3 Dezembro 2014

 

Os doadores da comunidade internacional para o Afeganistão devem pressionar o Governo daquele país a impedir uma ainda maior deterioração da situação de direitos humanos, e darem um apoio expresso e claro a serviços cruciais para o exercício dos direitos fundamentais, é instado em comunicado conjunto da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch.

Esta declaração surge em antecipação à Conferência de Londres para o Afeganistão, que se realiza quinta-feira, 4 de dezembro, com algumas reuniões à margem ainda na véspera, também na capital britânica. Apesar de se terem registado importantes melhorias em termos de direitos humanos no Afeganistão, continuam a persistir graves abusos que ameaçam as frágeis conquistas obtidas na última década.

Delegações de mais de 70 países participam na conferência de Londres, a qual se segue à Conferência de Tóquio para o Afeganistão, em julho de 2012, e onde tanto o Governo afegão, liderado pelo então Presidente Hamid Karzai, como os doadores internacionais concordaram num “quadro de responsabilização mútua”.

A Conferência de Londres é o primeiro evento desta natureza a realizar-se desde a tomada de posse do novo Presidente afegão, Ashraf Ghani, e dá-se numa altura em que se assiste a um declínio claro no empenho dos doadores internacionais, a par do aproximar do prazo de finais de 2014 para a retirada do Afeganistão da maioria das tropas estrangeiras de combate ali colocadas.

“O Afeganistão precisa de um apoio político e financeiro sustentado para fortalecer os direitos humanos e o Estado de direito”, sublinha Richard Bennett, diretor do Programa Ásia-Pacífico da Amnistia Internacional. “Os doadores e o novo Governo de unidade afegão têm de garantir que os direitos humanos estão no cerne das reformas levadas a cabo pelo novo Executivo assim como por quem presta a ajuda ao Afeganistão”, defende ainda.

O quadro definido na conferência de Tóquio incluiu 16 indicadores concretos de progresso, e deles apenas dois tinham a ver especificamente com direitos humanos: eram relativos à Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, à Lei para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e ao Plano de Ação Nacional para as Mulheres do Afeganistão.

O Governo afegão e os doadores internacionais têm de honrar os compromissos assumidos em matéria de direitos humanos que foram feitos na Conferência de Tóquio, é reiterado pela Amnistia Internacional e pela Human Rights Watch. O Governo do Afeganistão tem de definir planos concretos para encetar reformas de direitos humanos, e instar os doadores a darem o seu apoio a estas reformas de forma a dar resolução às persistentes preocupações em matéria de direitos humanos, nomeadamente:

  • nos direitos das raparigas e mulheres – o quadro de responsabilização mútua acordado em Tóquio consagrou uma concretização demonstrada, com o envolvimento da sociedade civil, tanto da Lei para a Eliminação da Violência contra as Mulheres como do Plano de Ação Nacional para as Mulheres do Afeganistão. Porém, a frágil legislação e os ganhos políticos em matéria de direitos das mulheres no Afeganistão continuam em risco. O Presidente deve dar o seu aval expresso e imediato ao plano de ação e decretar que polícia e procuradores façam cumprir a Lei para a Eliminação da Violência contra as Mulheres; tem também de apoiar a expansão do sistema afegão de abrigos seguros para raparigas e mulheres que fogem de violência doméstica e outros abusos. E, por seu lado, os doadores devem dirigir o seu apoio para o plano de ação, dar assistência a todos os aspetos da aplicação e cumprimento da Lei para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e ao alargamento da rede de abrigos. Tanto o Governo de Ghani como os doadores internacionais devem assumir como prioridade a melhoria do acesso à educação para as raparigas e asseverar a segurança e proteção das escolas de raparigas;

  • na inclusão de mulheres nas negociações de paz – o Governo afegão e os doadores muito disseram a favor da Resolução 1325 do Conselho de Segurança (que insta à “participação igual e total envolvimento” das mulheres nos esforços de construção da paz no país), mas pouco se viu de concreto. Em vez disso, as mulheres têm sido praticamente excluídas de todos os processos que visam alcançar um fim negociado para o conflito armado no Afeganistão. Apenas nove mulheres estão entre os 70 membros nomeados para o Alto Conselho para a Paz, o órgão encarregue de negociar com os talibã e outros grupos armados. O Presidente afegão tem de aumentar o número de mulheres qualificadas no Alto Conselho para a Paz e garantir que as mulheres participam totalmente em quaisquer negociações de paz;

