22 Abril 2015

 

A Amnistia Internacional publica um “Plano de Ação”, na véspera da cimeira de chefes de Governo da União Europeia convocada de urgência para esta quinta-feira, 23 de abril, que insta os líderes europeus a adotarem medidas imediatas e eficientes para acabar com a continuada catástrofe que está a causar a morte a milhares de refugiados e migrantes no mar Mediterrâneo.

Este plano, apresentado no relatório “Europe’s sinking shame: The failure to save refugees and migrants at sea” (A vergonha profunda da Europa: falhanço em salvar refugiados e migrantes no mar), divulgado quarta-feira, 22 de abril, documenta testemunhos de sobreviventes de naufrágios ocorridos já desde o início de 2015. Nele são também detalhadas as limitações e desafios que se colocam no âmbito das atuais operações de busca e salvamento na zona central do Mediterrâneo, e são avançadas as formas para o resolver. O novo relatório da Amnistia Internacional insta ao arranque imediato de uma operação humanitária para salvar as vidas no mar, com uma frota adequada de barcos, apoio aéreo e outros recursos para patrulharem as rotas onde as vidas estão em risco.

“Os líderes europeus que se vão reunir em Bruxelas têm uma oportunidade histórica para porem fim à espiral da tragédia humana a que aqui assistimos, com proporções do [naufrágio do] Titanic”, frisa o diretor da Amnistia Internacional para a região da Europa e Ásia Central, John Dalhuisen. “A negligência da Europa, que resulta em não salvar as vidas de milhares de migrantes e refugiados que enfrentam o perigo no Mediterrâneo, é semelhante à de bombeiros que se recusam a salvar pessoas que saltam de uma torre de inferno de chamas. E a responsabilidade dos governos tem claramente de ser não apenas em apagar o fogo mas também em salvar aqueles que saltaram do parapeito”, reitera o perito da organização de direitos humanos.

Na segunda-feira, 20 de abril, numa mudança da anterior política de negação, a UE deu um sinal de compromisso em intensificar as capacidades de busca e resgate, que os Estados-membros têm agora de traduzir na assunção de ações concretas.

O novo relatório da Amnistia Internacional demonstra que a decisão de suspender a operação humanitária da Marinha Italiana Mare Nostrum, no final de 2014, contribuiu para um aumento dramático das mortes de migrantes e refugiados no mar. A confirmarem-se os números avançados sobre os mais recentes naufrágios, terão morrido já mais de 1.700 pessoas este ano – o que são 100 vezes mais do que no mesmo período de 2014.

O mito de que a Mare Nostrum funcionava como um “fator de atração” é também desmontado pelos números, os quais mostram que o número de refugiados e migrantes a tentarem chegar à Europa por via marítima aumentou desde o fim daquela operação. De facto, 2015 assistiu já a números recorde de refugiados e migrantes a tentarem alcançar a Europa por mar, com mais de 24.000 pessoas a chegarem a Itália.

Depois de a Mare Nostrum acabar, os governos europeus instruíram a Agência Europeia de Fronteiras – Frontex – para pôr em marcha a operação Tritão.

A Tritão não é uma operação de busca e salvamento. Ao contrário dos navios da Mare Nostrum, cuja área de ação se estendia umas 100 milhas náuticas para Sul de Lampedusa, a Tritão está limitada à patrulha de fronteira até 30 milhas náuticas das costas de Itália e de Malta – muito aquém de onde a larga maioria dos barcos de migrantes e refugiados ficam em risco.

Os responsáveis da Frontex admitiram que os recursos de que dispõem são “adequados ao mandato [da agência], que é o de controlo das fronteiras da UE, e não o de policiar 2,5 milhões de quilómetros quadrados do Mediterrâneo”. Assim, as operações de busca e salvamento acabam por ficar na alçada dos barcos das patrulhas de guarda costeira.

O diretor dos Centros de Coordenação de Salvamento Marítimo da guarda costeira italiana, Giovanni Pettorino, revelou à Amnistia Internacional que os seus barcos “não serão capazes de acudir a todos [os migrantes e refugiados em embarcações no Mediterrâneo], se continuarem a ser os únicos a meter-se às águas”.

Além disto, os navios mercantes desempenham um papel muito importante nas atuais operações de resgate, apesar de não estarem concebidos, nem equipados, nem tão pouco as suas tripulações treinadas para fazerem salvamentos no mar destas proporções. Mesmo com os esforços feitos por todos os que estão neste cenário trágico, salvando as vidas de dezenas de milhares de pessoas só este ano, não se pode esperar que consigam dar solução à magnitude da atual crise humana.

