24 Junho 2011
Dois anos após a morte de Neda Agha Soltan ter sido captada pela câmara de um telemóvel e tornar-se um símbolo da brutal repressão levada a cabo pelas forças de segurança iranianas depois da disputada eleição presidencial de 2009, a Amnistia Internacional renova o seu apelo às autoridades do Irão para que ponham fim à impunidade dos oficiais responsáveis por homicídios, tortura e outras violações dos direitos humanos.
Depois de ser alvejada com um tiro no peito a 20 de Junho de 2009, espalharam-se filmagens do momento da morte de Neda Agha Soltan, através da internet. Ainda ninguém foi levado à justiça pela sua morte, e ao invés de realizarem uma investigação imparcial do caso, as autoridades iranianas – em seguimento de um padrão sólido de impunidade – recorreram a ameaças, contra-acusações, ofuscação e novas violações para tentar fugir à responsabilidade.
Um membro da milícia Basij afirmou: “Eu não queria matá-la”, o seu Bilhete de Identidade foi colocado na internet, mas nunca foi a julgamento. Um ano mais tarde, apareceu num documentário emitido na televisão nacional negando ter responsabilidade. Arash Hejazi, o médico presente na cena do crime, temendo pela sua segurança, foi forçado a procurar asilo no exterior. Família e amigos de Neda Agha Soltan foram obrigados a aparecer na televisão nacional a negar o envolvimento do Estado, apesar do seu pai, Ali Agha Soltan, ter dito à BBC Persa, em Dezembro de 2009, que “o assassino só pode ser do governo”. Neda Agha Soltan foi uma das mais de 70 pessoas mortas durante os protestos que se seguiram à eleição.
Até à data apenas foi realizado um julgamento sobre os abusos cometidos por oficiais, e que incidiu sobre a situação no centro de detenção de Kahrizak, onde pelo menos quatro homens morreram em resultado de tortura ou de outros maus-tratos. Doze homens, que se crêem ser 11 polícias e um detido, foram mais tarde julgados e segundo relatos, dois deles foram condenados à morte. Contudo, o que aconteceu às restantes pessoas que as autoridades afirmaram condenar devido aos abusos cometidos contra os detidos do centro, continua pouco claro. Não foi tomada qualquer acção contra outros altos funcionários, envolvidos numa investigação parlamentar.
Outras famílias continuam sem saber as circunstâncias exactas do destino dos seus filhos. Parvin Fahimi fez campanha para descobrir a verdade sobre a morte do seu filho de 19 anos, Sohrab Arabi, baleado no peito. Sohrab Arabi desapareceu durante uma manifestação a 15 de Junho de 2009 e a sua família não conseguiu descobrir qualquer informação sobre ele até ao dia 11 de Julho, quando o reconheceu em fotografias de indivíduos mortos. Ao que se apurou, o seu corpo estava no escritório do Médico Legista desde 19 de Junho. Não existe qualquer informação sobre o que lhe aconteceu entre o dia 15 e 19 de Junho, incluindo a data exacta ou as circunstâncias da sua morte. O assassino de Kianoush Asa, que morreu de um tiro no pescoço durante uma manifestação a 15 de Junho de 2009, também nunca foi identificado.
As reivindicações de que as autoridades iranianas tinham investigado os acontecimentos no dormitório da Universidade de Teerão, na noite de 14 de Junho de 2009, parecem ter resultado na prisão de vítimas, em vez de criminosos. Organizações de estudantes relataram que foram mortos cinco estudantes – apesar das autoridades da universidade terem mais tarde negado – e muitos outros foram gravemente feridos quando forças não identificadas à paisana invadiram o dormitório, prendendo centenas de estudantes. Em Maio de 2011, Gholam-Hossein Mohseni-Ejeie, porta-voz judiciário (Ministro da Informação e Segurança Interna no período da eleição), afirmou que 40 indivíduos foram condenados a penas de morte e outras sanções pelo que aconteceu. Contudo, de acordo com um testemunho da Associação Islâmica da Universidade de Teerão, a 15 de Junho de 2011, as pessoas que estão presas são estudantes que foram detidos nessa altura e não os responsáveis pelo ataque.
O artigo 2 (3) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ICCPR), do qual o Irão é um Estado Parte, exige que os Estados forneçam uma reparação efectiva para as violações dos direitos humanos, incluindo a possibilidade de recurso judicial, e que estas medidas sejam aplicadas.
