril, descreve como as autoridades paquistanesas praticamente falharam por completo em impedir os abusos dos direitos dos profissionais dos media e em responsabilizar perante a justiça aqueles que cometem essas mesmas violações.

A Amnistia Internacional documentou 34 casos de jornalistas mortos desde a reposição de Governo democrático em 2008 no Paquistão devido ao trabalho que desenvolviam.

Apenas num desses casos o responsável foi julgado e condenado em tribunal: no que reporta ao assassinato de Wali Khan Babar, correspondente no Paquistão da Geo TV, em 2011. Antes disso, só a morte do enviado do Wall Street Journal Daniel Pearl, em 2002, acabou por ser investigada e deu azo a um julgamento e condenação.

E estas mortes são apenas a estatística mais brutal da realidade da violência contra os jornalistas no Paquistão. Muitos mais foram ameaçados, perseguidos, raptados, torturados ou alvo de tentativas de assassinato nestes últimos sete anos.

“A comunidade de media no Paquistão está totalmente sob cerco. Os jornalistas, especialmente os que seguem as questões de segurança nacional e de direitos humanos, são visados de todos os lados num padrão preocupante de abusos cometidos com o propósito de os silenciar”, frisa o vice-diretor do Programa Ásia-Pacífico da Amnistia Internacional, David Griffiths. “Estas ameaças constantes colocam os jornalistas numa situação insustentável, em que virtualmente qualquer história sensível os põe em risco de serem alvos de violência vinda de um lado ou de outro”, prossegue.

Este relatório assenta numa extensa investigação no terreno a mais de 70 casos e entrevistas com mais de cem trabalhadores de media no Paquistão. Nele são analisados vários casos recentes em que jornalistas foram perseguidos devido ao seu trabalho por uma série de grupos e organizações diferentes.

Muitos dos jornalistas entrevistados pela Amnistia Internacional relatam terem sido alvo de intimidação e ataques por indivíduos que dizem estar ligados a muito temida agência paquistanesa de serviços secretos, o Diretório de Inter-Serviços Secretos (ISI). Algumas destas testemunhas são mencionadas no relatório sob nomes falsos, para sua proteção, e outras ainda não puderam ser incluídas no documento nem mesmo sob nome falso por temerem ser mortos.

A agência de serviços secretos paquistanesa tem sido dada como envolvida em vários raptos, casos de tortura e até assassinatos de jornalistas, mas nenhum agente do ISI foi alguma vez acusado – o que permite que continuem a atuar para lá do alcance da lei. As violações de direitos humanos de jornalistas por parte do ISI seguem normalmente um esquema que começa com telefonemas ameaçadores e acaba por levar a raptos, tortura e outras formas de maus-tratos e, em alguns casos, até ao assassinato.

Os jornalistas no Paquistão são igualmente alvos de violações de direitos humanos por grupos não ligados ao Estado por todo o país. A competição pela atenção dos media é de tal forma agressiva que os jornalistas estão permanentemente sob intensa pressão por parte das principais e mais poderosas figuras políticas com o intuito de obterem cobertura jornalística que lhes seja favorável.

Em Karachi, apoiantes do partido Movimento Muttahida Qaumi (MQM), do grupo religioso Ahle Sunnat Wal Jamaat (ASWJ), e de outras organizações já foram acusados em vários casos de perseguição e assassinatos de jornalistas que consideram críticos das suas posições.

Nas regiões do noroeste do Paquistão e na província de Baluchistan, mergulhadas em conflito, os talibãs, e os grupos armados Lashkar-e-Jhangvi (islamista) e Baluch (etnia do Baluchistan) fazem ameaças de morte públicas aos jornalistas e atacam-nos em retaliação por estes darem eco às violações de direitos humanos que aqueles grupos cometem e também por não promoverem as suas ideologias. E também no coração do Punjab (segunda maior província do país), os jornalistas enfrentam ameaças feitas pelos talibãs e por grupos ligados ao Lashkar-e-Jhangvi.

Apesar desta vaga de violência e de ataques contra os jornalistas, as autoridades paquistanesas continuam particamente sem levar quaisquer responsáveis à justiça. Do número avassalador de casos investigados pela Amnistia Internacional, as autoridades só muito raramente inquiriram sobre as ameaças e ataques ou responsabilizaram criminalmente os perpetradores.

Em apenas uma mão cheia de casos de grande impacto foram levadas a cabo investigações mais profundas e só mesmo uma reação muito condenatória por parte da opinião pública tornou impossível que as autoridades ficassem sem agir adequadamente.

“O Governo prometeu melhorar a difícil situação dos jornalistas no Paquistão, incluindo a nomeação de um procurador-público encarregue especificamente de investigar os ataques aos profissionais dos media. Mas não foram ainda dados nenhuns passos concretos nesse sentido”, sublinha David Griffiths.

O vice-diretor do Programa Ásia-Pacífico da Amnistia Internacional sustenta que “um passo crucial seria o Paquistão investigar as próprias agências militares e de serviços secretos sob a tutela do Estado, e garantir que os responsáveis por violações de direitos humanos cometidas contra jornalistas são julgados”. “Isto daria um sinal bastante forte a todos aqueles que tomam os jornalistas como alvo de que já não têm rédea livre”, remata.

As empresas de comunicação social que operam no Paquistão devem, por seu lado, assegurar que os jornalistas recebem treino adequado, assim como apoio e assistência, para o desempenho do seu trabalho. Tal constitui um passo fundamental e prático para resolver as questões do risco e abusos dos profissionais de media.

David Griffiths avisa que “sem estas medidas urgentes, os jornalistas no Paquistão podem ser facilmente intimidados a ficarem em silêncio”: “O atual clima de medo já teve um efeito inibidor da liberdade de imprensa e na luta constante de expor os abusos de direitos humanos no Paquistão”.

 

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