Os números dos afogamentos

As estimativas sugerem que mais de 800 migrantes e refugiados se afogaram a 18 de abril de 2015 durante uma tentativa de resgate feita por um navio mercante. O bote em que viajavam virou-se conforme as pessoas que se encontravam a bordo se moveram todas para um dos lados da embarcação, segundo foi reportado pela guarda costeira. Este relato ecoa o que foi descrito por sobreviventes de outras tragédias ouvidos pela Amnistia Internacional para este relatório.

Mohammad, um palestiniano de 25 anos que vinha do Líbano, contou que, a 4 de março de 2015, o barco em que se encontrava com outras cerca de 150 pessoas se virou quando um grande rebocador se aproximou para os ajudar. “Eles atiraram uma escada de corda… muitos tentaram alcançá-la e o barco virou-se. Eu cai à água. Immirdan, uma mulher síria, morreu com o filho de um ano”.

A indústria naval reconheceu já que salvamentos de larga escala por navios mercantes comportam muitos mais riscos, o que sublinha ainda mais a necessidade de uma operação profissional humanitária.

A 31 de março passado, os representantes das principais associações europeias e globais da indústria naval e sindicatos da marinha mercante descreveram a situação atual como “insustentável” e pediram aos países europeus que aumentem os recursos e apoio às operações de busca e salvamento. Num comunicado conjunto disseram ser “inaceitável que a comunidade internacional esteja cada vez mais a depender dos navios mercantes e navegantes marítimos para levarem a cabo mais salvamentos de larga escala”.

Em resposta a um pedido de socorro a 8 de fevereiro de 2015, a guarda costeira italiana enfrentou duras condições de alto mar e temperaturas geladas para salvar 105 pessoas de um bote de borracha atulhado. Este bote era de um grupo de quatro embarcações que tinham partido da Líbia no dia anterior e encontraram dificuldades no mar. Mais de 330 refugiados e migrantes morreram nesse dia. Além de dois navios mercantes que se encontravam então na área, apenas a guarda costeira italiana esteve disponível para prestar ajuda.

Mas as instalações dos dois barcos de patrulha foram insuficientes para provir aquecimento e abrigo às pessoas que tinham sido resgatadas do bote e 29 delas morreram de hipotermia já a bordo das embarcações da guarda costeira. O enfermeiro Salvatore Caputo, que estava num dos barcos de patrulha da guarda costeira italiana, recordou à Amnistia Internacional que “para manter [os refugiados e migrantes] quentes, fizemo-los estar à vez na cabina, mas era tudo tão difícil…. Fiquei tão furioso: salvá-los das águas e depois vê-los morrer daquela maneira”.

Prontos a agir

O capitão Massimiliano Lauretti, da Marinha italiana, sustentou à Amnistia Internacional que uma operação humanitária pode ser organizada em apenas alguns dias se for dada uma ordem nesse sentido.

“A Marinha italiana está pronta a agir. Temos procedimentos já bem ensaiados. Temos desenvolvido a nossa experiência. Se nos for pedido, podemos recomeçar uma operação humanitária num prazo muito curto, em umas 48 a 72 horas, mais ou menos”, asseverou.

A Amnistia Internacional insta todos os chefes de Estado e de Governo europeus que participam na quinta-feira, 23 de abril, na cimeira de Bruxelas a estabelecerem imediatamente uma operação concreta e eficiente para salvar as vidas no mar. Os líderes europeus têm de autorizar prontamente a mobilização de meios navais e aéreos suficientes para as principais rotas de migração com o objetivo de salvar as pessoas. E até que isto esteja operacional, os governos europeus têm de urgentemente providenciar apoio financeiro e logístico à Itália e a Malta para que estes países consigam aumentar a sua capacidade de busca e salvamento no Mediterrâneo.

“Os expedientes políticos conduziram à falácia de que não fazer nada irá parar os fluxos de pessoas. Mas os acontecimentos recentes mostraram que isso não pode estar mais longe da verdade, e essa argumentação está a ter consequências catastróficas”, sublinha o diretor da Amnistia Internacional para a região da Europa e Ásia Central. “Esta quinta-feira, os líderes europeus podem finalmente agir de forma muito concreta. Não pode haver mais desculpas para ainda mais mortes que são evitáveis”, remata.

 
A Amnistia Internacional tem em curso desde 20 de março de 2014 a campanha “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras“, iniciativa de pressão a nível global para que a UE mude as políticas de migração e asilo, no sentido de minorar os riscos de vida que migrantes, refugiados e candidatos a asilo correm para chegarem à Europa, e garantir que estas pessoas sejam tratadas com dignidade à chegada às fronteiras europeias. Aja connosco! Inste os líderes europeus a porem as pessoas acima das fronteiras, assine a petição.
 
 
 

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