10 Novembro 2015

Pelo menos 151 pessoas foram executadas na Arábia Saudita já este ano – o número mais alto registado desde 1995 – numa vaga sem precedentes de execuções no país que estabelece um novo marco sombrio no recurso que as autoridades sauditas fazem à pena de morte, alerta a Amnistia Internacional.

Ao longo deste ano de 2015 foi executada, em média, uma pessoa a cada dois dias. O total anual de execuções feitas neste país nos anos recentes raramente excedeu as 90 de janeiro a dezembro. As execuções mais recentes foram feitas esta segunda-feira, 9 de novembro.

“As autoridades sauditas parecem estar determinadas em prosseguir numa deriva sanguinária de execuções, em que pelo menos 151 pessoas foram mortas já este ano – o que se traduz numa média de uma pessoa a cada dois dias”, frisa o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, James Lynch.

Segundo os registos feitos pela organização de direitos humanos, a última vez que a Arábia Saudita executou mais de 150 pessoas num só ano foi em 1995, em que foram confirmadas 192 execuções. Em 2014, o número total de execuções feitas neste país foi de 90, o que significa que até agora se verificou um aumento de 68% nas execuções sobre o total do ano passado.

As sentenças de morte na Arábia Saudita são frequentemente impostas em processos que envolvem crimes não letais, como acusações de tráfico de drogas, e na sequência de julgamentos nos quais falham as mais essenciais salvaguardas de julgamento justo consagradas nas leis e padrões internacionais de direitos humanos. Esta conduta das autoridades sauditas foi detalhadamente documentada no relatório da Amnistia Internacional “Killing in the Name of Justice: The Death Penalty in Saudi Arabia” (Execuções em nome da justiça: a pena de morte na Arábia Saudita”), publicado em agosto passado.

Quase metade das 151 execuções feitas já em 2015 aplicaram-se em casos em que as ofensas atribuídas aos condenados não estão dentro do grupo de “crimes mais graves”, nos quais a pena capital pode ser aplicada de acordo com as leis internacionais de direitos humanos. E isto contradiz de forma flagrante as declarações feitas pelas autoridades sauditas de que aplicam a pena de morte cumprindo rigorosas salvaguardas. De acordo com as leis e padrões internacionais de direitos humanos os “crimes mais graves” são aqueles que envolvem o homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar.

Das 63 pessoas que foram executadas este ano por crimes relacionados com o tráfico de drogas, a larga maioria – 45 pessoas – eram cidadãos de outros países. O total de cidadãos não sauditas executados na Arábia Saudita em 2015 é de 71. A pena de morte é usada de forma desproporcional contra os cidadãos estrangeiros na Arábia Saudita.

Os estrangeiros neste país, na maioria trabalhadores migrantes oriundos de países em desenvolvimento, são especialmente vulneráveis uma vez que por norma não dominam o árabe suficientemente bem e é-lhes negado acesso a tradução adequada durante os julgamentos.

“O recurso à pena de morte é repugnante em qualquer circunstância, mas é particularmente alarmante que as autoridades da Arábia Saudita continuem a usá-la em violação clara das leis e padrões internacionais de direitos humanos, em tão larga escala e na sequência de julgamentos que são manifestamente injustos e às vezes até politicamente motivados”, sustenta James Lynch.

Pena de morte como ferramenta de repressão e punição política

As preocupações causadas pelo aumento das execuções são ainda mais agravadas pelo recurso aparente à pena de morte como uma ferramenta política para reprimir os muçulmanos xiitas dissidentes na Arábia Saudita.

No mês passado, o Supremo Tribunal saudita confirmou a sentença de morte ao xeique Nimr Baqir al-Nimr, reputado líder religioso muçulmano xiita e imã da mesquita de Al-Awamiyya, na região oriental da Arábia Saudita, cujo julgamento foi profundamente politizado e injusto sob a jurisdição dos infames tribunais antiterrorismo (Tribunal Penal Especial).

Antes tinham também sido confirmadas as penas de morte proferidas contra o sobrinho do xeique, Ali Mohammed Baqir al-Nimr, e outros dois jovens ativistas xiitas, Dawood Hussein al-Marhoon e Abdullah Hasan al-Zaher, todos detidos quando eram menores de 18 anos depois de terem participado em manifestações contra o Governo. Estes três jovens denunciam terem sido torturados e que lhes foi negado acesso a advogado durante os seus julgamentos. Os três ativistas foram recentemente transferidos para prisão solitária, fazendo aumentar os receios de que as suas execuções estarão iminentes.

A Arábia Saudita continua a impor a pena capital e a executar pessoas menores de 18 anos, numa clara violação das obrigações assumidas pelo país ao abrigo do direito internacional consuetudinário assim como da Convenção sobre os Direitos da Criança.

“Usar a pena de morte contra arguidos juvenis é uma violação escandalosa das leis internacionais de direitos humanos. O uso da ameaça de execução como ferramenta de punição e intimidação contra dissidentes políticos pelas autoridades sauditas constitui um chocante abuso de poder”, avança o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África. James Lynch sublinha ainda que “em vez de intimidarem as pessoas com a ameaça de morte sancionada pelo Estado, as autoridades da Arábia Saudita deviam suspender todas as execuções pendentes, declarar com urgência uma moratória às execuções e fazer uma reforma de fundo ao falhado sistema de justiça do reino”.

 

Artigos Relacionados