27 Março 2019

Os conflitos armados e as guerras continuam a ser responsáveis pela morte, deslocamento de populações e por sofrimento em grande escala. Em 2017 16,2 milhões de pessoas foram deslocadas à força em resultado de perseguição, conflito ou de violência generalizada. Equivale a 44 400 pessoas por dia e no final do ano o número de deslocados representava cumulativamente 68,5 milhões.

Os conflitos armados são também responsáveis pela destruição do tecido social de uma região ou país. Afetam a circulação de pessoas, alimentos, bens e também dos serviços públicos como escolas, universidades e hospitais. Aliada à destruição de edifícios residenciais, colocam em espera, sem rumo, a vida das populações apanhadas no meio das partes em conflito e que são empurradas para circunstâncias que os tornam refugiados e migrantes.

Tribunal Penal Internacional

O direito humanitário internacional foi desenvolvido com o intuito de proteger os civis dos terríveis efeitos dos conflitos. Um dos mecanismos a quem se pode recorrer é o Tribunal Penal Internacional (TPI) que foi criado em 2002 para julgar pessoas acusadas de violações graves dos direitos humanos como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e outros ao abrigo do direito internacional.

 

O trabalho de investigação da Amnistia Internacional

 

Com a publicação, em 2017, de um relatório que documentava como o governo sírio levava a cabo crimes contra a humanidade na prisão de Saydnaya na Síria, a Amnistia concluía um ano de investigação que teve como base as entrevistas a antigos detidos, familiares de detidos e funcionários das prisões e guardas prisionais que tinham trabalhado naquela prisão. A publicação do relatório fez aumentar a consciencialização publica para situação dos detidos e levou a comissão da ONU que investiga a situação na Síria de investigar e monitorizar a detenção no país.

Em 2016, usando os testemunhos de sobreviventes e imagens de satélite, a Amnistia divulgou provas credíveis de que o governo sudanês tinha levado a cabo crimes de Guerra e crimes contra a humanidade – incluindo o uso de armas químicas – na região de Jebel Marra no Darfur. Os resultados da investigação contribuíram significativamente para a resolução do Conselho de Segurança e Paz da União Africana e do Conselho de Segurança das Nações Unidas de destacar para o terreno as força de manutenção da Paz no Darfur — UNAMID – para reforçar a proteção militar e o auxílio de emergência.

A situação na Síria

O conflito na Síria entrou no seu oitavo ano de existência e a Amnistia Internacional tem acompanhado, de forma intensa, a situação no país e tem publicado vários relatórios onde expôs violações de direitos humanos.

De um lado, as forças governamentais sírias lideradas pelo presidente Bashar al-Assade com o apoio da Rússia e da Turquia, para citar dois dos parceiros mais fortes, e de acordo como relatório anual de 2017/18 (RA 2017/18) da Amnistia continuaram a cometer crimes de guerra e outras graves violaçõesdo direito internacional humanitário, como ataques indiscriminados e ataques diretos contra civis e bens civis, como casas, hospitais e unidades de saúde”.

Do outro lado, as “Forcas Democráticas Sírias”, formadas por grupos armados sírio-curdos e árabes, apoiadas pela coligação liderada pelos Estados Unidos da América (EUA). E que, de acordo com o RA 2917/18, com vista a conquistar Raqqa às forças do auto-proclamado Estado Islâmico bombardearam a cidade de forma indiscriminada, matando e ferindo centenas de civis.

No decorrer do conflito, a Amnistia Internacional esteve sempre na linha da frente das denuncias dos ataques que atingiram civis, resultando na perda de milhares de vidas e que, de acordo com as leis internacionais, deveriam ter sido protegidos de qualquer ataque. A ação da Amnistia alertou para a situação vivida em várias cidades, e com particular ênfase para Raqqa.

