5 Novembro 2014

 

As forças militares israelitas mataram numerosos civis palestinianos nos ataques que tomaram por alvo edifícios residenciais, o que, em alguns dos casos, configurou crimes de guerra, é demonstrado num novo relatório da Amnistia Internacional sobre a operação “Margem Protetora” na Faixa de Gaza.

Families under the rubble: Israeli attacks on inhabited homes” (Famílias sob os escombros: os ataques de Israel a residências), publicado esta quarta-feira, 5 de novembro, detalha oito casos em que edifícios de habitação foram bombardeados pelas forças militares israelitas sem qualquer aviso prévio durante a “Margem Protetora”, em julho e agosto deste ano. Só esses ataques, avaliados neste relatório, causaram a morte de 104 civis, incluindo 62 crianças. A investigação da Amnistia Internacional revela a existência de um padrão frequente de ataques israelitas com recurso a bombas de elevada potência para arrasar casas de civis, às vezes dizimando famílias inteiras.

“O exército de Israel desrespeitou de forma flagrante as leis da guerra, levando a cabo uma série de ataques contra casas de civis e exibindo uma fria indiferença e desprezo na carnificina que causou”, sublinha o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Philip Luther. “Este relatório expõe um padrão de ataques a casas de civis por parte das forças israelitas, no qual é mostrado um desrespeito chocante pelas vidas dos civis palestinianos, aos quais não foi dado nenhum aviso nem nenhuma hipótese de fugirem”, prossegue.

Esta investigação contém numerosos relatos de sobreviventes dos ataques, os quais descrevem cenários horríveis de escavarem freneticamente pelos destroços das casas destruídas, em busca dos corpos dos filhos e de outros familiares.

Em muitos dos casos documentados no relatório foi identificada pela Amnistia Internacional a existência de possíveis alvos militares. Porém, a devastação provocada nas vidas e bens de civis, que ocorreu em todos os casos investigados, é claramente desproporcionada em relação às vantagens militares ganhas com o lançamento destes ataques.

“Mesmo que um combatente estivesse presente numa dessas casas de civis, tal não absolve Israel da obrigação de tomar todas as precauções exequíveis para proteger as vidas de civis apanhados no meio dos combates. Os ataques repetidos e desproporcionados contra casas indicam que as atuais táticas militares de Israel têm falhas gravíssimas e desrespeitam os princípios das leis internacionais humanitárias”, avalia Philip Luther.

Bombardeamentos sobre civis sem avisos prévios

No mais mortal dos ataques documentados no relatório, 36 membros de quatro famílias, incluindo 18 crianças, foram mortos quando o prédio de três andares em que moravam foi atingido. Israel não prestou informações sobre as razões que levaram a tomar aquele edifício por alvo, mas a Amnistia Internacional recolheu provas que permitiram identificar possíveis alvos militares no local.

E no segundo mais mortífero ataque tudo aponta para que as forças militares de Israel tinham como alvo um membro das Brigadas al-Qassam, o braço armado do Hamas, o qual se encontrava no exterior da casa da família de Abu Jame. A casa ficou em escombros, tendo ali morrido 25 civis, em que se incluem 19 crianças.

Independentemente dos alvos que as forças de Israel pretendiam atingir, ambos os ataques constituem ofensivas largamente desproporcionadas e, ao abrigo da legislação internacional, deveriam ter sido canceladas ou adiadas assim que se tornou evidente a presença de muitos civis naquelas casas.

As autoridades israelitas não deram quaisquer justificações para fazerem aqueles ataques. Em alguns dos casos analisados neste relatório, a Amnistia Internacional não conseguiu tão pouco identificar a presença de alvos militares e nesses casos tudo indica que a ofensiva tomou por alvo, de forma direta e deliberada, civis ou bens civis – o que configura crimes de guerra.

Em todos os casos investigados pela Amnistia Internacional não foi dado aviso prévio aos habitantes das casas bombardeadas. Se tal tivesse sido feito, não há dúvida de que se teria evitado a perda significativa de vidas.

