28 Agosto 2012

A última vez que Victoria Montenegro viu a sua mãe biológica, Hilda Ramona Torres, tinha apenas 13 dias de idade.

A 13 de fevereiro de 1976, um grupo da inteligência militar forçou a entrada na casa dela em Buenos Aires, na Argentina, assassinou os seus pais (ambos ativistas políticos) e levou-a para uma esquadra da polícia. Hernán Antonio Tetzlaff, líder da operação militar, levou-a, mudou-lhe o nome, e adotou-a como sua filha.

Desde então, Victoria Montenegro é conhecida como Maria Sol Tetzlaff Eduartes, nascida a 29 de maio de 1976 e filha de Hernán Antonio Tetzlaff e Maria del Carmen Eduartes.

Victoria demorou 25 anos a descobrir a sua verdadeira identidade, e mais uma década para ver sete altos oficiais do exército (incluindo os anteriores presidentes de facto Jorge Videla e Reynaldo Bigone, e um médico obstetra) a serem levados à justiça – condenados a entre dez e 50 anos na prisão por terem participado no plano sistemático de apropriação de bebés durante a vigência do regime militar na Argentina (1976-1983).

O caso de Victoria não é único. As “Avós da Plaza de Mayo”, organização que tem liderado a busca pelos “bebés roubados” da Argentina, ajudou já 105 homens e mulheres a descobrir a sua identidade.

Acreditam haver centenas mais por descobrir.

Os familiares dos desaparecidos na Argentina e noutros países têm estado à frente da luta pela justiça para os milhares de desaparecimentos forçados que ocorreram em toda a América Latina nas décadas de 1960, 70 e 80.

Os seus esforços levaram à criação o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, a 30 de Agosto.

Passos em frente
Durante 2011 – e apesar de obstáculos às investigações e contratempos frequentes – houve diversos avanços na investigação e julgamento de desaparecimentos e outras violações de Direitos Humanos cometidas sob os regimes militares da América Latina.

No Brasil, a Presidente Dilma Rousseff ratificou a criação de uma Comissão de Verdade para investigar as violações de Direitos Humanos cometidas entre 1946 e 1988.

No Chile, o número de casos de violações de Direitos Humanos investigados pelos tribunais chegou ao seu número mais alto até agora, após um procurador ter submetido 726 novos casos e mais de 1.000 queixas apresentadas ao longo dos anos por familiares de indivíduos executados com base em critérios políticos durante o governo militar do General Augusto Pinochet.

O antigo Presidente Jean-Claude Duvalier regressou ao Haiti após 25 anos no exílio, onde descobriu ser objeto de uma investigação criminal com base em queixas de graves violações de Direitos Humanos – incluindo desaparecimentos – feitas por vítimas, familiares destas, e em documentação fornecida pela Amnistia Internacional.

Um copo meio vazio

Em alguns países, porém, a justiça é ainda uma esperança remota para os familiares de milhares de desaparecidos.

Suyapa Serrano Cruz procura ainda as suas duas irmãs, Ernestina e Erlinda, que foram roubadas da sua família a 2 de junho de 1982, quando tinham sete e três anos, durante uma operação militar perto da sua casa, no pico do conflito em El Salvador.

 Trinta anos depois, ninguém sabe do paradeiro de Ernestina e Erlinda. São duas das cerca de 890 crianças desaparecidas durante o conflito. Enquanto algumas foram localizadas pela ONG local Pro-Búsqueda nos últimos anos, a família de Suyapa é uma das muitas que continua a sofrer a dor de não saber o que aconteceu aos seus entes queridos.

Para Lucía Cuevas, a falta de justiça no case de desaparecimento do seu irmão Carlos, um ativista político, em 1984, e no caso de tortura e homicídio da sua mulher e filho bebé na Guatemala em 1985, representa também uma ferida aberta.

Apesar de em dezembro do ano passado o então Presidente da Guatemala, Álvaro Colom, ter admitido responsabilidade do Estado pelo desaparecimento de Carlos e ter publicamente pedido desculpa por este crime, Carlos nunca foi encontrado e ninguém foi levado à justiça pelo seu desaparecimento ou pelo assassinato da sua mulher Rosario, – membro fundador de uma GAM, organização formada por familiares de desaparecidos – ou do seu filho bebé.

A história é tristemente familiar para a maioria dos 200.000 casos de desaparecimentos forçados que ocorreram aquando do conflito interno na Guatemala entre 1960 e 1996. Apesar do progresso nas investigações sobre desaparecimentos forçados, muitos altos funcionários envolvidos nestes crimes conseguiram escapar à justiça em toda a região.

