18 Março 2015

 

#UnfollowMe

 

Os programas de vigilância em larga escala de dados de Internet e de comunicações telefónicas por parte dos Estados Unidos recebem a desaprovação da opinião pública mundial, sustenta a Amnistia Internacional com base numa sondagem global que é agora revelada no âmbito da campanha #UnfollowMe.

A sondagem, divulgada esta quarta-feira, 18 de março, e em que foram ouvidas 15.000 pessoas em 13 países de todos os continentes, mostra que 71 por cento dos consultados se opõem firmemente às práticas de vigilância que os Estados Unidos fazem da sua utilização e navegação na Internet. E quase dois terços disseram que querem que as empresas de tecnologia – como a Google, a Microsoft e a Yahoo – garantam a segurança das suas comunicações de forma a evitar o acesso às mesmas por parte de entidades governamentais.

“Os Estados Unidos têm de retirar dos resultados desta sondagem um aviso claro de que os programas de vigilância estão a danificar a sua credibilidade. O Presidente [norte-americano, Barack] Obama tem de ouvir os cidadãos por todo o mundo e parar de usar a Internet como uma ferramenta para coligir dados em larga escala sobre as vidas privadas das pessoas”, frisa o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty.

“As tecnologias atuais dão aos governos um poder sem precedentes para verem o que fazemos na Internet. Por isso, precisamos de um escrutínio independente para os monitorizar, de forma a garantir que não há abusos desse poder. Porém, atualmente não existe, ou é muito reduzida, legislação em qualquer país que realmente proteja o nosso direito humano à privacidade contra a vigilância indiscriminada feita em larga escala. Antes, são cada vez mais os países que estão a ponderar adotar legislação que alarga os poderes de vigilância do Estado sobre os cidadãos, à custa dos direitos das pessoas”, prossegue.

Em junho de 2013, Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da Central Intelligence Agency e consultor subcontratado da Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana, revelou que os Estados Unidos estavam a vigiar o uso da Internet e as comunicações telefónicas de cidadãos em 193 países. Num retrato das capacidades de vigilância da NSA, foi revelado que a agência coligia cinco mil milhões de registos de localização de telemóveis por dia, e 42 mil milhões de dados de Internet – incluindo endereços de email e históricos de navegação – por mês. Numa conversa recente com a Amnistia Internacional, Edward Snowden garantiu mesmo que as agências de serviços secretos andam a espiar o que se passa nos quartos dos cidadãos.

Maior oposição expressa na Alemanha e no Brasil

A mais forte oposição à interceção, armazenamento e análise de dados de Internet feita pelos Estados Unidos foi expressa na Alemanha (81 por cento dos consultados disseram estar contra) e no Brasil (80 por cento).

Na esteira das revelações feitas por Snowden, deu-se uma vaga generalizada de críticas públicas à conduta dos Estados Unidos nestes dois países, em particular por ter sido descoberto que a NSA monitorizara até mesmo as comunicações de telefone da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e da chanceler alemã, Angela Merkel.

Até no país onde se registou menor oposição às práticas norte-americanas de vigilância em larga escala – na França –, a maioria das pessoas consultadas nesta sondagem opõem-se àquela conduta dos Estados Unidos (56 por cento). A consulta de opinião foi conduzida após o ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo.

Aliados chave dos EUA também se opõem à vigilância

Os Estados Unidos partilham os frutos dos programas de vigilância em larga escala com a Austrália, o Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido, ao abrigo da chamada Aliança dos Cinco Olhos. E até nestes países, as pessoas que se opõem à vigilância são quase três vezes mais do que aquelas que com ela concordam: 70 por cento e 17 por cento, respetivamente.

“A mensagem não pode ser mais clara: mesmo os cidadãos dos mais próximos aliados dos Estados Unidos não querem que o seu uso da Internet seja registado pelos governos. O Reino Unido e os outros países dos Cinco Olhos têm de dizer as verdade aos seus próprios cidadãos sobre as formas como estão a usar e partilhar a sua parte dos ‘despojos’ da vigilância em larga escala – que são os nossos dados pessoais”, reitera Salil Shetty.

Empresas de tecnologia sob pressão para defenderem o direito à privacidade

Os cidadãos expressam também nesta sondagem que as empresas de tecnologia – como a Google, a Microsoft e a Yahoo – têm o dever de os ajudar a manter as suas informações pessoais seguras do acesso de monitorização governamental (60 por cento). Apenas 26 por cento dos consultados concordam que as empresas de tecnologia permitam o acesso das autoridades aos dados privados.