“É trágico pensar que as mortes destes civis podiam ter sido evitadas. O ónus recai sobre as autoridades de Israel, as quais têm de explicar por que razão é que decidiram deliberadamente arrasar casas cheias de civis, quando tinham a obrigação legal de minimizar as hipóteses de atingirem civis e dispunham dos meios para o fazerem”, explica o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

Corpos despedaçados e irreconhecíveis

Families under the rubble: Israeli attacks on inhabited homes salienta ainda as consequências catastróficas dos ataques israelitas contra casas de civis palestinianos, que destruíram famílias inteiras. Nalgumas das residências bombardeadas estavam famílias numerosas, com a afluência de familiares que tinham já fugido de outras áreas de Gaza em busca de segurança.

Sobreviventes do ataque que vitimou a família Al-Hallaq descreveram cenas horríveis de partes de corpos espalhadas por entre os escombros e um caos brutal depois de três mísseis terem atingido a casa.

O médico palestiniano Khalil Abed Hassan Ammar, do Conselho Médico Palestiniano, e residente naquele prédio, contou à Amnistia Internacional: “Foi horrível não termos conseguido salvar ninguém… As crianças estavam todas queimadas, não dava para perceber quais eram as minhas e quais eram dos vizinhos. Levámos todos os que conseguimos para a ambulância. Só reconheci o meu filho mais velho, Ibrahim, pelos sapatos que ele tinha calçados… tinha-lhos comprado dois dias antes”.

Ayman Haniyeh, um dos vizinhos dos Al-Hallaq, relatou o trauma de tentar encontrar sobreviventes. “Só consigo lembrar-me dos pedaços de corpos: dentes, uma cabeça, braços, tripas, tudo espalhado, disperso”. Um outro sobrevivente deste mesmo ataque recordou ter segurado nos braços um saco cheio com os “bocados” do corpo do filho.

Israel continua sem sequer admitir a ocorrência dos ataques descritos neste relatório e não respondeu aos pedidos da Amnistia Internacional de explicações sobre as razões que conduziram aos mesmos.

Comunidade internacional tem de acionar o TPI

Pelo menos 18 mil casas foram destruídas ou ficaram inabitáveis durante o conflito. Mais de 1.500 civis palestinianos, incluindo 519 crianças, foram mortos em ataques levados a cabo por Israel durante esta ofensiva. Grupos armados palestinianos também cometeram crimes de guerra, disparando indiscriminadamente milhares de rockets contra território israelita, em que morreram seis civis, entre eles uma criança.

“Agora o crucial é que haja apuramento de responsabilidades nas violações das leis internacionais humanitárias que foram cometidas. As autoridades israelitas têm de fornecer respostas. A comunidade internacional tem de tomar medidas urgentes para acabar com o ciclo perpétuo de violações graves e de completa impunidade”, insta Philip Luther.

Face ao falhanço total das autoridades israelitas e palestinianas em investigarem de forma independente e imparcial as denúncias de crimes de guerra, impõe-se que a comunidade internacional dê o seu aval e apoio ao envolvimento do Tribunal Penal Internacional (TPI).

A Amnistia Internacional reitera os apelos feitos às autoridades israelitas e palestinianas para ativarem o Estatuto de Roma e dar ao TPI a autoridade necessária para investigar crimes cometidos em Israel e nos Territórios Palestinianos Ocupados. A organização de direitos humanos urge também o Conselho de Segurança das Nações Unidas a submeter a situação de Israel e dos Territórios Palestinianos Ocupados ao TPI, para que o procurador daquela instância máxima internacional possa investigar devidamente as alegações de crimes de guerra cometidos por ambas as partes, à luz da legislação internacional.

Israel continua a rejeitar o acesso a Gaza às organizações internacionais de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional, que teve de conduzir a investigação para este relatório à distância, com o apoio de dois operacionais no terreno que vivem em Gaza. O Governo israelita anunciou ainda que não irá cooperar com a comissão de inquérito criada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

“A recusa em permitir o acesso a Gaza de observadores independentes de direitos humanos soa a uma tentativa deliberadamente orquestrada para encobrir violações de direitos humanos ou esconder algo da análise das organizações internacionais. Israel tem de cooperar totalmente com a comissão de inquérito das Nações Unidas e permitir o acesso imediato a Gaza das organizações internacionais de direitos humanos, como a Amnistia Internacional, dando assim prova do compromisso assumido em matéria de direitos humanos”, remata o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

 

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