4 Junho 2015

 

A China vive atualmente um dos períodos mais negros para a liberdade de expressão desde a brutal repressão na Praça de Tiananmen em 1989. Passaram-se 26 anos mas parece que o relógio andou para trás, avalia aqui o investigador da Amnistia Internacional perito em China, William Nee.

“Passaram-se 26 anos desde os dias trágicos de 1989 em que milhares de manifestantes pró-democracia pacíficos foram alvo de brutal repressão dentro e em redor da Praça de Tiananmen, em Pequim.

Apesar de os tanques já há muito tempo terem deixado a infame praça da capital chinesa, o Presidente Xi [Jinping] parece estar decidido a extinguir quem quer que pareça desafiar a hegemonia do Partido Comunista Chinês.

Quando assumiu o mandato, no final de 2012, o Presidente Xi declarou que o poder iria ser “enjaulado”, mas têm sido os académicos, os jornalistas, os ativistas e os ativistas de direitos humanos, de pensamento independente, a serem atirados para a prisão.

Estamos a assistir a um dos períodos mais negros para a liberdade de expressão na China desde o derramamento de sangue de 1989.

A jornalista veterana chinesa Gao Yu, que definha numa prisão de Pequim, é uma das muitas vozes dissidentes que sofre há décadas com o poder arbitrário do Estado chinês.

Em abril passado, na conclusão de um julgamento injusto, foi condenada a sete anos de prisão pelas acusações forjadas de “revelação de segredos de Estado”.

Gao Yu fora declarada “inimiga pública” por responsáveis de topo do Partido Comunista Chinês pela primeira vez nos finais da década de 1980, na altura em que era diretora-adjunta do jornal pró-reformas Economics Weekly.

Na primavera de 1989, quando centenas de milhares de estudantes e trabalhadores encheram as ruas de Pequim e por toda a China, num dos maiores movimentos pró-democracia da história, o Economics Weekly publicou uma série de artigos em que o Governo era instado a prestar atenção aos pedidos de reforma que os manifestantes faziam.

As autoridades não gostaram daqueles artigos, e muito rapidamente fecharam o jornal. Gao Yu foi detida pela polícia a 3 de junho de 1989.

Ao fim dessa noite, os tanques entraram pela Praça de Tiananmen dentro. Centenas, talvez mesmo milhares, de pessoas foram mortas ou feridas com o Exército a esmagar brutalmente os manifestantes pró-democracia.

Atualmente, os líderes da China persistem em jogos políticos com o passado, tentando branquear a verdade do derramamento de sangue de 4 de junho de 1989.

As autoridades impedem os familiares daqueles que foram morto durante a repressão em Tiananmen de fazerem luto em público. Os apelos de pais e mães pela verdade, por compensações e por responsabilização caem em orelhas moucas.

Gao Yu passou 15 meses na prisão após a repressão da Praça de Tiananmen. Na década de 1990, voltou a ser presa, durante seis anos, condenada por “revelação de segredos de Estado”. Nessa altura como agora, a Amnistia Internacional declarou-a prisioneira de consciência e instou à sua libertação imediata e incondicional.

As autoridades chinesas temem o poder da caneta dela. Gao Yu é repetidamente castigada pelo seu empenho em reportar os factos e desvendar a verdade.

Desta feita, Gao Yu é acusada de ter revelado um documento interno de teor ideológico do Partido Comunista Chinês conhecido como Documento nº9 – acusação que ela nega veementemente.

A liberdade de imprensa e “valores universais”, como a democracia e os direitos humanos, são severamente atacados no Documento nº9. O texto ideológico traça uma visão orwelliana de controlo da história, em que qualquer interpretação que difira da do Partido Comunista Chinês – incluindo o que se passou em junho de 1989 – é considerada uma ameaça à legitimidade do partido.

Esta é uma realidade arrepiante: qualquer pessoa que ouse desviar-se da narrativa do Partido Comunista Chinês é severamente punida.

Longe de abrandar, o Governo introduziu toda uma série de peças legislativas de “segurança nacional” regressivas e vagamente formuladas, numa reforçada tentativa de consolidar o controlo.

O conceituado advogado de direitos humanos Pu Zhiqiang, enfrenta atualmente uma possível condenação a dez anos de prisão sob acusações de “incitamento de ódio étnico” e de “desordem e provocação”. Pu Zhiqiang defendeu indivíduos envolvidos em alguns dos mais sensíveis casos de direitos humanos no país, e as acusações deduzidas contra ele fede a perseguição política. O advogado foi detido em maio passado, depois de ter participado num seminário onde foi feito o apelo a uma investigação à repressão sangrenta dos protestos de 1989.

Pu Zhiqiang era estudante naquela primavera de 1989, e como muito dos seus pares estava nas ruas de Pequim a exigir reformas.

Há uma ligação direta entre aquilo que os manifestantes pediam na Praça de Tiananmen em 1989 e aquilo que é pedido agora. A maioria quer ver mudanças significativas no atual sistema político no país, à luz dos direitos que estão consagrados na Constituição da China.

Hoje em dia, a China é irreconhecível em comparação com o país em que os estudantes encheram as ruas em 1989, vivendo uma transformação económica e progressos notáveis no combate à pobreza. Porém, no que toca à liberdade de expressar opiniões diferentes das do Partido Comunista, o Presidente Xi andou com o relógio para trás.

Neste 4 de junho, ao lembrarmos e ao exigirmos justiça para as vítimas da repressão na Praça de Tiananmen em 1989, reivindicamos também liberdade para Gao Yu e para Pu Zhiqiang, e para as centenas de outros ativistas corajosos que face ao regime repressivo atual na China se recusam a permitir que o assalto do Partido Comunista Chinês aos direitos humanos prossiga sem contestação.”
 

 

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