Ao longo do conflito, nem sempre a Amnistia conseguiu ir ao terreno investigar. Porque não ser seguro, ou porque não foi autorizada e entrar em determinadas zonas do país. Para puder continuar a investigar e divulgar as violações de direitos humanos que acontecem no terreno, a Amnistia, desenvolveu o projeto Strike Tracker, onde contou com a colaboração demilhares de ativistas digitais do mundo inteiro para analisar imagens de satélite e ajudar a identificar como os bombardeamentos da coligação militar liderada pelos EUA destruíram quase 80% de Raqqa para desta forma exigir responsabilização.

O conflito no Iémen

A guerra do Iémen, que dura há sensivelmente quatro anos, continua pouco conhecida. A Amnistia tem estado no terreno e denunciado todo o tipo de violações, incluindo possíveis “crimes de guerra” por impedirem que a ajuda humanitária chegue a quem mais precisa.

Com cerca de 22,2 milhões de iemenitas a depender da assistência humanitária para sobreviver, em junho de 2018, a Amnistia alertou para o perigo em que se encontravam “milhões de vidas no Iémen”, um país devastado pela guerra, devido à proibição “da entrada de bens essenciais no país, como comida, combustível e produtos médicos”, aplicada pela coligação liderada pela Arábia Saudita, “a que se juntam os atrasos na sua distribuição”, causados pela autoridade interina, os Huthis.

 

O conflito no Iémen opõe o grupo armado huthi frequentemente chamado “Comités Populares”, que tinha o apoio de algumas unidades do Exército iemenita e outros grupos armados leais ao antigo Presidente do país Ali Abdullah Saleh. Do outro lado está a coligação militar liderada pela Arábia Saudita, que tem o apoio do atual chefe de Estado iemenita e a qual tem levado a cabo raides aéreos e operações militares terrestres no Iémen. Membros desta coligação incluem os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, a Jordânia e o Sudão. Os Estados Unidos da América (EUA) e o Reino Unido têm prestado crucial informação secreta e apoio logístico, incluindo o fornecimento de armas à coligação.

 

 

Nas operações no terreno no Iémen, a coligação tem operado em aliança com grupos armados anti-huthi, frequentemente chamados “Comités de Resistência Popular”. A coligação tem aqui também o apoio de unidades das forças armadas leais ao Presidente Hadi e de uma variedade de fações diferentes”.

As bombas e as balas mataram milhares de civis por todo o Iémen e o esmagador agravar desta crise – a mais séria em todo o mundo do ponto de vista da assistência humanitária – pôs muitos milhões de pessoas em risco de morrerem de fome,

Sherine Tadros, chefe do gabinete da Amnistia Internacional nas Nações Unidas em Nova Iorque

No entanto, se as ideologias os separam, os crimes de guerra são um vínculo comum. Nenhuma das partes estão livre do título de “criminosos de guerra”. Num trabalho exaustivo da Amnistia e de mais Organizações não-governamentais, os atentados têm sido documentados e expostos aos olhos do mundo.

A esperança nas negociações para a paz promovidas pelos líderes mundiais, precisam de ter tradução no terreno com o muito aguardado cessar-fogo em Hodeida, uma das cidades-chave do conflito, por onde entram as importações e da ajuda humanitária do país.

Controlar o Comércio de Armas

Os números são assustadores – há 875 milhões de armas em todo o mundo e são produzidas 12 mil milhões de balas todos os anos – e, apenas seis países são responsáveis pela produção de 78% do armamento mundial: China, França, Alemanha, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos da América (EUA). E que, por isso, deveria ser fácil saber para onde vai cada uma das armas. Mas não. E nem as pequenas vitórias são suficientes, como se vai ver a seguir.

 

Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais

Em Dezembro de 2014 foi dado um passo importante com a aprovação do Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais (TCA) que, de forma genérica, significa que todos os Estados-signatários têm de obedecer a regras rigorosas sobre as transferências internacionais de armas, ou seja, se um país tiver conhecimento de que as armas que vai vender podem ser usadas para cometer genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra ou de agressão, esse país tem a obrigação de não proceder à transferência.

