Centenas de mulheres grávidas estão a morrer sem necessidade na África do Sul, em parte porque temem que o facto de serem seropositivas seja revelado ao acederem a serviços pré-natais, revela a Amnistia Internacional num novo relatório lançado esta quinta-feira, 9 de outubro.
“Struggle for Maternal Health: Barriers to Antenatal Care in South Africa”(“Luta pela Saúde Materna: Obstáculos aos Cuidados Pré-Natais na África do Sul”) demonstra a ligação entre as centenas de mortes maternais registadas todos os anos no país e o receio em torno da confidencialidade do paciente e dos testes ao VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana),a falta de informação e os problemas relacionados com o transporte. Tudo isto faz com que as mulheres não procurem cuidados pré-natais precoces.
“É inaceitável que mulheres e raparigas grávidas continuem a morrer na África do Sul porque temem que a sua seropositividade seja revelada, ou porque falta transporte ou educação básica a nível sexual e da saúde”, lamenta o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. “Isto não pode continuar”, reitera. “O governo da África do Sul deve assegurar que todos os departamentos trabalham em conjunto para combater com urgência todos os problemas que estão a colocar em risco a saúde das grávidas”.
A África do Sul tem uma taxa de mortalidade materna inacreditavelmente elevada. Em 2011 foram registadas 1.560 mortes maternas e em 2012 o registo dá conta de 1.426 casos. Mais de um terço das mortes estiveram relacionadas com o VIH. Peritos sugerem que 60% podiam ter sido evitadas.
Os cuidados pré-natais são gratuitos no país através do sistema de saúde público. Contudo, a investigação da Amnistia revela que muitas mulheres e raparigas só vão às clínicas numa fase já muito avançada da gravidez. O motivo: serem levadas a crer que o teste ao VIH é obrigatório. Temem o teste e o estigma associado a saber-se que vivem com o VIH. Quase um quarto das mortes evitáveis está ligado ao acesso tardio a cuidados pré-natais ou mesmo à ausência de acesso.
O mais preocupante é que os receios não são infundados. O relatório agora lançado, baseado numa investigação no terreno levado a cabo nas províncias de Mpumalanga e KwaZulu-Natal, contém testemunhos de mulheres que dão conta que o pessoal dos cuidados de saúde discutem abertamente uns com os outros os resultados dos testes ao VIH. A Amnistia Internacional descobriu, em algumas das clínicas visitadas, que procedimentos usados para grávidas com VIH revelam publicamente a sua seropositividade. Por exemplo, a existência de filas separadas para a medicação antirretroviral, diferentes cores nos arquivos pré-natais e dias diferentes para atendimento.
“Se for tomar a medicação antirretroviral, a minha fila é daquele lado. Todas as pessoas que estão nesta fila sabem que daquele lado estão seropositivos. É por isso que as pessoas têm receio de vir à clínica”, contou uma mulher de Mpumalanga. Outra revelou: “durante os cuidados pré-natais, se uma mulher sair do consultório com duas fichas, todas as pessoas sabem que é VIH positivo”.
O receio das mulheres prende-se também com o possível tratamento discriminatório por parte de familiares e membros da família. Contam que o estigma relacionado com a seropositividade continua a ser um problema em muitas comunidades.
“ O teste ao VIH é importante para a saúde pública, mas deve ser feito de forma a respeitar os direitos das mulheres e não as submeter a problemas adicionais”, reitera o secretário-geral da Amnistia Internacional. E continua: “é profundamente preocupante que a privacidade de mulheres grávidas não seja respeitada nos serviços de saúde. O governo da África do Sul tem de atuar para que tal deixe de acontecer”.
Mais concretamente, “é vital que os trabalhadores da área da saúde recebam formação adicional sobre cuidados de saúde de qualidade, para que, por um lado, estes sejam livres de julgamento e de estigma, por outro, as mulheres que acedem aos serviços de saúde sexual e reprodutiva possam confiar que a sua confidencialidade vai ser respeitada”.
O relatório da Amnistia Internacional salienta ainda que a falta de informação e conhecimento sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos aumenta o risco de gravidez não planeada e de transmissão do VIH, especialmente entre adolescentes. As grávidas mostram também desconhecer a importância do controlo pré-natal precoce.
Por fim, o relatório documenta a falta de progresso, nas províncias investigadas, no que diz respeito a assegurar que as mulheres podem aceder fisicamente aos serviços de saúde. Continuam a persistir problemas relacionados com a escassez de transportes públicos e uma infraestrutura rodoviária deficitária. Nas zonas visitadas, a Amnistia Internacional encontrou estradas em condições tão deterioradas que se tornam intransponíveis quando chove. Mesmo no tempo seco, as ambulâncias não conseguem passar em algumas estradas.