18 Março 2014

As autoridades cipriotas de imigração detêm por rotina centenas de migrantes e candidatos a asilo todos os anos, em condições em tudo semelhantes a prisões e durante longos períodos de tempo, à espera de deportação, denuncia a Amnistia Internacional. Entre estas pessoas estão refugiados da guerra na Síria e mulheres que são separadas dos filhos.

Esta investigação às práticas de detenção de migrantes e candidatos a asilo no Chipre, as quais envergonham a Europa, é revelada em vésperas da cimeira de chefes de Estado e de Governo da União europeia (UE), marcada para quinta e sexta-feira próximas, 20 e 21 de março, em Bruxelas. No dia de arranque da cimeira, a Amnistia Internacional lança a nova campanha “ “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras”” – com uma ação de protesto a realizar-se junto ao edifício do Conselho da União Europeia, na Praça Schuman.

As provas recolhidas pelos investigadores da Amnistia Internacional numa visita recente ao Chipre indicam que as autoridades do país estão a manipular as leis da UE de forma a impor detenções automáticas aos migrantes e candidatos a asilo sem porem em marcha as exigidas garantias que tornam a detenção num último recurso. Esta prática constitui uma violação das leis internacionais e fora documentada já no relatório da organização, de junho de 2012, intitulado “Punishment without a crime: Detention of migrants and asylum seekers in Cyprus” (Castigo sem crime: Detenção de migrantes e candidatos a asilo no Chipre”).

“Ao deter dezenas de pessoas ao longo de vários meses, o Chipre está a revelar uma arrepiante falta de compaixão e um total desrespeito das suas obrigações internacionais”, frisa o chefe do departamento de Direitos dos Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional, Sherif Elsayed-Ali. “É vergonhoso pensar que na Europa há pessoas que, sem terem cometido qualquer crime, estão a ser detidas em condições em tudo semelhantes a uma prisão e por períodos prolongados, em alguns casos até 18 meses ou mesmo mais. A Amnistia Internacional está preocupada que o Chipre esteja a usar a detenção sistemática de migrantes para intimidar ou dissuadir potenciais migrantes e candidatos a asilo”, nota este responsável da organização.

Crianças de colo separadas das mães

Em pelo menos dois casos investigados houve mulheres forçadas a separarem-se dos filhos menores, um deles um bebé de 19 meses de idade e o outro com três anos. As crianças foram entregues aos serviços sociais. Em ambos os casos, as mães – que residiam há vários anos no Chipre, são casadas com cidadãos da UE, e cujos filhos detêm cidadania europeia – testemunharam que a separação teve efeitos devastadores nas crianças.

Uma delas, Nina (nome fictício por razões de segurança), de 28 anos, descreveu como o filho não parava de chorar, tinha olheiras profundas e se recusava a mamar quando lhe era permitido vê-lo: três vezes por dia, durante 20 minutos, para ser amamentado. Esta mulher, casada com um cidadão romeno, foi detida, durante quatro dias, logo após ter tentado regularizar o seu visto de residência permanente no Chipre – o seu estatuto de imigrante fora sempre regular ao longo dos vários anos em que residiu no país e ela não sabia qual a razão pela qual fora detida, asseverou à Amnistia Internacional.

A outra mulher, oriunda do Sri Lanka, contou que o filho não dizia uma palavra nem sorria durante o pouco tempo em que estava com ele, quando a criança foi levada a visitá-la durante as quatro semanas em que esteve detida: foi-lhe permitido vê-lo apenas duas vezes por semana, durante hora e meia de cada vez. Esta migrante foi levada para Menogia (a principal estrutura de detenção de migrantes no Chipre), após ter visitado o marido, um cidadão romeno, o qual fora detido numa esquadra de polícia – foram ambos acusados de terem um casamento de conveniência, apesar de testes de ADN terem confirmado que o cidadão romeno era o pai da criança.