Em setembro de 2017, o chefe do gabinete de Controlo de Armas e Direitos Humanos da Amnistia Internacional, James Lynch, assumiu sem preconceitos a questão: “cerca de meio milhão de pessoas é morta todos os anos por armas de fogo, e milhões mais ficam encurraladas em conflitos brutais alimentados por imprudentes vendas de armamento. O Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais trouxe a promessa de salvar inúmeras vidas, freando as rédeas desta indústria maciça e envolta em secretismo, mas, atualmente, a fraca concretização dos seus termos e a falta de transparência estão a ameaçar miná-lo”.

cerca de meio milhão de pessoas é morta todos os anos por armas de fogo, e milhões mais ficam encurraladas em conflitos brutais alimentados por imprudentes vendas de armamento.

James Lynch, chefe do gabinete de Controlo de Armas e Direitos Humanos

 

E são os países que deveriam ter mais responsabilidades a nível mundial que falham nesse controlo, vendendo de forma legal, mas a parceiros que depois, de alguma forma, as “colocam” em cenários de guerra onde quem sofre, por norma, são os inocentes. A maioria das mortes de conflitos armados é de civis. Armas, tais como mísseis, destroem hospitais, casas, mercados e sistemas de transporte, empurrando os sobreviventes para uma vida de pobreza. As vidas das pessoas são destruídas.

 

Os exemplos do Egito e da Arábia Saudita

 

Dois exemplos mais evidentes foram denunciados pela Amnistia Internacional. O primeiro, relacionado com o Egito, em que muitos Estados, que fazem parte do TCA, como a França, o Reino Unido e a Itália, forneceram uma série de armas convencionais ao Egito que podiam ser utilizadas na repressão interna, incluindo armas ligeiras e munições. E fizeram-no apesar da violenta opressão do Governo egípcio sobre a dissidência, na qual milhares de manifestantes foram mortos, torturados ou feridos.

 

Vários governos continuaram também a fazer fluir armas para a Arábia Saudita, mesmo face às provas credíveis e esmagadoras de graves violações da lei humanitária no Iémen. Desde o início do conflito armado neste país em 2015 e durante o qual a coligação militar liderada pela Arábia Saudita tem bombardeado escolas, hospitais e outras infraestruturas civis, o Reino Unido aprovou exportações de armamento no valor de 3,7 mil milhões de libras (cerca de 4,1 mil milhões de euros) para a Arábia Saudita.

 

Dados do SIPRI indicam que a Arábia Saudita é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos e do Reino Unido em armas pesadas convencionais. As exportações para a Arábia Saudita constituem 13% do total de fornecimentos militares externos feitos pelos Estados Unidos e 48% das exportações de armas do Reino Unido, no período de 2012 a 2016.

Drones e killer robots

No tratado de comércio de armas há também provisões relativamente às armas modernas e que estão a tornar-se mais sofisticadas e a incluir, cada vez menos, a participação humana, mas na prática a tecnologia e a inteligência artificial estão a ser usadas “para o mal”. Em 2013, no Paquistão, a Amnistia Internacional tinha denunciado o uso pelos Estados Unidos da América de aviões não tripulados – drones – para atacar supostos “terroristas” e na altura a Amnistia classificava alguns daqueles ataques como crimes de guerra.

Algum tempo depois a Amnistia Internacional repetiu, em Gaza, a preocupação pelo o uso de drones em ataques contra as populações civis em Rafah.

 

Por esta razão em 2016, juntamente com outras organizações não governamentais a Amnistia uniu-se à campanha para parar o uso de robôs assassinos – sistemas de armamento autónomo letal. Estes sistemas, a fazer lembrar os filmes de ficção científica como o robocop – podem facilmente tornar-se em máquinas de matar sem que se consiga responsabilizar em casos de “mau funcionamento”.

 

 

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