9 Maio 2016

 

O plano que é apresentado pelas Nações Unidas para encontrar soluções para a crise global de refugiados, sem precedentes, pode mudar drasticamente a situação atual se os governos lhe derem apoio assumindo compromissos concretos e de longo prazo, avalia a Amnistia Internacional.

O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, torna público esta segunda-feira, 9 de maio, um relatório que contém uma proposta de “Global Compact” sobre a partilha de responsabilidades com o objetivo de criar um modelo mais previsível e equitativo de dar resposta a vastos fluxos de refugiados. Este relatório insta também os governos a reinstalarem pelo menos 10% da população mundial de refugiados (19,5 milhões de pessoas) anualmente.

“Este plano da ONU pode mudar tudo, se conseguir pôr em marcha um sistema claro e coordenado que garanta que os países mais ricos e poderosos do mundo usam o seu peso e força e protegem coletivamente as pessoas que fogem da guerra e da perseguição. O seu sucesso vai depender de os governos acordarem num modelo permanente de partilha de responsabilidades no acolhimento e assistência aos refugiados antes da Cimeira sobre os Refugiados que decorrerá nas Nações Unidas em setembro próximo. A bola está do lado deles”, frisa o vice-diretor da Amnistia Internacional para os Assuntos Globais, Sherif Elsayed-Ali.

O perito da organização de direitos humanos alerta que “os líderes mundiais não podem continuar a hesitar de crise para crise, a regatear números entre si e a perder tempo enquanto há partes do mundo imersos em chamas, deixando assim nos ombros de países em desenvolvimento a carga de acolher 86% dos refugiados que há no mundo inteiro”.

“Daqui resulta o caos a que assistimos a nível global: refugiados em botes inseguros, encurralados face a barreiras fronteiriças ou enfiados em campos sobrepovoados onde as esperanças e sonhos desfalecem. Demasiado frequentemente, estas as cenas de desespero nascem não só da guerra e da perseguição mas também devido a más e insensíveis políticas. Um sistema abrangente, que defina com clareza a responsabilidade de cada país antes da crise se tornar gravíssima, pode resolver este problema”, prossegue Sherif Elsayed-Ali.

A Amnistia Internacional apresenta um conjunto de recomendações, com cinco elementos essenciais, para que esta proposta de “Global Compact” da ONU no que toca à partilha de responsabilidades na crise de refugiados seja eficaz:

  1. Sistema permanente de distribuição das vagas de reinstalação, sustentado em critérios objetivos:para os refugiados especialmente vulneráveis, que não conseguem receber a proteção nem a assistência de que carecem nos países de acolhimento (como é o caso de sobreviventes de violência e de tortura, mulheres e raparigas em risco, e pessoas com necessidades de assistência médica grave), o mecanismo de reinstalação é uma corda salva-vidas para que estas pessoas possam efetivamente exercer os direitos humanos num terceiro país. Outras formas de admissão humanitária, como os vistos humanitários, podem ser usadas com o mesmo propósito.

  2. Sistema adicional de distribuição, em casos de largos fluxos de refugiados, para acolher refugiados através de rotas legais e seguras (“vias legais” de admissão), baseado em critérios objetivos:em situações nas quais se registam vastos fluxos de refugiados – como no caso da crise de refugiados sírios – a reinstalação não é suficiente. Países como a Turquia, o Líbano e a Jordânia acolhem numerosas populações de refugiados, a cujas necessidades não se pode, de forma razoável, esperar que consigam dar resposta. O resultado é que centenas de milhares de refugiados estão a viver em situações de indigência e desamparo total ou a arriscar a vida para conseguirem chegar à Europa. É necessário um sistema pré-acordado que garanta os direitos humanos dos refugiados e no qual se verifique uma partilha da responsabilidade de proteção destas pessoas com os países de primeiro acolhimento e atribuição de asilo. Um sistema de distribuição das populações de refugiados deve assentar em procedimentos de entrada protegida e/ou no reconhecimento mutuo do estatuto de refugiado. E pode ser complementado por outras vias de admissão, como a reunificação familiar e os vistos de trabalho e para estudantes.

  3. Garantia de financiamento total, flexível e previsível para a proteção de refugiados e apoio financeiro significativo aos países que acolhem elevados números de refugiados, melhores do que os programas de assistência ao desenvolvimento já existentes: os países devem assegurar que os apelos humanitários são totalmente financiados. Os países que acolhem largas populações de refugiados devem receber apoio adequado por parte da comunidade internacional, sob a forma de financiamento ao mesmo tempo seguro e orientado para facilitar a inclusão local e independência dos refugiados. E uma vez que as emergências de deslocação a curto prazo de populações frequentemente se tornam num desafio de desenvolvimento a longo prazo para os países de acolhimento, as deslocações de populações devem ser integradas nos planos de desenvolvimento dos países que acolhem refugiados.

  4. Fortalecimento dos sistemas de determinação do estatuto de refugiados e aumento do uso dos princípios de prima facie (provas suficientes para presunção) no reconhecimento do estatuto de refugiado:o mecanismo de determinação do estatuto de refugiado (DER), seja feito pelas autoridades do Estado ou pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados  (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês), tem de assegurar que as pessoas que se encontram em necessidade de proteção internacional são reconhecidas como tal e que lhes é prestada a proteção de que carecem. O acesso a procedimentos justos e eficazes de DER tem de ser dado a todos os requerentes de asilo sob a jurisdição de um Estado. Onde chegam pessoas em busca de proteção internacional, em largos fluxos e a um ritmo continuado, pode tornar-se impraticável ou mesmo ineficaz proceder à determinação individual dos requerimentos de estatuto de refugiado – se a maior parte dos que chegam num grupo podem ser avaliados como sendo refugiados, com base em informação objetiva relativa às circunstâncias dos seus países de origem, os países devem atribuir o estatuto de refugiado aos membros do grupo numa base de prima facie. Este reconhecimento prima facie (presunção razoável) do estatuto de refugiado pode ser usado em conjunto com proteção subsidiária ou temporária e convertido num estatuto a longo prazo com base na determinação do estatuto individual de cada requerente.

  5. Respeito, proteção e cumprimento dos direitos dos refugiados no país de asilo, incluindo o exercício do direito a um padrão de vida adequado, acesso à educação, aos serviços de saúde e outros, assim como à independência económica: os refugiados têm de ter a capacidade e ser apoiados a serem independentes e a participarem ativamente na sua inclusão local. O acolhimento de refugiados em campos deve ser uma medida temporária usada em emergências; não deve jamais tornar-se numa forma de isolamento dos refugiados nem de restrição da liberdade de deslocação. A residência em campos não pode ser uma precondição para aceder a abrigo e a serviços fundamentais como a saúde, educação, etc.

 

A Amnistia Internacional exorta, em petição, os líderes políticos a mudarem as políticas de asilo nos seus países e, em particular, os governos europeus a garantirem que os refugiados encontram um destino seguro na Europa, incluindo Portugal, através dos mecanismos de reinstalação e outros que permitam a admissão legal e segura nos seus territórios de quem foge de conflitos e perseguição. Assine!

 

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