“Não há justificação nenhuma para separar uma mulher que não cometeu nenhum crime dos seus filhos. O tratamento que é atualmente dado aos migrantes no Chipre é degradante e desnecessário”, sustenta Sherif Elsayed-Ali.

Presos sem terem cometido nenhum crime

Pelo menos uma pessoa no centro de Menogia estava detida há 22 meses consecutivos a aguardar deportação. Ao abrigo das leis da União Europeia, o período máximo de detenção de imigrantes é de 18 meses.

“O centro de Menogia é uma prisão em tudo menos no nome. Por trás de uma vedação dupla de metal, de vários metros de altura, os detidos são obrigados a viver em condições precárias e só lhes é permitido saírem do edifício durante duas horas e meia por dia”, descreve o chefe do departamento de Direitos dos Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional. Cada cela de cerca de 18 metros quadrados é partilhada por oito pessoas, a maior parte desse espaço ocupado por quatro beliches de metal. Essas divisões são fechadas durante a noite pelos guardas do campo, entre as 22h30 e as 7h30.

A detenção como meio de controlo da imigração só pode ser usada como último recurso. E a detenção só pode ser feita após as autoridades terem demonstrado que tal é simultaneamente necessário e que medidas menos restritivas são insuficientes. Mas no Chipre esta parece ter-se tornado a prática corrente. “As autoridades cipriotas, aparentemente ansiosas por mostrarem que têm uma posição dura no que respeita à imigração, estão a adotar a atitude cruel e arbitrária de deter migrantes. Muitas pessoas não recebem informação adequada sobre as razões da sua detenção nem sobre aquilo que lhes vai acontecer”, descreve ainda Sherif Elsayed-Ali.

Só o facto de as leis da UE permitirem que pessoas que não cometeram nenhum crime sejam efetivamente presas por períodos até 18 meses “é chocante”, defende este perito da Amnistia internacional. “A UE tem criticado – e corretamente – as detenções por períodos prolongados sem formulação de acusação que acontecem noutros países, mas legalizou essa prática no espaço europeu. As atuais políticas de tratamento dos migrantes e candidatos a asilo são uma vergonha para a Europa”, remata.

Apesar de as autoridades de imigração no Chipre terem sustentado à Amnistia Internacional que existem alternativas à detenção, a investigação feita pela organização indica que estas só muito raramente são postas em prática. Em vez disso, as ordens de deportação são emitidas exatamente ao mesmo tempo que as ordens de detenção, sem serem consideradas quaisquer alternativas de procedimento – e as autoridades cipriotas reconheceram que é esta a prática comum.

Alternativas à detenção devem ser sempre tentadas antes de recorrer à detenção dos migrantes e candidatos a asilo. O caso de qualquer pessoa que seja detida no âmbito de questões de imigração deve igualmente ser objeto de uma revisão judicial regular e automática da detenção.

Desde a mais recente análise feita pela Amnistia Internacional às condições de detenção de migrantes e candidatos a asilo no Chipre, em 2012, o único desenvolvimento positivo foi o de estas pessoas já não serem detidas na prisão central cipriota de Nicósia.

A organização apurou também que nove refugiados sírios se encontravam entre os detidos em Menogia, numa visita feita a 6 de março passado. Pelo menos um deles tinha apresentado pedido de asilo. “Não se consegue compreender que as autoridades cipriotas estejam a deter cidadãos sírios em Menogia quando é política oficial do Chipre não devolver os sírios à Síria”, lembra Sherif Elsayed-Ali. E isto acontece apesar de as autoridades cipriotas terem garantido à Amnistia Internacional que todos os cidadãos sírios recebem o estatuto de proteção internacional ou vistos com fundamentos humanitários.

“Só podemos concluir que a detenção de cidadãos sírios tem o propósito de enviar uma mensagem a outros sírios de que não são bem-vindos no Chipre. Prender durante meses migrantes e candidatos a asilo, incluindo pessoas que se deve assumir serem refugiados, e trata-los como presos, é absolutamente inaceitável”, reitera o chefe do departamento de Direitos dos Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional.

 

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