7 Janeiro 2011

Testemunhas oculares relataram à Amnistia Internacional (AI) que o número de raptos, desaparecimentos e abusos físicos está a aumentar, à medida que se intensifica a violência pós-eleição na Costa do Marfim.

 

A Amnistia tem recebido um número crescente de relatos sobre pessoas detidas ou raptadas em casa ou nas ruas, muitas vezes por agressores armados não identificados e acompanhados por elementos das Forças de Segurança e Defesa e milícias.

Gendarmes e agentes da polícia são acusados de atacar uma mesquita em Grand-Bassam, utilizando munições verdadeiras contra multidões, e de agredir e molestar manifestantes do sexo feminino.

“É evidente que mais e mais pessoas estão a ser ilegalmente detidas por forças de segurança ou milícias armadas e tememos que muitas delas possam ter sido assassinadas ou tenham desaparecido”, afirmou Salvatore Saguès, investigador da Amnistia Internacional para a África Ocidental.

A Amnistia Internacional recebeu relatos de perseguições constantes de pessoas em Abidjan, identificadas como alegados ou verdadeiros apoiantes do RHDO (Rally of Houphouëtists for Democracy and Peace), o partido de coligação que apoiou Alassane Ouattara na eleição presidencial: “Não dormimos à noite. Estamos sempre a observar e quando vemos indivíduos armados em uniforme ou à paisana, fazemos barulho com caçarolas, a fim de alertar os nossos vizinhos e intimidá-los”, relataram à Amnistia Internacional muitos moradores dos bairros de Abobo, Adjame, Treichville e Yopougon.

A AI tem conhecimento de inúmeros casos de pessoas detidas por forças de segurança ou milícias leais a Laurent Gbagno. Os corpos de algumas têm sido encontrados tanto em morgues, como nas ruas. O paradeiro de muitas outras permanece desconhecido.

Na noite de 16 de Dezembro, poucas horas depois de uma marcha organizada por apoiantes de Alassane Ouattara ter sido violentamente reprimida pelas forças de segurança, algumas testemunhas assistiram ao rapto de Drissa Yahou e Konan Rochlin, nas suas casas, na zona de Avocatiers, em Abobo, um bairro de Abidjan. Uma testemunha ocular relatou à Amnistia: “Por volta das sete horas da noite, um Mercedes preto parou em frente ao nosso condomínio. Alguns indivíduos que vestiam T-shirts pretas e calças militares entraram no pátio e perguntaram pelo Drissa. Agarraram nele e em Rochlin e foram-se embora.” Os seus corpos foram encontrados dois dias depois na morgue de Yopougon.

A 18 de Dezembro, Brahima Ouattara e Abdoulaye Coulibaly, membros da organização Alliance Pour le Changement (APC), foram detidos perto de uma farmácia em Angré, na área de Cocody, um bairro de Abidjan. Uma testemunha ocular relatou à AI: “Um carro da Guarda Republicana passou por aqui. Disseram a todas as pessoas à volta para se deitarem no chão e capturaram os dois membros da APC. Ninguém os viu desde então.”

A violência e os maus-tratos não estão confinados à cidade de Abidjan.

Na tarde de 17 de Dezembro, em Grand-Bassam, cerca de 40km a Leste de Abidjan, aproximadamente 100 gendarmes e agentes da polícia cercaram uma mesquita e lançaram granadas de gás lacrimogéneo. Uma testemunha contou à Amnistia: “Foi por volta da uma da tarde. Estávamos a ouvir o sermão do imã, quando vimos gendarmes e polícias em torno da mesquita. Alguns dos nossos jovens protestaram e eles lançaram granadas de gás lacrimogéneo contra nós, por isso tivemos de fugir”.

Na manhã seguinte, dia 18 de Dezembro, algumas pessoas foram detidas por gendarmes numa residência privada. Uma testemunha ocular relatou à AI: “Eles levaram três jovens e agrediram-nos com um pilão. Estavam também à procura de outras pessoas e todos fugimos, por isso dispararam contra nós com balas verdadeiras”.

Poucas horas depois, mais de 300 mulheres protestaram em frente à esquadra da polícia, exigindo a libertação daqueles que se encontravam detidos. Uma dessas mulheres relatou à Amnistia Internacional: “Eles agrediram-nos. Eles rasgaram a nossa roupa interior. Colocaram as mãos nas nossas partes íntimas e tocaram nos nossos seios.”

No dia 19 de Dezembro, Laurent Gbagbo emitiu uma demanda para a missão as Nações Unidas na Costa do Marfim, ONUCI, e para a missão de operação francesa, Licorne, para a retirada das suas forças no país.

As Nações Unidas recusaram-no, afirmando que Laurent Gbagbo não é reconhecido pela comunidade internacional e não tem o direito de exigir a saída das suas forças de manutenção da paz. No dia 20 de Dezembro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas prolongou o mandato da força de manutenção da paz da ONU na Costa do Marfim por mais seis meses. Também o Governo Francês afirmou que a sua força de mais de 900 elementos iria permanecer.

Numa declaração em separado, o Conselho de Segurança advertiu que todos os responsáveis pelos ataques contra civis ou forças de manutenção da paz podem ser apresentados perante um tribunal internacional.

Um oficial de manutenção da paz em Nova Iorque afirmou que as tropas da ONU estariam prontas para abrir fogo em legítima defesa e para defender o seu mandato, que inclui a protecção de civis.

No dia 19 de Dezembro, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, afirmou que mais de 50 pessoas foram mortas nos últimos três dias, e mais de 200 foram feridas.

“Numa situação onde as forças de segurança estão a colaborar na prática de violações graves dos Direitos Humanos, a comunidade internacional deve agir para garantir que as violações sejam interrompidas imediatamente”, afirmou Salvatore Saguès.

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