15 Abril 2025

 

  • Relatório documenta como as forças de segurança dispararam armas letais, gás lacrimogéneo e balas de borracha contra manifestantes e transeuntes, incluindo crianças
  • “A repressão mortífera exercida pelas forças de segurança moçambicanas foi uma reação desproporcionada e vergonhosa às manifestações pós-eleitorais” — Khanyo Farisè
  • Novo relatório da Amnistia Internacional apoia-se em 105 vídeos e fotos verificadas, na análise de outra informação de fonte aberta e em 28 entrevistas

 

As forças de segurança moçambicanas reprimiram de uma forma generalizada e com força excessiva e desnecessária, as manifestações que se seguiram às eleições de outubro passado, que resultaram em mortes ilegais e ferimentos graves, declarou a Amnistia Internacional num novo relatório.

O relatório, intitulado “Protestos sob ataque: Violações dos direitos humanos durante a vaga de repressão após as eleições de 2024” (também disponível no final deste texto, em português, numa versão mais curta), documenta como as forças de segurança dispararam armas letais, gás lacrimogéneo e projéteis de impacto cinético (mais conhecidos como “balas de borracha”) contra manifestantes e transeuntes, incluindo crianças. As autoridades procederam a prisões arbitrárias em massa e visaram jornalistas, nomeadamente intimidando-os e confiscando o seu equipamento, enquanto restringiam também o acesso à internet em momentos-chave.

“A repressão mortífera exercida pelas forças de segurança moçambicanas foi uma reação desproporcionada e vergonhosa às manifestações pós-eleitorais”, disse Khanyo Farisè, diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral. “Em vez de ouvir as queixas das pessoas e permitir que expressassem as suas preocupações, o governo liderado pela Frelimo desencadeou uma onda de violência contra as manifestações, que resultou em ferimentos graves, mortes ilegais e uma série de outras violações dos direitos humanos”.

“Em vez de ouvir as queixas das pessoas e permitir que expressassem as suas preocupações, o governo liderado pela Frelimo desencadeou uma onda de violência contra as manifestações”

Khanyo Farisè

“Se o novo governo do presidente Daniel Chapo quer quebrar o ciclo de violência policial, deve assegurar investigações completas e transparentes a todas as alegações de violações de direitos humanos cometidas durante a repressão e responsabilizar os suspeitos da sua autoria”, acrescentou Khanyo Farisè.

Moçambique realizou eleições gerais no dia 9 de outubro de 2024. Pouco tempo depois, o partido da oposição PODEMOS e o seu candidato, Venâncio Mondlane, alegaram fraude eleitoral a favor do partido no poder, a Frelimo, e do seu candidato, Daniel Chapo. A 21 de outubro, eclodiram manifestações, que se estenderam a todo o país, prolongando-se até à tomada de posse de Chapo, em 15 de janeiro.

A sociedade civil reportou mais de 300 mortes e mais de 3.000 feridos entre 21 de outubro e 16 de janeiro. A polícia estimou em 96 o número de pessoas mortas nas manifestações, das quais 17 polícias

O novo relatório da Amnistia Internacional apoia-se em 105 vídeos e fotos verificadas, assim como na análise de outra informação de fonte aberta e ainda em 28 entrevistas, na sua maioria a testemunhas e sobreviventes, realizadas entre outubro de 2024 e janeiro de 2025.

As autoridades moçambicanas não responderam ao pedido de comentários solicitado pela Amnistia Internacional.

 

“Total desprezo pela segurança”

A investigação da Amnistia Internacional confirmou inúmeros casos em que as forças de segurança dispararam armas do tipo AKM ou pistolas contra manifestantes. Exemplos disto são os disparos contra um blogger que estava a transmitir uma manifestação em direto, em 12 de dezembro de 2024, e a morte de três pessoas, em 9 de janeiro de 2025, quando a polícia disparou contra uma multidão pacífica que aguardava a chegada do líder da oposição, Venâncio Mondlane.

O uso da força excessiva e desnecessária pelas forças de segurança provocou também ferimentos, tais como fraturas ósseas, hemorragias internas, danos em órgãos, lesões torácicas e problemas respiratórios, nomeadamente entre transeuntes e crianças, algumas com apenas nove anos de idade. Alguns sobreviventes ficaram a sofrer de incapacidades permanentes, que incluem amputações. Pelo menos três pessoas já não poderão andar.

