23 Outubro 2014

As repetidas tentativas da Holanda de retornar à força somalis para áreas controladas pelo grupo armado islâmico al-Shabaab expõe-nos a riscos elevados de violações dos direitos humanos e seria uma flagrante transgressão da legislação internacional, avisa a Amnistia Internacional numa nova investigação lançada esta quinta-feira, 23 de outubro.

O documento “Forced returns to south and central Somalia, including to al-Shabaab areas: a blatant violation of international law” (“Retorno forçado para a Somália central e sul, incluindo áreas do al-Shabaab: uma violação flagrante da legislação internacional”) destaca os elevados riscos para os civis que vivem na Somália.

“Para alguns somalis, retornar às áreas controladas pelo al-Shabaab é semelhante a receberem uma sentença de morte”, garante a diretora regional da Amnistia Internacional para a África Oriental, para o Corno de África e para os Grandes Lagos, L. Muthoni Wanyeki.

A Amnistia Internacional recebeu muitos relatos de somalis acusados de espionagem, pelos grupos armados, o que muitas vezes motivou vinganças – incluindo assassinatos. Muitos somalis temem regressar não apenas às áreas controladas pelo al-Shabaab, mas aos locais onde o grupo armado tem presença, como Mogadíscio.

Na capital e noutras áreas do sul e centro da Somália, pessoas continuam a ser assassinadas e feridas no fogo cruzado dos confrontos armados, em ataques suicidas, ataques com granadas e por engenhos explosivos improvisados. As operações militares em curso ao longo de 2014 levaram a um aumento da violência sobre civis.

O governo holandês tem insistido que os somalis podem ser enviados à força para as zonas mais perigosas do pais, incluindo aquelas em que o al-Shabaab é responsável por execuções ilegais, tortura e maus tratos.

“Ao enviar somalis para zonas instáveis, onde as suas vidas correm perigo, o governo holandês está também a ser responsável pelas violações de direitos humanos que estes enfrentam neste regresso”, conclui L. Muthoni Wanyeki.

Testemunhos em primeira mão

A investigação agora lançada pela Amnistia Internacional inclui testemunhos de pessoas cujos direitos humanos foram violados após regressarem.

É o caso de Fartuun, de 25 anos, que conta que o tio foi assassinado em agosto de 2013, pouco depois de ter sido devolvido pelo Iémen. “Foi capturado no dia em que regressou a casa”, relata Fartunn à Amnistia Internacional. E continua: “soldados do al-Shabaab levaram-no e mantiveram-no em cativeiro. Após cinco dias levaram-no para o estádio e decapitaram-no em frente às pessoas. Depois, deixaram-no no exterior, com a cabeça no estômago. Esteve lá três semanas”.

Poucos meses depois, em novembro de 2013, a Holanda desrespeitou o direito internacional e devolveu à força Ahmed Sai, de 26 anos, a Mogadíscio – uma cidade que nunca tinha visitado –, quando este tinha deixado a Somália há mais de 20 anos. Três dias depois ficou ferido, com muitas outras pessoas, num ataque suicida que resultou em pelo menos seis mortos.

Violação da legislação internacional

A legislação internacional exige que os Estados não devolvam pessoas para zonas onde as vidas ou liberdades estejam em risco real, como é o caso de algumas situações de conflito armado.

A Amnistia Internacional instou já outros governos, incluindo a Dinamarca, Suécia, Reino Unido, Noruega e Arábia Saudita a acabarem com a política de devolverem somalis para a zona sul e central da Somália.

“Todos os países têm a responsabilidade de proteger pessoas que, ao regressarem aos seus países, correm o risco de violações graves aos seus direitos humanos”, relembra L. Muthoni Wanyeki. Devem fazê-lo “ao invés de os colocarem na boca do lobo”.

E continua: “não é apenas perigoso e irresponsável colocar a vida das pessoas em risco desta maneira, mas ao fazê-lo os Estados estão a violar de forma flagrante as suas obrigações”.

A Holanda agendou recentemente uma reunião no Parlamento com o ministro das Migrações para discutir a sua política de devolução de requerentes de asilo rejeitados para zonas sob o controlo do al-Shabaab.

Em maio de 2014 o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apelou a todos os Estados que dão refúgio aos somalis que fogem ao conflito para cumprirem as suas obrigações sob a legislação internacional e a não devolvem pessoas à força para Somália, onde as suas vidas podem ficar em risco.

 

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