  • na impunidade para os crimes de guerra – ao longo dos últimos 35 anos de guerra no Afeganistão, várias forças governamentais e fações armadas cometeram graves violações de direitos humanos no Afeganistão, até mesmo crimes de guerra, com impunidade. Desde 2001, as forças de segurança e milícias leais ao Governo, assim como os talibã e outras fações rebeldes, têm sido responsáveis por numerosas atrocidades. Nenhum sério autor destes abusos foi julgado. Em 2013, o Tribunal Penal Internacional emitiu um relatório preliminar sobre o país, declarando que “crimes de guerra e crimes contra a humanidade foram e continuam a ser cometidos no Afeganistão”. A Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão levou seis anos a preparar um relatório de mapeamento dos conflitos, no qual foram documentadas graves violações de direitos humanos e crimes de guerra cometidos por várias forças governamentais e fações armadas entre 1978 e 2001. O Presidente afegão tem de cumprir a promessa que fez de tornar público este relatório da comissão, com o propósito de julgar em tribunais credíveis os responsáveis. E os doadores internacionais têm de instar a investigações transparentes e imediatas às alegações de crimes de guerra cometidos pelas forças militares internacionais;

  • na responsabilização das forças de segurança – os doadores internacionais apoiam financeiramente as forças de segurança afegãs, mas estas forças cometeram graves violações de direitos humanos, incluindo o uso sistemático e generalizado da tortura, assim como de violência sexual e execuções extrajudiciais. A polícia e outros organismos de segurança cometem estes abusos com impunidade devido à deficiente fiscalização e sistema de responsabilização exercidos pelo Governo. O Governo afegão e os doadores internacionais têm ambos de encetar todos os esforços para criar um mecanismo independente e imparcial para monitorizar e investigar alegações de tortura e outros maus-tratos de detidos e presos, assim como um mecanismo para investigar e dar conta publicamente dos números de civis mortos e feridos pelas Forças de Segurança do Afeganistão, além de garantir que são encetadas compensações eficazes e em tempo útil;

  • na assistência aos deslocados internos e refugiados – o número de deslocados internos no Afeganistão está a aumentar, afetando mais de 750 mil pessoas devido aos conflitos armados. E é provável que a redução da presença das forças internacionais de combate e a inerente incerteza sobre o futuro político e a segurança no país causem um ainda maior aumento do número de deslocados. A política nacional afegã de assistência às populações deslocadas, aprovada em fevereiro passado pelo então Presidente Hamid Karzai, exige um apoio financeiro e político sustentado para que possa ter êxito. Na Conferência de Londres, os doadores têm de assumir o compromisso de fornecer a ajuda financeira e técnica necessária para que o Ministério para os Refugiados e Repatriamento consiga concretizar de forma célere a política afegã para os deslocados. Os doadores internacionais têm também de fazer reformas às suas políticas punitivas de migrações, incluindo no que toca a forçar de forma ilegal os refugiados para fora dos seus territórios, as expulsões coletivas, bloqueios no acesso aos procedimentos de requerimento de asilo, assim como todas as deficiências nos mecanismos de avaliação dos pedidos de asilo, que negam aos afegãos em busca de asilo uma oportunidade justa de verem os seus casos devidamente ouvidos e, assim, negam aos refugiados afegãos proteção e integração adequada;

  • no apoio à Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão – este órgão leva a cabo um trabalho extremamente corajoso ao documentar violações de direitos humanos e ao prestar ajuda a vítimas de violações de direitos humanos. O ex-Presidente Hamid Karzai minou a comissão ao nomear alguns comissários sem qualificações em matéria de direitos humanos. Os doadores internacionais têm dado uma ajuda muito significativa à comissão e devem, nessa linha, instar o atual chefe de Estado afegão a rever as qualificações dos recém-nomeados comissários e obter dele um compromisso expresso de fortalecimento da independência e competências do organismo. O Presidente afegão deve também assegurar que futuras nomeações de comissários cumprem os Princípios de Paris (os princípios relativos ao estatuto das instituições nacionais de direitos humanos, adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1993) e que envolvem uma significativa consulta da sociedade civil.

“A Conferência de Londres constitui um momento crucial para determinar se o novo Governo afegão vai ou não dar os passos concretos necessários para pôr fim aos abusos de direitos humanos, e também para perceber se os doadores internacionais têm ou não vontade de permanecer envolvidos na defesa dos direitos dos afegãos para lá de 2014”, frisa o diretor da Human Rights Watch para a Ásia, Brad Adams. “Sem ajuda e sem pressão internacional dirigida especificamente a acabar com os abusos de direitos humanos, muitos dos ganhos obtidos nos últimos 13 anos podem facilmente desaparecer”, remata.

 

Artigos Relacionados