Três anos depois da apreensão do Iuventa e do início da investigação aos membros da tripulação, entre os quais se encontra o português Miguel Duarte, a Amnistia Internacional está a lançar uma campanha mundial de solidariedade.
Maria Serrano, responsável de campanhas para assuntos de migração da Amnistia Internacional“A criminalização dos resgates no mar prejudicou o salvamento fundamental de vidas no Mediterrâneo Central e faz parte de uma repressão mais ampla a atos de solidariedade registada em toda a Europa”
A organização apela ao Ministério Público italiano que abandone a investigação contra o grupo de dez pessoas. Apesar de terem salvado mais de 14 mil vidas, são acusados de “facilitar a entrada irregular” de migrantes em Itália, podendo incorrer numa pena de até 20 anos de prisão.
“Três anos após o início de uma investigação criminal infundada, a equipa do Iuventa permanece no limbo, com a ameaça a pairar de longas penas de prisão”, afirma Maria Serrano, responsável de campanhas para assuntos de migração da Amnistia Internacional.
“A criminalização dos resgates no mar prejudicou o salvamento fundamental de vidas no Mediterrâneo Central e faz parte de uma repressão mais ampla a atos de solidariedade registada em toda a Europa. O destino destes dez homens e mulheres envolve o destino de centenas e milhares de refugiados e migrantes”, nota a mesma responsável.
Os procuradores alegam que, durante três resgates ocorridos em 2016 e 2017, o Iuventa recebeu, de forma direta, refugiados e migrantes de traficantes, tendo entregado os barcos vazios a estes para serem reutilizados.
Requerente de asilo resgatado pelo Iuventa“As pessoas ficaram felizes e começaram a cantar, agradecendo a Deus. Foi assim que encontrámos o Iuventa”
A equipa do Iuventa negou todas as acusações. Uma reconstrução computadorizada dos três casos, realizada pelo projeto Forensic Oceanography da Goldsmiths – Universidade de Londres, demonstrou que a tripulação só estava a salvar vidas.
“A nossa investigação forense teve como objetivo avaliar as alegações das autoridades italianas. Os resultados são claros: não há evidências de conluio entre a tripulação do Iuventa e traficantes”, garante Lorenzo Pezzani, investigador do Forensic Oceanography.
Um requerente de asilo resgatado pelo Iuventa explica que viu pessoas na Líbia que foram violadas, torturadas e mortas. “Se alguém me dissesse que eu seria enviado de volta para a Líbia, teria preferido morrer no mar”, desabafa. “As pessoas ficaram felizes e começaram a cantar, agradecendo a Deus. Foi assim que encontrámos o Iuventa”, recorda.
Um dos membros da tripulação resume a experiência: “Não podíamos esperar mais e ver as pessoas a desaparecer na vala comum que era o Mediterrâneo. Optámos por usar o privilégio de sermos testemunhas oculares, repórteres e um porto seguro para milhares de pessoas em movimento”. “Foi, ainda é e continuará a ser a tarefa de todos salvar vidas humanas sempre que possível, oferecer proteção a quem precisa, tratar todos com dignidade e lutar com eles pelo mundo em que queremos viver”, conclui.
Contexto
O caso do Iuventa não é único. Em toda a Europa, pessoas solidárias ou que ajudam refugiados e migrantes foram ameaçadas, difamadas, intimidadas, perseguidas e levadas a tribunal simplesmente por apoiarem outras. As autoridades usaram e abusaram de leis para criminalizar os defensores dos direitos humanos e punir a solidariedade.
O número de pessoas que chegaram a Itália através do Mediterrâneo Central caiu, nos últimos anos, devido aos esforços da Europa em entregar à Líbia o controlo da fronteira. As chegadas diminuíram de 181.434, em 2016, para 11.471, em 2019. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 9.725 pessoas chegaram a Itália, entre janeiro e julho de 2020.
Desde 2016, mais de 50 mil pessoas, incluindo crianças, foram intercetadas no mar pela Guarda Costeira da Líbia, tendo regressado ao país, onde estão expostas a detenções arbitrárias, tortura, extorsão e violações. Menos recursos para os salvamentos levaram a um aumento da taxa de mortalidade, entre 2018 e 2019.
O caso Iuventa foi o primeiro processo judicial iniciado contra uma organização não-governamental (ONG) de resgate em Itália, após uma campanha de difamação em que estas foram estigmatizadas.
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