11 Junho 2024

Um novo briefing da Amnistia Internacional detalha como a eliminação de conteúdos sobre o aborto em várias redes sociais, sem que exista uma justificação clara para tal, pode fazer crescer os desafios no acesso ao aborto seguro e ameaça também o direito à saúde e à autonomia corporal.

Desde a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América (EUA) de 2022 que anulou Roe v. Wade, as principais plataformas de redes sociais – como o Facebook, Instagram e TikTok – removeram conteúdo relacionado com o aborto, nomeadamente, referentes ao acesso seguro a esta prática.

Denominado “In Obstacles to Autonomy: Post-Roe Removal of Abortion Information Online” (em português: Obstáculos à Autonomia: Remoção pós-Roe de informações sobre o aborto online), o briefing debruça-se na forma como as empresas das redes sociais não estão a respeitar as normas internacionais de direitos humanos, ao suprimirem conteúdos relacionados com o aborto sem justificarem, convenientemente e com transparência, a sua decisão.

As empresas de redes sociais não estão a respeitar as normas internacionais de direitos humanos, ao suprimirem conteúdos relacionados com o aborto sem justificarem, convenientemente e com transparência, a sua decisão

“Quando as empresas de tecnologia retiram informações referentes ao aborto, isso pode reforçar as barreiras no acesso à informação e agravar a discriminação e as violações dos direitos humanos contra as pessoas que podem engravidar ”, releva Jane Eklund, membro da Amnistia Internacional dos EUA para a área de tecnologia e direitos reprodutivos.

Jane Eklund sublinha também que “o acesso a informações precisas e imparciais sobre a intervenção voluntária da gravidez (IVG) é uma parte essencial dos cuidados de saúde reprodutiva” e que, por essa razão, “as empresas de tecnologia devem fazer melhor para garantir que os seus usuários conseguem aceder a essas informações”.

“O acesso a informações precisas e imparciais sobre a intervenção voluntária da gravidez é uma parte essencial dos cuidados de saúde reprodutiva”

Jane Eklund

O briefing mostra que a remoção deste conteúdo prejudica especialmente os jovens, devido à sua dependência das redes sociais para obter notícias e informações. Além disso, após a anulação de Roe v. Wade*, mais de 20 Estados impuseram restrições ao acesso ao aborto seguro. Outros introduziram projetos de lei para restringir o acesso digital a informações sobre o aborto. Até à data desta publicação, nenhum desses projetos de lei foi aprovado.

A análise da Amnistia Internacional revela como, após a decisão do Tribunal de Justiça de 2022, alguns conteúdos com informações sobre medicação (abortos não-cirúrgicos) – que são seguros e representam mais de metade de todos os abortos nos EUA – foram removidos, temporariamente ocultos ou marcados como “conteúdo sensível” que pode “conter conteúdo gráfico ou violento” nas principais redes sociais.

A remoção deste conteúdo prejudica especialmente os jovens, devido à sua dependência das redes sociais para obter notícias e informações

Outras publicações foram removidas porque as plataformas afirmaram que a informação partilhada era contrária às suas diretrizes comunitárias. Há também casos em que alegaram que a publicação pretendia comprar ou vender medicamentos para facilitar a IVG, quando tal não era verdade.

Um dos exemplos levantados no briefing diz respeito a uma publicação, a 27 de abril de 2023, no Instagram do Ipas – uma organização que procura aumentar o acesso a contraceção e abortos seguros – que partilhava o protocolo recomendado pela Organização Mundial de Saúde sobre como fazer um aborto medicamentoso. Esta publicação foi removida, com o Instagram a citar as suas políticas sobre a “venda de bens ilegais ou regulamentados” como motivo para a remoção, embora a publicação não fizesse qualquer referência à venda de medicamentos.

Como mostra esta análise, em 2022, enquanto muitos Estados se apressavam a proibir a IVG, algumas publicações da Planned Parenthood com informações sobre os locais onde o aborto era legal ou restrito apareceram desfocadas e marcadas como “conteúdo sensível”.

Publicações informações sobre os locais onde o aborto era legal ou restrito apareceram desfocadas e marcadas como “conteúdo sensível”

Organizações sem fins lucrativos como a Plan C e provedores de serviços da IVG por telessaúde como o Hey Jane sofreram remoções de conteúdo semelhantes. Em alguns casos, foram mesmo alvo de suspensão temporária das suas contas nas redes sociais, com pouca ou nenhuma explicação. Mais recentemente, em 2024, o Lilith Fund, um fundo que oferece apoio a pessoas do Texas que viajam para fora do Estado para ter acesso a cuidados de aborto seguro, viu uma publicação sua com um link para este tipo de assistência impedida de ser publicada no Facebook. Noutra ótica, a Mayday Health, também uma organização sem fins lucrativos que explica às pessoas o que é o aborto medicamentoso e como aceder a ele de forma segura, teve a sua conta no Instagram temporariamente suspensa sem qualquer aviso.

“Todas as pessoas têm o direito à consulta de informação imparcial e rigorosa do ponto de vista médico sobre o acesso seguro ao aborto. As empresas tecnológicas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos e não devem limitar o acesso dos utilizadores a esses conteúdos publicados nas suas plataformas”, alerta Jane Eklund.

“Todas as pessoas têm o direito à consulta de informação imparcial e rigorosa do ponto de vista médico sobre o acesso seguro ao aborto”

Jane Eklund

As diretrizes da comunidade e as políticas de moderação de conteúdos do TikTok e do Meta (que inclui o Facebook e o Instagram), disponíveis ao público, não informam adequadamente os utilizadores sobre a forma como os conteúdos relacionados com o aborto são regulados. De acordo com estas diretrizes, o TikTok permite  que o acesso à IVG seja “discutido num contexto médico ou científico relacionado com procedimentos, cirurgias ou exames” (sem qualquer referência a outros tipos de conteúdos relacionados com o aborto), e o Meta não menciona explicitamente o aborto em nenhuma das suas normas comunitárias.

A Amnistia Internacional solicitou mais informações à Meta e ao TikTok. Em resposta, a Meta afirmou que reconhece o direito à saúde e permite conteúdo orgânico que educa os utilizadores sobre o aborto medicamentoso. Também permite conteúdos que ofereçam orientação sobre o acesso legal a medicamentos nas suas plataformas, mas proíbe “tentativas de comprar, vender, trocar, doar, oferecer ou pedir medicação”.

O TikTok afirmou que as suas políticas não proíbem nem suprimem temas como a saúde reprodutiva e a IVG, como o acesso à informação, mas “proíbe conteúdos que incluam desinformação médica”. As perguntas e as respostas completas das empresas estão incluídas no briefing.

“As respostas das empresas não estão de acordo com o que parece estar a acontecer nas suas plataformas. As empresas precisam de tomar medidas transparentes para garantir que os seus utilizadores possam aceder a informações relacionadas com o aborto nas suas plataformas e que os membros da sociedade civil recebam uma explicação adequada para qualquer conteúdo que seja removido”, explica Jane Eklund.

* A reversão do caso Roe vs. Wade foi um retrocesso perigoso no contexto de um progresso global constante no que respeita ao direito ao aborto seguro.

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