29 Outubro 2013

Milhares de pessoas de etnia cigana vivem há anos em campos segregados na grande área metropolitana de Roma, na Itália, vítimas de uma dupla discriminação, alerta um relatório divulgado hoje pela Amnistia Internacional.

Depois de terem sido forçadas a abandonar os locais onde viviam, ao abrigo do “Plano Nómada“, lançado pela Câmara Municipal de Roma em 2008, estas populações foram sendo instaladas em acampamentos geridos pelas autoridades municipais e rigidamente segregados para comunidades ciganas.

Os campos são aglomerados de contentores e casas pré-fabricadas, sobrelotados e vedados, longe das áreas residenciais e de serviços da cidade. Mais de 4.000 pessoas vivem nestes acampamentos da capital de Itália, segundo o relatório “Double standards: Italy’s housing policies discriminate against Roma” – o qual expõe como estas populações estão votadas à exclusão social e à pobreza, com muito limitadas possibilidades de se integrarem na comunidade e até mesmo de arranjarem trabalho regular.

“Isto é uma mancha na reputação da cidade de Roma”, condena o Diretor do Programa da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central. John Dalhuisen frisa que as autoridades municipais da capital italiana mantêm estas populações “à margem da sociedade”: “O sistema de atribuição de habitação social foi concebido e está a ser aplicado de forma a condenar milhares de pessoas de etnia cigana a viverem em condições abaixo do aceitável, com base em critérios de pura discriminação étnica”.

Dalhuisen sustenta que esta prática “está a ser feita com a cumplicidade tácita do Governo italiano, o qual tem fracassado na tarefa de garantir condições iguais no acesso a habitação adequada para todos por todo o país”. “Isto constitui claramente uma violação da obrigação internacional de eliminar a discriminação, ao abrigo das leis internacionais e da União Europeia, assim como de fazer cumprir o direito a habitação condigna”.

Numa reunião esta segunda-feira com a Amnistia Internacional, a nova administração municipal de Roma indicou vontade em afastar os critérios discriminatórios que impedem as comunidades ciganas nos campos de acederem à habitação social. As autoridades da capital italiana garantiram ainda que o “Plano Nómada” já foi encerrado.

 

Vive-se como numa prisão

Desalojada em 2010 de Casilino 900, um dos maiores estabelecimentos informais da Europa, nos arredores de Roma, e forçada a instalar-se no acampamento municipal de Salone (para lá dos eixos rodoviários em volta da cidade e bem distante dos centros populacionais), a família de Miriana Halilovic, cidadã italiana, vive agora num pré-fabricado minúsculo: ela, o marido e os quatro filhos do casal, incluindo dois gémeos nascidos em meados de 2013.

“Quando nos mudaram disseram-nos que seria por pouco tempo. Já cá estamos há três anos e meio. E aqui estamos, isolados do mundo. Os meus filhos perguntam-me quando é que saímos daqui, por que não temos uma casa. Mas o que é que lhes posso dizer? Que há outras pessoas que são melhores do que nós?”

Em situação similar, instalada no campo de Castel Romano, Hanifa, de 23 anos, sente-se a “viver como numa prisão”. “Até tiraram daqui a paragem do autocarro. Quem não tem carro pode mesmo morrer por não conseguir comida”, lamenta esta mulher, casada e com cinco filhos.

 

Requisitos impossíveis de cumprir

A família Halilovic, como muitas outras famílias nestes acampamentos ciganos criados pelo município de Roma, está à espera de uma resposta das autoridades à sua candidatura para receber uma casa da câmara. Mas há já mais de uma década que os critérios de prioridade na atribuição de habitação social estão a impedir efetivamente as comunidades ciganas de o conseguirem.

Os candidatos têm de provar que foram ilegalmente desalojados de habitações privadas e arrendadas – um requisito impossível de cumprir por essas populações que vivem nos acampamentos ou que foram desalojados à força de bairros ilegais.

“A Amnistia Internacional não está a dizer que os ciganos que vivem nos acampamentos da capital italiana devem ter prioridade no acesso à habitação social. Queremos é que tenham iguais condições de acesso, independentemente da sua etnia”, reitera Dalhuisen.

Perto de metade das pessoas de etnia cigana em Itália são cidadãos do país; outros são refugiados da antiga Jugoslávia, emigrantes da Roménia e dos países dos Balcãs e ainda pessoas a quem é reconhecido ou que são de facto apátridas.

No final do ano passado foram introduzidos novos critérios no sistema de atribuição de habitações sociais pelo município, dando primazia a populações que se encontrem em condições temporárias e desvantajosas nos campos disponibilizados por organizações de beneficência ou pela própria câmara de Roma. Porém, quando as populações ciganas destes acampamentos começaram a candidatar-se, as autoridades municipais apressaram-se a clarificar que aqueles novos critérios não os contemplam.

“Se as autoridades italianas não agirem de forma adequada e prontamente e, em vez disso, continuarem a violar de forma tão flagrante a legislação europeia anti discriminação, torna-se mais urgente do que nunca que a Comissão Europeia dê início a um processo de incumprimento contra Itália”, defende o Diretor do Programa da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central.

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