12 Setembro 2016

O Governo Regional do Curdistão tem de pôr fim imediatamente à chocante detenção arbitrária de uma mulher yazidi que permanece presa sem julgamento há quase dois anos depois de ter conseguido sobreviver no Iraque a cativeiro às mãos do grupo armado autodesignado Estado Islâmico, insta a Amnistia Internacional.

Bassema Darwish (na foto, com o irmão), de 34 anos e com três filhos, é oriunda da aldeia de Babira, na região de Ninewa, e foi detida pelas forças de segurança do Governo Regional do Curdistão em outubro de 2014. Foi acusada de ser cúmplice do Estado Islâmico, numa ação em que morreram três membros das Peshmerga (forças militares do aparelho de segurança do Governo Regional do Curdistão), quando estas chegaram à casa onde a mulher yazidi era mantida cativa pelo grupo armado, em Zummar, na zona noroeste do Iraque.

“As mulheres yazidi raptadas pelo Estado islâmico sofreram abusos absolutamente terríveis, incluindo violação e escravidão sexual [às mãos do grupo armado]. No caso de Bassema Darwish, a libertação do cativeiro às mãos do Estado Islâmico não pôs fim aos maus-tratos. Em vez de a manterem detida durante quase dois anos, numa flagrante violação dos seus direitos, as autoridades devem garantir que esta mulher recebe o apoio médico e psicológico de que necessita, assim como aconselhamento para a ajudar a superar o sofrimento pelo qual passou no cativeiro”, sustenta o diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.

O perito frisa que “manter [Bassema Darwish] detida indefinidamente, sem julgamento nem nenhuma hipótese adequada para contestar a ilegalidade da detenção, é cruel e ilegítimo”. “As autoridades têm de a acusar com uma ofensa criminal reconhecida legalmente ou libertarem-na prontamente”, insta.

Familiares, ativistas e responsáveis governamentais reportaram aos investigadores da Amnistia Internacional que Bassema Darwish foi raptada por combatentes do Estado Islâmico, assim como o seu marido e 33 outras pessoas da mesma família, a 3 de agosto de 2014, no êxodo da população do Sinjar, que fugia do avanço das forças do grupo armado na região. Bassema Darwish estava grávida quando foi capturada pelo Estado Islâmico.

As pessoas raptadas foram inicialmente levadas para a cidade de Tal’Afar, onde mulheres e crianças, incluindo Bassema Darwish, acabaram por ser separadas dos homens. Desconhece-se oque aconteceua 31 dosseus familiares.

Esta mulher está detida atualmente na Prisão para Mulheres e Jovens em Erbil, capital do semiautónomo Curdistão iraquiano, onde teve o bebé de que estava grávida quando foi raptada pelo Estado Islâmico: a bebé chama-se Nour Hussein.

Os combatentes do Estado Islâmico cometeram sistematicamente crimes previstos na lei internacional, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Mulheres e raparigas yazidi (uma das mais antigas minorias étnico-religiosas curda do Iraque que professa uma religião pré-islâmica) foram mantidas como escravas sexuais, violadas, torturadas e assassinadas. Algumas forçadas a verem familiares a serem mortos, obrigadas a separarem-se dos filhos ou coagidas a converterem-se ao islão.

“É chocante que o Governo regional do Curdistão, que tem condenado consistentemente as atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico contra a comunidade yazidi, mantenha na prisão uma mulher que sobreviveu a esses abusos com base em acusações de terrorismo e negando-lhe os mais básicos direitos legais”, critica Philip Luther.

O chefe de investigações do Diretório Antiterrorismo do Governo Regional do Curdistão, que se reuniu com uma equipa da Amnistia Internacional em agosto de 2016, descreveu que quando as Peshmerga chegaram ao local onde Bassema Darwish estava em cativeiro, em Zummar, a mulher enganou os agentes das forças de segurança dizendo-lhes que não estava mais ninguém na casa. Este responsável do Governo Regional do Curdistão avançou que havia porém três combatentes do Estado Islâmico escondidos na casa, os quais mataram três membros das Peshmerga.

A mesma fonte argumentou ainda que Bassema Darwish fora “radicalizada” e que enganara deliberadamente as Peshmerga, sendo responsável por aquelas três mortes. Por isso, sustentou, a yazidi está detida ao abrigo da lei antiterrorismo e o caso dela já foi entregue às autoridades judiciais, mas não tendo ainda sido marcada data do julgamento.

Familiares de Bassema Darwish contaram por seu lado à Amnistia Internacional que ela foi levada a tribunal em agosto passado pelo menos uma vez sem estar acompanhada de advogado e que foi forçada a assinar vários documentos escritos em curdo sem compreender o seu conteúdo.

Responsáveis do Diretório Antiterrorismo do Governo Regional do Curdistão recusaram à Amnistia Internacional o pedido de visitar Bassema Darwish na prisão, quando uma equipa de investigadores da organização de direitos humanos fez uma visita à região do Curdistão iraquiano em agosto passado. Foi também negado a vários advogados acederem a esta mulher yazidi na prisão.

A fundadora da ONG humanitária Amy, Azadi e Jiyan, Amy Beam, contou aos investigadores da Amnistia Internacional que foi ameaçada por membros da Asayish (agência de segurança e de serviços secretos do Governo regional do Curdistão) devido aos esforços que tem feito para obter a libertação de Bassema Darwish.

A Amnistia Internacional já em múltiplas ocasiões que discutiu o caso de Bassema Darwish com as autoridades, mais recentemente numa carta enviada, a 26 de agosto, ao presidente do Governo Regional do Curdistão, Masoud Barzani.

“É imperativo que seja permitido acesso sem nenhuns obstáculos de Bassema Darwish aos familiares, a advogados e a monitores internacionais independentes. O direito a um julgamento justo, incluindo o direito a contestar a ilegalidade da sua detenção, a ser informada das acusações existentes num idioma que ela compreenda e a ter uma defesa judicial adequada têm de ser totalmente cumpridos”, exorta o diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

A organização de direitos humanos insta ainda o Governo regional do Curdistão a libertar Bassema Darwish até que um tribunal civil e comum avalie e decida sobre os méritos das acusações formuladas contra esta mulher, ponderando o seu passado, a vulnerabilidade em que se encontra e também as suas responsabilidades de cuidados aos filhos.

 

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