Novas rondas de flagelação do blogger saudita Raif Badawi podem causar danos físicos e psicológicos a longo prazo e extremamente debilitantes, alerta a diretora clínica da organização britânica Freedom from Torture numa avaliação comissionada pela Amnistia Internacional.
As autoridades no reino da Arábia Saudita provocaram uma vaga internacional de indignação no início de janeiro quando Raif Badawi foi submetido às primeiras 50 chicotadas das mil a que foi condenado pela criação e gestão de um fórum online de debate público e por ter “insultado o Islão”. Peritos médicos entendem que o sofrimento a que foi sujeito poderá ser muito maior se a sentença de flagelação for cumprida na íntegra, como previsto, de mais 50 a cada sexta-feira ao longo de 20 semanas.
“Flagelar Raif Badawi foi um ato de indescritível crueldade das autoridades sauditas. Esta prática viola a proibição da tortura e outros maus-tratos consagrada na lei internacional, e não deve jamais ser aplicada em nenhumas circusntâncias. Fazê-lo repetidamente aumenta seguramente o tormento, o sofrimento, tanto físico como a nível mental causado à vítima”, frisa o diretor da Amnistia Internacional para a região Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.
Raif Badawi está em risco de sofrer nova ronda de 50 chicotadas esta sexta-feira, 30 de janeiro.
A diretora clínica da Freedom from Torture, Juliet Cohen, sustenta que o impacto de uma nova flagelação é muito provável ser ainda pior do que na primeira: “Quanto mais vergastadas são infligidas, umas sobre as outras, maior é a hipótese de se sofrer feridas abertas. E isto é importante porque a probabilidade é de que essas feridas abertas sejam cada vez mais dolorosas e com um mais elevado risco de infeção, o que, por sua vez, provocará mais dor durante períodos de tempo mais prolongados, uma vez que a infeção retarda a cura e a cicatrização dos ferimentos”.
Juliet Choen explica que a camisa que Raif Badawi envergava quando foi flagelado a 9 de janeiro não lhe deu nenhuma proteção da força dos golpes da vara sobre o seu corpo. “Quando a vara bate no corpo, o sangue é pressionado nos tecidos. Os danos nos vasos sanguíneos e nas células provocam derrames de sangue e dos fluídos extracelulares na pele e nos tecidos subjacentes, aumentando a tensão nestas áreas”, descreve a médica. A perita prossegue, sublinhando que “repetidos impactos da vara usada na flagelação sobre estas áreas podem fazer com que a pele rasgue, sobretudo se for atingida uma zona óssea do corpo, e são causadas as feridas abertas”.
Medo, ansiedade, incapaz de dormir
Além dos horríveis efeitos físicos da flagelação, as vítimas sofrem também um brutal tormento psicológico provocado por esta punição.
“Psicologicamente, a flagelação pode causar sentimentos de medo, ansiedade, humilhação e vergonha. A antecipação à próxima ronda de vergastadas causará muito provavelmente emoções muito intensas – em especial o medo, a ansiedade e dificuldades em dormir. E a dor e o medo combinados durante períodos prolongados têm um efeito profundamente debilitante. A recuperação de experiências destas pode demorar bastante tempo”, avança ainda Juliet Cohen.
As duas últimas rondas de flagelação agendadas – nas duas sextas-feiras que se seguiram a 9 de janeiro – foram ambas adiadas por razões médicas, depois de juntas médicas sauditas terem recomendado que o blogger não estava em condições físicas para ser sujeito a novas vergastadas.
O envolvimento de médicos no caso de Raif Badawi levou à suspensão – pelo menos temporária – da execução da sua pena de flagelação. Mas incluir profissionais médicos no processo é em si uma preocupação uma vez que estes podem ser forçados a dar luz verde à punição. E tal constitui uma violação do princípio fundamental que guia o trabalho dos médicos: não infligir sofrimento intencionalmente.
Juliet Cohen recomenda que sejam dadas mostras de apoio a Raif Badawi, para que o blogger “saiba que não está sozinho no sofrimento pelo qual está a passar e que o mundo inteiro está a falar sobre ele”. E também que seja expresso apoio por associações médicas, incluindo a Associação Médica Mundial, aos clínicos que são incumbidos de o observar e avaliar, instando estes a “terem em conta a saúde do paciente acima de tudo mais”.
A Amnistia Internacional tem organizado marchas e manifestações pelo mundo inteiro nas últimas semanas, num audível apoio declarado a Raif Badawi, e instando as autoridades sauditas a o libertarem imediata e incondicionalmente e a suspender definitivamente a sentença que lhe foi pronunciada.
“Raif Badawi é um prisioneiro de consciência cujo único ‘crime’ foi criar um site na internet dedicado à discussão pública, e as autoridades sauditas têm de pôr fim a esta campanha odiosa contra ele”, insta Philip Luther. “A flagelação é proibida ao abrigo da lei internacional e levar a cabo uma punição tão cruel e desumana regularmente é uma vergonha para o país”, remata o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.
A Amnistia Internacional tem uma petição ativa a favor da libertação de Raif Badawi, apelando também ao rei saudita para que suspenda prontamente a execução da flagelação do ativista: assine!