9 Março 2015

O novo relatório das Nações Unidas sobre a forma generalizada da tortura cometida pela polícia e forças de segurança mexicanas tem de impelir as autoridades do país a darem resposta a esta prática repugnante de uma vez por todas, avalia a Amnistia Internacional reiterando o apelo feito há meses com uma investigação da organização à tortura no México.

O documento, tutelado pelo Relator Especial das Nações Unidas para a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Juan Méndez, foi apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU na sexta-feira, 6 de março. O relatório descreve como as autoridades no México falham frequentemente no dever de investigar as denúncias feitas por vítimas de tortura, e como médicos forenses que trabalham para o Estado ignoram amiúde os sinais de tortura.

“Este relatório contundente e crucial, vindo de um perito de topo das Nações Unidas, realça a cultura de impunidade e de brutalidade contra a qual fazemos campanha há anos. O Presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, não pode de forma nenhuma argumentar ignorância neste assunto. Em vez disso, tem de aceitar e agir de acordo com todas as recomendações feitas no relatório do Relator Especial das Nações Unidas”, frisa a diretora da Amnistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas.

A perita da organização de direitos humanos explica que “a polícia e os soldados recorrem à tortura com frequência para punir ou para extrair confissões falsas ou informações dos detidos na chamada ‘Guerra às Drogas’”. “É muito frequente que as vítimas [de tortura] sejam forçadas a assinar declarações e, em muitos casos, são condenadas apenas com base nessas mesmas declarações feitas sob tortura. E nos casos em que são conduzidos exames médicos forenses, estes ficam normalmente aquém dos padrões internacionais”, prossegue.

Em setembro de 2014, a Amnistia Internacional publicou o relatório “Out of control: Torture and other ill-treatment in Mexico (Fora de controlo: a tortura e outros maus-tratos no México), integrado na campanha STOP Tortura, onde se expôs um aumento gravíssimo das práticas de tortura e de outros maus-tratos a par de uma entrincheirada cultura de tolerância a esta conduta cruel e impunidade dos seus autores.

A Amnistia Internacional insta o Governo mexicano a garantir que os responsáveis dos departamentos forenses levam a cabo exames rápidos, imparciais e exaustivos a qualquer pessoa que denuncie ter sido vítima de tortura. Urge ainda as autoridades do país a aceitarem os relatórios forenses elaborados por peritos independentes como provas válidas em tribunal.

“As investigações a alegações de tortura no México estão crivadas de falhas. As orientações acordadas a nível internacional sobre as formas de investigar a tortura, como é o caso do Protocolo de Istambul, são ignoradas no país, e as vítimas têm frequentemente de esperar meses ou mesmo anos para serem examinadas por peritos. Documentar os casos de tortura é o primeiro passo para derrubar o muro de impunidade”, defende Erika Guevara-Rosas.

Nos meses recentes, a Amnistia Internacional tem desenvolvido uma campanha em prol de justiça por Ángel Colón e por Claudia Medina, tendo ambos sido torturados para lhes serem extraídas confissões falsas em casos separados.

Ángel Colón foi asfixiado, humilhado e espancado por soldados enquanto esteve detido numa base militar. Passaram-se cinco anos até Ángel ser devidamente examinado por um perito médico forense em relação às denúncias de tortura que apresentou. Este exame foi feito por um perito forense independente depois de as autoridades mexicanas não terem agido como lhes cabia.

Claudia Medina, por seu lado, foi torturada com violência sexual à mão de marines. As autoridades têm-se mostrado relutantes em investigar as denúncias de tortura que Claudia Medina fez, e o Governo tornou praticamente impossível que ela tivesse acesso a serviços forenses oficiais. A única prova forense da tortura a que foi sujeita foi coligida em dois exames independentes.

“Depois de todo o processo pelo qual passei, senti a necessidade de me tornar ativista, para mostrar que não sou criminosa como as autoridades me quiseram retratar. Não permitirei que nem mais uma só mulher seja torturada no México”, afirmou Claudia Medina à Amnistia Internacional.

A diretora da organização de direitos humanos para a região das Américas frisa que a recém-nomeada procuradora-geral federal, Arely Gómez González – que tomou posse a 3 de março –, “tem a oportunidade de tomar uma posição forte sobre a tortura”. “[A nova procuradora-geral federal] tem de garantir que as vítimas acedem a exames forenses adequados feitos por peritos oficiais que funcionem autonomamente do gabinete da Procuradoria-geral Federal, tal como o relatório das Nações Unidas apontou agora”, remata Erika Guevara-Rosas.

 

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