A Amnistia Internacional lamenta profundamente a recomendação do Comité de Direitos Humanos do Parlamento do Irão que proíbe a entrada de Ahmed Shaheed, recém-nomeado Investigador Especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos no Irão, para uma visita de averiguação dos factos. A organização apela ao governo iraniano para que rejeite esta recomendação e autorize a visita do Investigador Especial o mais rápido possível.
A longa história de impunidade de violações dos direitos humanos do Irão
Os oficiais do Irão desfrutaram durante muitos anos de impunidade quase total em relação às violações dos direitos humanos, incluindo homicídios e mortes sob custódia. Ao contrário disso, advogados, jornalistas e outras pessoas que tentaram iluminar estas violações – tal como Shirin Ebadi, Akbar Ganji, Nasser Zarafshan e Abdolfattah Soltani – foram presos pelos seus esforços.
Ninguém foi responsabilizado pelo “massacre prisional” de 1988, onde foram executados sumariamente entre 4.500 e 5.000 prisioneiros políticos, em grande parte em segredo durante vários meses. Em 2009, as autoridades demoliram sepulturas comuns e individuais no cemitério de Khavaran em Teerão, onde algumas das vítimas foram enterradas, e plantaram árvores. A Amnistia Internacional teme que estas acções por parte das autoridades iranianas visem destruir provas de violações dos direitos humanos e privar as famílias das vítimas dos homicídios de 1988, do seu direito à verdade, justiça e reparação.
As manifestações de estudantes em Julho de 1999 – conhecidas como “manifestações Tir 18” – foram brutalmente reprimidas. As autoridades apenas reconheceram uma morte – a de Ezzatollah Ebrahimnejad – apesar do número real ser provavelmente superior. Nunca ninguém foi levado à justiça pela sua morte. Akbar Mohammadi, um estudante activista detido em seguimento de manifestações e inicialmente condenado à morte, morreu sob custódia em 2006, ao que se sabe depois das autoridades prisionais não lhe terem fornecido cuidados médicos adequados após uma greve de fome.
Ninguém foi responsabilizado pela morte da fotojornalista Zahra Kazemi, com dupla nacionalidade, Iraniana e Canadiana, que ocorreu em 2003 sob custódia das autoridades. De acordo com um inquérito do governo, Zahra Kazemi morreu no hospital em seguimento da detenção na Prisão de Evin, como resultado de uma pancada no crânio. Cinco oficiais, incluindo três membros da judiciária de Teerão e dois funcionários do Ministério da Informação e Segurança Interna, foram detidos na sequência da sua morte. Contudo, quatro dos funcionários detidos foram libertados e apenas Mohammad Reza Aghdam, funcionário do Ministério da Informação e
Segurança Interna, foi levado a julgamento. Mohammad foi absolvido em 2004 e a sentença confirmada em recurso em 2005, apesar de ter sido pedida uma nova investigação à morte de Zahra Kazemi. Em 2007, em Hamedan, noutro caso semelhante, pela morte de Dr. Zahra Bani Yaghoub, sob custódia das autoridades e em circunstâncias suspeitas, também ninguém foi responsabilizado.
Não são conhecidas quaisquer investigações às mortes de pelo menos dois manifestantes – Sane’ Zhaleh, de 26 anos, e Mohammad Mokhtari, de 22 anos – mortos durante os protestos convocadas pelos líderes da oposição, Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi, a 14 de Fevereiro de 2011, em apoio das populações do Egipto e da Tunísia. As autoridades consideraram ilegais as manifestações e mantiveram os dois líderes sob prisão domiciliária, desde então. Também afirmam que Sane’ Zhaleh – membro da minoria Curda e muçulmano sunita – foi membro da milícia Basij e morto por manifestantes, mas a sua família nega que isto seja verdade. Também as mortes de Haleh Sahabi, a 2 de Junho de 2011, durante o funeral do seu pai e depois de ter sido, segundo relatos, agredida por um membro das forças de segurança, e de Hoda Saber, Prisioneiro de Consciência ligado à Aliança Religiosa Nacional, não foram alvo de qualquer investigação. Hoda Saber morreu sob custódia a 12 de Junho de 2011, em seguimento de uma greve de fome iniciada em protesto contra a morte de Haleh Sahabi. De acordo com cartas de mais de 60 companheiros da prisão, Hoda Saber foi agredido e foi-lhe negado tratamento médico adequado antes da sua morte.