Entretanto, nos Estados Unidos da América, nenhuma investigação foi sequer iniciada para assegurar justiça nos casos daqueles que foram sujeitos a desaparecimentos forçados sob custódia da CIA durante a presidência de George W. Bush, no contexto daquilo que foi chamado de “Guerra contra o Terrorismo”.

“Não é um problema do passado”

“Vimos recentemente algumas decisões positivas históricas e condenações em vários países em todo o continente americano que asseguram justiça aos desaparecidos e aos seus familiares”, afirma Javier Zuñiga, consultor especial da Amnistia Internacional.

“O problema, porém, é que duas décadas depois destes crimes, a justiça é ainda um sonho para milhares de familiares, e os desaparecimentos são ainda muito comuns em vários países”.

Os familiares de algumas centenas de homens e mulheres que desaparecem todos os anos em países como o México e a Colômbia percebem ao que Javier Zuñiga se refere.

Em dezembro de 2011, os ativistas ambientais mexicanos Eva Alarcón e Marcial Bautista foram levados do autocarro no qual viajavam, da sua terra-natal no Estado de Guerrero para a Cidade do México, e não foram vistos desde então.

Os esforços para investigar este incidente foram fracos e muito irregulares, apesar de testemunhas terem identificado agentes da polícia entre aqueles que os detiveram.

Histórias como a de Eva e Marcial não são raras no México. Nos últimos anos, o país viu um aumento no número de raptos e desaparecimentos forçados no contexto da crise de segurança pública e violência relacionada com os cartéis de droga.

Muitos migrantes ilegais oriundos da América Central que atravessaram o México em direção aos Estados Unidos da América foram também dados como desaparecidos.

De acordo com o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, o paradeiro de aproximadamente 3.000 pessoas continua uma incógnita no México, como resultado de raptos por gangs criminosos e desaparecimentos forçados que envolveram as forças de segurança durante a crise de segurança pública. O fracasso recorrente em investigar estes casos negou aos familiares das vítimas o acesso à justiça e colocou-os em risco de represálias ao procurar a verdade.

Mais a sul, no conflito armado que dura há 45 anos na Colômbia, os desaparecimentos forçados continuam a ser prática comum e sistemática, principalmente por parte de forças paramilitares e de segurança. Supõe-se que pelo menos 30.000 pessoas tenham sido vítimas de desaparecimento forçado durante o conflito. O paradeiro de muitos civis raptados por grupos de guerrilha mantém-se também desconhecido.

Quatro membros da família Galárraga – Jenny Patrícia, de 19 anos, as gémeas Nelsy Milena e Mónica Liliana, de 18, e María Nelly, de 13 – foram raptadas por forças paramilitares no departamento de Putumayo em 2001. Os seus corpos só foram encontrados em 2010. Especialistas forenses informaram que os corpos estavam parcialmente vestidos e que as quatro tinham sido torturadas; três tinham sido desmembradas antes de morrer, e a quarta tinha sido agredida até à morte. Tinham também sido violadas ou sujeitas a outros abusos sexuais.

Após a recusa inicial para investigar se as quatro tinham sido vítimas de violência sexual, apenas recentemente as autoridades encarregues da acusação reconheceram que tinham sido cometidos crimes sexuais. Porém, apenas um dos dez paramilitares implicados no crime foi acusado por estes crimes.

Desde o seu desaparecimento em setembro de 2009 da capital da República Dominicana, os familiares de Juan Almonte Herrera não pouparam esforços para descobrir o que lhe aconteceu. No entanto, estão ainda longe de saber a verdade. Embora testemunhas o tenham visto a ser detido pela polícia, a polícia negou sempre esta detenção, e as autoridades não levaram a cabo investigações eficientes.

Todos os Estados americanos devem imediatamente ratificar a Convenção Internacional para a Proteção de Todas a Pessoas contra Desaparecimentos Forçados, reconhecendo a competência do Comité de Desaparecimentos Forçados em receber e considerar comunicações por parte das vítimas ou em nome destas, e incorporar esta Convenção na sua lei nacional.

“Os governos têm a obrigação de não trair as milhares de pessoas à procura dos seus entes queridos. Vamos continuar a apoiá-los e a pressionar as autoridades a divulgarem aos familiares e à sociedade em geral toda a verdade, justiça, e reparações”, conclui Javier Zuñiga.

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