19 Dezembro 2014

Falta de coordenação e enormes falhas na assistência humanitária estão a causar enormes dificuldades a muitos dos 900.000 deslocados internos no Iraque que, fugindo da guerra, se abrigaram no Curdistão iraquiano, denuncia a Amnistia Internacional.

Enviados da organização de direitos humanos, acabados de regressar de uma missão de investigação naquela região do Norte do Iraque, encontraram muitos dos deslocados internos com falta dos bens essenciais de que precisam para sobreviver ao Inverno, tal como cobertores, roupas quentes e meios de aquecimento. Milhares de pessoas estão a viver em condições deploráveis em campos deficientemente equipados ou em acampamentos informais.

“Há falhas chocantes na resposta humanitária. Em resultado, muitíssimas pessoas estão a viver em campos mal equipados ou em edifícios sem paredes, sem nenhum abrigo capaz de os proteger do frio, do vento e da chuva. As crianças andam com roupas fininhas naquele frio gelado. Em alguns dos campos, o fornecimento de água potável e as estruturas sanitárias são desadequadas, e não existem mesmo em alguns dos acampamentos informais. Com o avançar do Inverno, a situação deverá ficar cada vez pior”, descreve a investigadora da Amnistia Internacional Khairunissa Dhala, perita em direitos dos refugiados.

É uma situação “de emergência”, prossegue: “A comunidade internacional e o Governo Regional do Curdistão têm de encetar urgentemente esforços concertados para garantir a assistência àqueles que se abrigam tanto dentro como fora dos campos, de forma a evitar um desastre humano de enormes proporções”.

O Governo do Curdistão iraquiano tem vindo a desenvolver esforços para fazer chegar acomodações e serviços de emergência aos deslocados. Mas a resposta por parte da comunidade internacional têm sido lenta, e de modo geral a ajuda humanitária está aquém do que é necessário para suprir as necessidades essenciais dos deslocados.

A falta de financiamentos é gravíssima. O Plano de Resposta Estratégica das Nações Unidas para o Iraque no biénio 2014-2015 ainda só recebeu 33 por cento do valor total orçamentado. A parte dedicada aos abrigos e outros bens essenciais ainda só captou 23 por cento do financiamento necessário. E muitos dos projetos de assistência das Nações Unidas estão a operar com recursos que vão acabar em março de 2015.

“Com tão poucas perspetivas de que os deslocados possam regressar em breve às suas casas, são necessários melhor financiamento, planeamento e coordenação para dar a ajuda adequada àqueles que mais estão a sofrer”, insta Khairunissa Dhala.

Abrigos sem os padrões mínimos

Cerca de 120.000 deslocados iraquianos estão atualmente a viver em 12 campos geridos por agências humanitárias ou pelo Governo do Curdistão na região de Dohuk – e a capacidade destes campos é insuficiente para acolher toda a população de deslocados internos. A maioria das pessoas está espalhada por centenas de acampamentos informais improvisados em edifícios em construção (na foto), em centros comunitários e outros locais. Outras ainda conseguiram encontrar e custear alojamento privado.

As condições de alojamento, as estruturas e os serviços variam muito de campo para campo. Em Bersive I, campo que aloja atualmente dez mil pessoas, as tendas não estão totalmente isoladas da chuva, não há água quente e o número de sanitários e de chuveiros disponíveis não chega aos padrões mínimos exigíveis. Tão deficientes condições em muitos dos campos desencorajam mesmo alguns dos deslocados até a tentarem procurar abrigo noutro local, convictos do que os espera será muito pior.

A Amnistia Internacional visitou também acampamentos informais em Dairaboun e em Zawita, onde encontrou muitas falhas na prestação de ajuda humanitária, além de uma ausência crítica de instalações sanitárias.

Segundo as Nações Unidas, cerca de 40 por cento da população de deslocados na região de Dohuk vive em estaleiros de construção e em prédios inacabados. A maioria não tem paredes, nem janelas, nem portas, o que deixa os que ali se alojaram expostos ao frito, ao vento e à chuva. Estas pessoas estão desprovidas de meios de aquecimento, de água e de instalações sanitárias. A Amnistia Internacional confirmou ainda no terreno que há crianças a caírem destes edifícios semiconstruídos, e que morrem ou ficam gravemente feridas.

