As forças de segurança no Burundi são responsáveis pela morte de dezenas pessoas, incluindo em execuções extrajudiciais, num só e brutalmente sangrento dia, a 11 de dezembro, neste país da região dos Grandes Lagos de África que se encontra imerso numa grave crise de direitos humanos, alerta a Amnistia Internacional.
No briefing “‘My children are scared’: Burundi’s deepening human rights crisis” (“Os meus filhos estão aterrorizados: o agravamento da crise de direitos humanos no Burundi”), publicado esta terça-feira, 22 de dezembro, a Amnistia Internacional documenta execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e pilhagens feitas pela polícia na capital do país, Bujumbura, a 11 de dezembro passado.
“No mais sangrento e mortal dia desde o início da atual instabilidade política no Burundi, as ruas de Bujumbura ficaram repletas de cadáveres, muitos de pessoas que foram mortas com uma só bala na cabeça. Pelo menos um dos corpos foi encontrado com as mãos atadas”, descreve a diretora da Amnistia Internacional para a Região da África Oriental, do Corno de África e dos Grandes Lagos, Muthoni Wanyeki. “As táticas violentas com que as forças de segurança agiram nesse dia expressam uma escalada dramática na intensidade e amplitude de operações anteriores. Homens foram tirados à força das suas casas e mortos à queima-roupa, enquanto outros foram alvejados assim que abriram as portas”, prossegue a perita.
Este acentuado intensificar dos crimes e dos abusos cometidos é um presságio preocupante para o futuro do Burundi.
O briefing explana os acontecimentos de 11 de dezembro. Em resposta a ataques aramados feitos contra três instalações militares na capital, a polícia lançou uma série de operações de cerco e buscas em vários bairros tidos como habitados por opositores políticos no país. Durante algumas destas operações, a polícia ficou debaixo de fogo de armas disparadas por jovens. E, em resposta, foram de casa em casa, pilhando os pertences das pessoas e detendo arbitrariamente numerosos cidadãos; dezenas foram mortos.
Residentes do bairro de Nyakabiga descreveram à Amnistia Internacional terem encontrado pelo menos 21 corpos de homens nas ruas, em casas e em valas de esgotos. Os investigadores da organização de direitos humanos constataram no terreno a existência de grandes poças de sangue onde algumas pessoas foram mortas.
Entre as vítimas mortais neste dia sangrento está um homem com deficiências físicas, um adolescente vendedor de ovos, uma trabalhadora doméstica, um professor e um homem que vendia telemóveis. Alguns dos mortos são menores, incluindo um rapaz de 15 anos que foi alvejado na cabeça quando fugia do cerco policial para se abrigar numa latrina exterior.
Os corpos dos mortos foram recolhidos pelas autoridades e levados para um local desconhecido.
No dia seguinte, porta-voz das forças armadas do Burundi anunciou que tinham sido mortos 79 “inimigos”, e ainda quatro soldados e quatro polícias. Esta caracterização dos mortos como “inimigos” sugere que se tratava de combatentes da oposição política – algo que claramente não é verdade no caso de alguns daqueles que foram mortos. Porém, algumas das vítimas mortais poderão ter participado nos ataques às instalações militares ou lutado com as forças de segurança nos bairros residenciais em que foram feitos os cercos e as buscas.
Investigação urgente por peritos independentes
As autoridades do Burundi têm uma série de ferramentas legais ao seu dispor para dar resposta aos desafios da atual situação no país. Têm de refrear com urgência as forças de segurança para pôr termo às táticas abusivas que se tornaram comuns. Uma investigação aos acontecimentos – que foi anunciada pelo Procurador-geral a 17 de dezembro – constitui um bom primeiro passo, caso seja de facto permitido a essa equipa de investigadores levarem a cabo o seu trabalho de forma verdadeiramente independente, imparcial e minuciosa.
“Estas mortes ilustram horrivelmente a crescente crise de direitos humanos que existe no Burundi e a necessidade de a região, e o resto da comunidade internacional, agir vigorosamente. Tal deve incluir a prestação quanto antes de apoio à missão urgente de investigação por parte de peritos independentes aos crimes previstos na lei internacional e às violações de direitos humanos”, exorta Muthoni Wanyeki.
A diretora da Amnistia Internacional para a Região da África Oriental, do Corno de África e dos Grandes Lagos insta ainda “o Governo do Burundi a agir de forma urgente para acabar com os cada vez maiores derramamentos de sangue e proteger os direitos de todos os cidadãos do país”. “Tem de ser feita uma investigação urgente e imparcial à conduta da polícia a 11 de dezembro, e a outros incidentes. Todos os suspeitos de responsabilidade criminal por estes crimes hediondos têm de ser julgados em tribunais civis comuns”, remata.
A pesquisa feita pela Amnistia Internacional decorreu ao longo de duas semanas no Burundi.
A maior parte das pessoas mortas nas operações brutais de 11 de dezembro eram residentes dos bairros de Musaga, Mutakura, Nyakabiga, Ngagara, Cibitoke e Jabe – todos distritos da capital maioritariamente habitados por membros da minoria étnica tutsi no país e considerados pelas autoridades como áreas pró-oposição. Foi nestas zonas de Bujumbura que começaram, em abril de 2015, os protestos contra a candidatura a um terceiro mandato consecutivo do Presidente, Pierre Nkurunziza, às eleições de julho passado.
Os incidentes sangrentos de 11 de dezembro surgem na esteira de vários meses de mortes brutais na capital do Burundi. Na véspera dos ataques, as Nações Unidas revelaram que mais de 300 pessoas tinham sido mortas no país desde abril de 2015.
As detenções arbitrárias e os desaparecimentos forçados frequentes, assim como o que se perfila como uma prática sistemática de extorsão por parte das forças de segurança e do Imbonerakure (grupo armado de jovens que está ligado ao partido político no poder), também têm contribuído para a rápida deterioração da situação de direitos humanos no Burundi.