13 Maio 2015

 

As novas propostas apresentadas pela Comissão Europeia sobre asilo e reinstalação representam uma mudança bem-vinda na abordagem à crise humana no Mediterrâneo, e podem dar azo a passos pequenos mas importantes no sentido de dar solução à crise global de refugiados, avalia a Amnistia Internacional face ao anúncio feito esta quarta-feira, 13 de maio, em Bruxelas, da Agenda Europeia para as Migrações.

“Vimos a Comissão Europeia dar hoje um primeiro passo de mudança na conduta de ‘Fortaleza Europa’ que há muito lhe assistimos face à crise de refugiados. Mas este passo tem de ser concretizado extensivamente e com o total apoio de todos os Estados-membros da União Europeia”, frisa o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

O perito da organização de direitos humanos explica que “a Agenda não só contém um reconhecimento expresso da necessidade de operações eficientes de busca e resgate para salvar migrantes e refugiados de se afogarem no mar, mas também a admissão clara de que é essencial haver rotas seguras e legais para reduzir o número de pessoas que se veem forçadas a porem as suas vidas nas mãos de traficantes para conseguirem chegar em segurança à Europa”. 

Busca e salvamento

A Agenda apresentada pela Comissão Europeia reconhece essa necessidade de aumentar os esforços de busca e salvamento no mar Mediterrâneo, repondo-os pelo menos ao nível que antes era assegurado pela agora suspensa operação italiana Mare Nostrum. A Comissão Europeia confirma no documento, aliás, que irá reforçar o financiamento alocado à operação Tritão, com o que será “expandida tanto a capacidade como a incidência geográfica” das operações no mar – como fora anunciado na cimeira de urgência de 23 de abril passado.

Porém, a Agenda não deixa explicitamente claro quão longe se estenderá a área operacional da Tritão para assegurar que irá cobrir as zonas de alto mar onde a maior parte dos barcos em que migrantes e refugiados viajam ficam em dificuldades. Nem tão pouco fica claro se os navios que desempenham funções múltiplas para lá da operacionalidade da Tritão – incluindo os que operam na qualidade militar e de policiamento – terão o mandato explícito necessário para dar sempre prioridade aos deveres de busca e salvamento.

Dada a ênfase que a União Europeia pôs recentemente numa intervenção militar para combater o tráfico de pessoas, há um risco sério de que este rumo de ação leve a uma mudança nos parâmetros de missão dos meios (navios e apoio aéreo) que estão alocados para além da Tritão a funções que não as de busca e salvamento.

Apesar destas deficiências, a Agenda Europeia para as Migrações distingue o trabalho feito pelos países que atualmente disponibilizam meios para salvar pessoas em perigo no mar, e reconhece claramente que estas patrulhas são necessárias “enquanto a pressão migratória persistir”.

“Na sequência dos afogamentos trágicos de milhares de pessoas no Mediterrâneo, a Comissão Europeia reconheceu tardiamente que as patrulhas marítimas e aéreas ao longo das principais rotas migratórias – incluindo aquelas que estão perto da Líbia – são essenciais. Se estas patrulhas são feitas por Estados-membros da UE individualmente ou se o fazem sob mandato da Tritão, o que importa são os resultados, nomeadamente o salvamento de vidas”, sustenta John Dalhuisen.

Rotas seguras e legais para chegar à União Europeia

A Agenda reconhece ainda que pessoas vulneráveis que não podem permanecer em segurança nos seus países não devem ser deixadas nas mãos de traficantes, e que têm assim de ser providenciadas rotas seguras e legais para que cheguem à Europa.

A proposta apresentada de um programa de reinstalação para toda a União Europeia, envolvendo todos os Estados-membros, para além dos mecanismos de realojamento já existentes a nível nacional, é uma boa ideia – mas também desadequada à dimensão atual da crise, uma vez que são apenas disponibilizadas 20.000 vagas ao longo dos próximos dois anos.

Este número fica muito aquém até apenas face aos 380.000 refugiados da Síria que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês) recomendou que devem ser reinstalados até ao final de 2016.

A Amnistia Internacional estima que os países da UE deviam reconhecer a necessidade de acolherem cerca de 100.000 destes refugiados, mas até agora apenas se comprometeram a abrir umas 40 mil vagas.

É crucial que os números contemplados nos atuais mecanismos de reinstalação nacional dos Estados-membros não baixem e que o programa para toda a UE seja alargado de maneira a refletir a real enormidade da crise global de refugiados.

Além do programa de reinstalação, a Agenda europeia encoraja os Estados-membros a lançarem mão de outras vias legais para prestar assistência aos refugiados, incluindo patrocínios de acolhimento, vistos humanitários e a reunificação de famílias.

A Comissão Europeia propõe ainda um novo programa que deve ser acionado em situações de emergência para redistribuir os requerentes de asilo que cheguem a países membros da UE que tenham já acolhido um largo número de pessoas sob o estatuto de asilo.

“Se for concretizado de forma adequada, em muito maior número de vagas e acompanhado dos mecanismos nacionais de reinstalação, um programa de realojamento administrado centralmente pela União Europeia, pode reduzir o fluxo de refugiados que fazem estas perigosas viagens. E isto, a par da proposta interna da UE de um mecanismo de reinstalação, contribuirá para garantir que o fardo da crise global de refugiados é partilhado de forma mais equitativa entre os Estados-membros da UE, assim como entre a Europa e outras regiões do mundo”, prossegue John Dalhuisen.

A nova linha de defesa da “Fortaleza Europa”?

A Agenda europeia agora proposta em Bruxelas avança também uma série de planos de cooperação com países terceiros para controlar os fluxos migratórios, o que poderá criar efetivamente linhas avançadas de defesa para a “Fortaleza Europa” em locais tão distantes como o Níger.

Muitas destas propostas têm ainda de ser desenvolvidas. Mas é desde já óbvio que quaisquer “centros polivalentes” externos terão de cumprir garantias essenciais para assegurar que os direitos das pessoas são respeitados e protegidos, sobretudo no que respeita aos padrões que salvaguardam procedimentos justos e eficientes de asilo e o acesso a meios efetivos de reparação.

 

A Amnistia Internacional tem em curso, desde 20 de março de 2014, a campanha “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras“, iniciativa de pressão global para que a União Europeia mude as políticas de migração e asilo, no sentido de minorar os riscos de vida que migrantes, refugiados e candidatos a asilo correm para chegar à Europa, e garantir que estas pessoas são tratadas com dignidade à chegada às fronteiras europeias. A esta campanha está aliada uma petição que conta já com mais de 8.000 assinaturas em Portugal.

 

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