Muitas das famílias que se instalaram nestes edifícios contaram aos investigadores da Amnistia Internacional que não teriam sobrevivido sem a boa vontade da comunidade que os acolheu. Não receberam ajuda de mais ninguém em vários meses. E o esforço que está a pesar na comunidade de acolhimento começa a revelar-se: alguns dos proprietários privados de imóveis disseram à equipa da organização de direitos humanos que querem que os deslocados abandonem os edifícios que ocuparam, para que possam acabar de os construir.

Khani, uma mulher de 22 anos que vive na cave de um edifício semiconstruído com outras seis famílias, é um dos deslocados a quem foi pedido para partir. As pessoas ali alojadas não têm água, nem gás, e apenas um aquecedor que lhes foi dado por uma organização de beneficência. “Precisamos de mais roupas e cobertores. Essa é a nossa prioridade agora”, contou Khani aos investigadores da Amnistia Internacional.

Apesar de o Governo do Curdistão iraquiano ter encetado medidas para transferir as pessoas destes edifícios inacabados para os campos de deslocados, não foram consideradas nenhumas outras soluções alternativas, como, por exemplo, a de dotar zonas de acampamento informal com condições de alojamentos adequadas.

“Todos os que ficaram sem casa depois de fugirem da espiral de violência no Iraque têm direito a um abrigo seguro, quente, em condições. E isto é especialmente urgente com o início do Inverno. Ninguém deveria ser forçado a abandonar o local onde encontrou refúgio se não tem nenhum outro sítio para ir. O Governo Regional do Curdistão tem de trabalhar com as Nações Unidas e outras organizações humanitárias para garantir que os deslocados internos no Iraque têm abrigos adequados”, remata a investigadora da Amnistia Internacional.

Acesso à educação

Há umas estimadas 252.000 crianças em idade escolar (entre os seis e os 17 anos) deslocadas na região do Curdistão iraquiano. Muito poucas das crianças das famílias que a equipa da Amnistia Internacional entrevistou, tanto em campos como em acampamentos informais, vão à escola. Com tantos campos sem escolas, algumas famílias não conseguem pagar o transporte necessário para a deslocação dos seus filhos; noutros casos, as famílias precisam que até as crianças trabalhem para conseguirem sobreviver.

Alguns pais disseram ainda que as crianças que antes já tinham estudado segundo o currículo escolar árabe que é ensinado no resto do Iraque não conseguiam aprender pelo currículo curdo.

“A educação tem de ser uma das prioridades de topo na resposta humanitária a esta crise. Estas crianças já perderam as suas casas, não podem agora ver ser-lhes negado o direito à educação”, frisa Khairunissa Dhala.

A Amnistia Internacional insta as autoridades do Curdistão iraquiano a trabalharem com as Nações Unidas e outras organizações a melhorarem também o processo de registo dos deslocados internos, de forma a assegurar que as necessidades e vulnerabilidades destas pessoas estão devidamente avaliadas.

Desde o início de 2014, mais de dois milhões de iraquianos foram forçados a deixar as suas casas devido à violência por todo o país. A região do Curdistão acolhe 48 por cento do total desta população de deslocados, umas estimadas 946.266 pessoas.

Desde janeiro passado, o Curdistão iraquiano acolheu três vagas de deslocados internos, provocadas pelos avanços territoriais do grupo armado Estado Islâmico.

A primeira vaga deu-se após as forças daquele grupo jihadista terem conquistado parte da região de Anbar entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, obrigando a população local, predominantemente árabes sunitas, a fugir. A meio do ano, entre julho e julho, houve o segundo êxodo maciço, na esteira da tomada militar por parte do Estado Islâmico de cidades e vilas no Norte do Iraque, em particular de Mosul, a qual forçou centenas de milhares de pessoas a abandonarem as suas casas, incluindo muitas pertencentes a minorias religiosas e étnicas no Iraque. Logo depois, em agosto, os avanços do Estado Islâmico na região da montanha do Sinjar, no noroeste do país, conduziram à terceira vaga de fuga, de centenas de milhares de habitantes, a vasta maioria pertencentes à comunidade yazidi (uma das mais antigas minorias étnico-religiosas curda do Iraque que professa uma religião pré-islâmica).

Com uma população de cerca de 5 milhões de pessoas, o Curdistão iraquiano está a acolher ainda uns 230.000 refugiados sírios.
 

 

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