Em 2013, ficheiros da NSA que foram objecto de fuga de informações vieram revelar que as empresas de tecnologia tinham cooperado com as autoridades norte-americanas, facilitando-lhes a monitorização do uso que as pessoas faziam das suas aplicações digitais, como o email e as plataformas das redes sociais.

“As empresas de tecnologia têm de fazer uma importante escolha sobre o futuro da Internet: deve ser um espaço de expressão ou de repressão? Podem pedir aos seus utilizadores que prescindam do seu direito à privacidade quando entram nas aplicações digitais, ou podem dar-lhes o controlo sobre os seus dados privados”, defende o secretário-geral da Amnistia Internacional.

Vigilância dentro de casa

Em todos os 13 países cobertos nesta sondagem, as pessoas disseram com clareza que não querem que os seus governos intercetem, armazenem e analisem o uso que fazem da Internet e dos telefones. Em média, os que se manifestam contra a vigilância feita pelo seu Governo são mais do dobro (59 por cento) dos que a aprovam (26 por cento).

Também aqui, entre aqueles que mais se opõem à vigilância em larga escala feita pelo seu próprio Governo está a Alemanha (69 por cento) e o Brasil (65 por cento). A Espanha – onde em 2013 as revelações de que a NSA tinha monitorizado as comunicações telefónicas de 60 milhões de espanhóis causaram um ultraje generalizado – também está no topo de países que se opõem à vigilância pelo seu Governo (67 por cento).

A maioria dos norte-americanos (63 por cento) expressou igualmente oposição aos programas de vigilância do seu Governo; apenas 20 por cento se manifestaram a favor.

“As pessoas querem que sejam os seus amigos a segui-las, não os seus governos. As pessoas não querem viver sob constante escrutínio de um sistema de vigilância de tipo ‘big brother’”, sustenta Salil Shetty.

O inimigo dentro de portas?

As atitudes sobre a vigilância mudam de forma significativa quando se reportam à monitorização de cidadãos estrangeiros no país anfitrião. Nos 13 países sondados, verificou-se que são ligeiramente mais as pessoas que concordam que os seus governos vigiem as comunicações telefónicas e uso da Internet de estrangeiros no seu país (uma média de 45 por cento), do que aquelas que discordam de tal conduta (40 por cento em média).

A Grã-Bretanha* e a França estão no topo de países a favor da vigilância de estrangeiros nos seus países: o número de pessoas que o aprovam é o dobro daquelas que a isso se opõem – 55 por cento a favor e 26 por cento contra na Grã-Bretanha; 54 por cento a favor e 27 por cento contra em França.

Na mesma linha, metade dos cidadãos norte-americanos entendem que o seu Governo deve monitorizar as comunicações telefónicas e o uso de Internet dos cidadãos estrangeiros nos Estados Unidos. Apenas 30 por cento se manifestaram em oposição.

“O facto de as pessoas estarem mais dispostas a aceitar que os seus governos vigiem estrangeiros do que a elas mesmas pode espelhar o clima de medo que foi criado para justificar a vigilância. Os governos têm de enfrentar e dar solução à xenofobia e admitir de uma vez por todas que sacrificar os direitos humanos não trará maior segurança”, remata Salil Shetty.

A Amnistia Internacional é atualmente demandante em processos legais contra os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, os quais visam refrear a vigilância indiscriminada em larga escala feita pelas autoridades destes países. E agora, a organização de direitos humanos dá novo ímpeto a esta demanda, com o lançamento da campanha mundial de sensibilização e pressão #UnfollowMe, que insta os governos – e em particular os da Aliança dos Cinco Olhos – a criarem mecanismos de supervisão e transparência sobre as práticas e programas de vigilância em larga escala.

 

Esta sondagem não foi conduzida na totalidade do território do Reino Unido, apenas na Grã-Bretanha (a Irlanda do Norte não foi incluída na consulta de opinião dos cidadãos).

A sondagem foi conduzida no total de 13 países, com as amostras por país a variarem entre 1.000 e 1.847 pessoas consultadas e maiores de 18 anos, entre 4 e 16 de fevereiro.

 

Com o lançamento da campanha #UnfollowMe, a Amnistia Internacional tem uma petição dirigida aos líderes dos países da Aliança dos Cinco Olhos, instando-os a respeitarem o direito à privacidade, e a banirem a vigilância indiscriminada em larga escala e a partilha ilegal de dados privados dos cidadãos pelas agências de serviços secretos. Assine!

 

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