16 Outubro 2014

Legislação repressiva e discriminatória promulgada nos últimos 18 meses no Uganda tem originado uma repressão estatal crescente, violência e discriminação homofóbica e baseada no género. As conclusões são do novo relatório da Amnistia Internacional, publicado esta quinta-feira, 16 de outubro.

Rule by Law: Discriminatory Legislation and Legitimized Abuses in Uganda” (“Regulação pelo Direito: Legislação discriminatória e violações legitimadas no Uganda”) detalha como três instrumentos legais violam os direitos humanos fundamentais, promovem atos discriminatórios e deixam as vítimas incapazes de procurar justiça.

São elas: a Lei de Gestão de Ordem Pública, a Lei Antipornografia e a (entretanto anulada) Lei Anti-homossexualidade. Documentos aprovados pelo Parlamento do Uganda, que se tornaram lei entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014.

“A repressão no Uganda tem cada vez mais a chancela do estado, pela criação de legislação flagrantemente discriminatória, que suprime direitos garantidos na Constituição do país”, acusa a diretora-adjunta para a região da África Oriental da Amnistia Internacional, Sarah Jackson. “O governo tem de rever de imediato estas leis venenosas que ameaçam o âmago dos direitos humanos”.

Conclusões de uma missão de investigação conduzida no terreno em março, abril e agosto de 2014 (parte com a organização Human Rigths Watch).

Liberdade de reunião e associação

O relatório detalha como a Lei de Gestão de Ordem Pública reprime o direito à liberdade de associação, colocando muitas restrições às manifestações. A legislação permite à polícia suprimir ajuntamentos de grupos da oposição política e reprimir ativistas.

Apesar da polícia estar a usar cada vez menos esta lei desde o início de 2014, o facto de existir tem um efeito dissuasor subtil. “A Lei de Gestão de Ordem Pública tem tido um efeito devastador na capacidade da sociedade civil se organizar, inibindo até as tentativas de desafiar as próprias leis”, lamenta Sarah Jackson.

“A lei inverte a premissa básica na qual assenta o direito à liberdade de associação: ao invés de facilitar manifestações pacíficas, impõe-lhes restrições”, conclui a diretora-adjunta.

 

Legitimar violações

Enquanto a Lei Anti-homossexualidade se manteve em vigor (de março a agosto de 2014), pessoas que se identificassem como – ou que se entendesse serem – lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais (LGBTI) eram detidas arbitrariamente. Tal acontecia mesmo quando iam reportar crimes cometidos contra si. Alguns foram agredidos e apalpados pela polícia, e por outros detidos, sob custódia, outros foram desalojados de suas casas, outros ainda perderam o emprego.

Nos dias que se seguiram à aprovação do Lei Antipornografia, mulheres foram assediadas pela polícia e uma advogada recebeu ameaças de prisão pelas roupas que envergava. Várias mulheres foram ainda alvo de ataques populares nas ruas. O mesmo aconteceu enquanto a Lei Anti-homossexualidade se manteve em vigor.

“A forma vaga como estas leis foram escritas leva a que sejam interpretadas de forma perigosa pelo público”, explica Sarah Jackson. “Muitos quiseram fazer justiça pelas próprias mãos, através de mecanismos de justiça popular ou de abusos cometidos contra mulheres e pessoas LGBTI”. A responsável da Amnistia Internacional acrescenta que “o governo é cúmplice nesta violações que ocorrem no país, por falhar em clarificar as leis”.

Depois de várias mulheres, que se considerou estarem “vestidas de forma indecente” serem despidas nas ruas em ataques populares, a polícia veio a público afirmar que a Lei Antipornografia não dá aos cidadãos “autoridade para despir mulheres”. Porém, as autoridades falharam em responder publicamente aos ataques homofóbicos. E continua por cumprir a promessa de rever a Lei Antipornografia.

 

Sem ninguém a quem recorrer

As vítimas de abusos cometidos por cidadãos têm medo de os reportar à polícia e não têm mais nenhuma forma de procurar compensação. “O falhanço da polícia na investigação dos abusos levou a que a impunidade se tornasse tolerada e difundida pelo estado”, acusa ainda Sarah Jackson.

“Embora a Lei Anti-homossexualidade tenha sido anulada, os seus efeitos ainda se sentem e as questões fundamentais não foram tratadas”, conclui a diretora-adjunta. “Pessoas que normalmente se levantariam para falar em defesa dos outros foram estigmatizadas e silenciadas”.

A Lei Anti-homossexualidade foi anulada pelo Tribunal Constitucional do Uganda, em agosto de 2014, sob o argumento de que o Parlamento a aprovou sem quórum. A análise à constitucionalidade das Leis Antipornografia e de Gestão de Ordem Pública continua pendente.

A Amnistia Internacional apela ao governo do Uganda que revogue a legislação discriminatória e que assegure que o governo não é cúmplice de violações de direitos humanos. O governo deve proteger todos os ugandeses – incluindo as mulheres, as pessoas LGBTI e os ativistas políticos – da discriminação, do assédio e da violência.

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