A polícia disparou também, de forma irresponsável e ilegal, gás lacrimogéneo e projéteis de impacto cinético, muitas vezes sem aviso prévio e sem que se verificasse qualquer violência generalizada por parte dos manifestantes.

A polícia lançou também gás lacrimogéneo para dentro das casas das pessoas, embora o seu uso em espaços confinados seja proibido e extremamente perigoso, e disparou granadas de gás contra jornalistas claramente identificáveis, ferindo-os

Em pelo menos dois casos, as forças de segurança dispararam gás lacrimogéneo diretamente contra as pessoas, causando-lhes ferimentos graves. A polícia lançou também gás lacrimogéneo para dentro das casas das pessoas, embora o seu uso em espaços confinados seja proibido e extremamente perigoso, e disparou granadas de gás contra jornalistas claramente identificáveis, ferindo-os.

As forças de segurança dispararam munições menos letais contra pessoas que não representavam qualquer ameaça para a polícia ou manifestantes, nomeadamente baleando uma pessoa na cabeça, com um disparo a partir de um veículo em movimento, e abrindo fogo contra manifestantes que se encontravam de joelhos e com as mãos no ar.

Durante uma manifestação no dia 27 de novembro em Maputo, soldados, num veículo de combate blindado, atropelaram uma mulher a alta velocidade, causando-lhe ferimentos graves, e depois afastaram-se sem abrandar, deixando o seu corpo imóvel no asfalto.

“Documentámos, repetidamente, como a polícia e o exército moçambicanos dão prova de total desrespeito pela segurança das pessoas durante as manifestações”

Khanyo Farisè

A polícia procedeu também à prisão arbitrária e em massa de manifestantes e transeuntes, incluindo crianças, existindo relatos de tortura ou outros maus-tratos sob custódia policial. “Documentámos, repetidamente, como a polícia e o exército moçambicanos dão prova de total desrespeito pela segurança das pessoas durante as manifestações,” declarou Khanyo Farisè. “Nada justifica este uso excessivo, e por vezes letal, da força”.

 

Chegou a hora da justiça

Até hoje, as vítimas e familiares que falaram com a Amnistia Internacional não viram ser feita justiça pelas violações dos direitos humanos contra eles cometidas.

Em 22 de janeiro de 2025, o Presidente Chapo declarou, numa entrevista à comunicação social, que o seu governo investigaria a situação e reconheceu as mortes tanto de cidadãos comuns como de agentes da polícia.

Em 4 de fevereiro, o procurador-geral de Moçambique, Américo Julião Letela, anunciou a abertura de 651 processos penais e civis relacionados com as mortes, ferimentos e destruição de bens durante as manifestações, mas as autoridades não divulgaram mais pormenores.

Outros casos não produziram quaisquer resultados. Um homem espancado sob custódia apresentou queixa contra a polícia em meados de janeiro, mas aguarda ainda resposta. A Amnistia Internacional confirmou que o exército pagou as contas dos tratamentos hospitalares da mulher que foi atropelada por um dos seus veículos blindados, mas não lhe ofereceu qualquer indemnização.

Entretanto, Venâncio Mondlane afirmou que o Presidente Daniel Chapo concordou, durante uma reunião, que o Estado moçambicano pagaria os cuidados médicos das pessoas feridas, indemnizaria e proporcionaria apoio psicológico às famílias das pessoas mortas e perdoaria as pessoas presas no contexto das manifestações. Contudo, Mondlane não mencionou planos para responsabilizar os suspeitos da autoria destes crimes e o Presidente Chapo não confirmou as palavras citadas pelo líder da oposição.

“Não observamos um compromisso pleno do Presidente Chapo nem do seu governo no sentido de garantir a justiça e a prestação de contas pelas violações de direitos humanos”

Khanyo Farisè

“Infelizmente, não observamos um compromisso pleno do Presidente Chapo nem do seu governo no sentido de garantir a justiça e a prestação de contas pelas violações de direitos humanos”, declarou Khanyo Farisè. “Embora os cuidados médicos, as indemnizações e os perdões sejam todos absolutamente necessários, a responsabilização exige que todos os suspeitos da autoria de crimes enfrentem a justiça em julgamentos justos, após investigações completas e transparentes”.

 

 

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