1 Setembro 2016

 

Uma vaga insidiosa de ameaças, acusações falsas e campanhas de difamação, ataques e assassinatos de ativistas ambientais e que defendem o direito à terra nos meses mais recentes nas Honduras e na Guatemala tornaram estes dois países nos mais perigosos em todo o mundo para aqueles que protegem os recursos naturais, alerta a Amnistia Internacional num novo relatório, publicado seis meses após o homicídio brutal da líder indígena hondurenha Berta Cáceres.

“’We defend the land with our blood’: Defenders of the land, territory and environment in Honduras and Guatemala” (“Defendemos a terra com o nosso sangue: os defensores da terra, do território e do ambiente nas Honduras e Guatemala”) expõe a crescente estigmatização, as ameaças, ataques e mortes e documenta a falta de justiça com que são confrontadas as pessoas e as comunidades que lutam pela proteção do ambiente face à mineração em larga escala e aos projetos de exploração madeireira e hidroelétricos.

“A defesa dos direitos humanos é uma das mais perigosas profissões na América Latina e ousar proteger recursos naturais vitais na região torna esta arriscada atividade potencialmente ainda mais fatal”, avalia a diretora da Amnistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas.

Uns aterradores 65% (122 do total de 185) dos assassinatos em todo o mundo em 2015 de defensores de direitos humanos que trabalham em áreas relacionadas com a terra, o território e o ambiente estão registados na América Latina, segundo dados da ONG Global Witness. Oito deles ocorreram nas Honduras e dez na Guatemala – o que atribui a estes países as mais elevadas taxas per capita de homicídios de ativistas ambientais em toda a região.

“O trágico assassinato de Berta Cáceres parece ter sido um ponto de viragem mortal para os defensores de direitos humanos na região. E a falta de uma investigação transparente e eficaz à morte desta ativista envia a mensagem abominável de que matar alguém, à queima-roupa, por confrontar poderosos interesses económicos é na realidade permitido”, critica Erika Guevara-Rosas.

Ataques mortais nas Honduras

O assassinato da líder indígena e defensora de direitos humanos Berta Cáceres, na noite de 2 de março passado, em sua casa, localizada a umas horas de distância da capital hondurenha, Tegucigalpa, foi um dos muitos ataques mortais dirigidos à organização da ativista, o Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras (COPINH).

Berta Cáceres trabalhou largos anos para proteger o rio Gualcarque dos potenciais efeitos negativos de uma barragem cuja construção está planeada para aquela região. Desde que a campanha contra a construção da barragem começou, em 2013, Berta Cáceres foi alvo de várias ameaças, que nunca foram devidamente investigadas. As autoridades hondurenhas fracassaram em providenciar a devida proteção à líder indígena, mesmo após a Comissão Americana de Direitos Humanos ter recomendado ao Governo das Honduras que assim fosse feito.

Os ataques, ameaças e perseguição de membros do COPINH e da organização-irmã Movimiento Indígena Lenca de La Paz Honduras (MILPAH), os quais trabalham na defesa das terras do povo indígena lenca, aumentaram muito significativamente após a morte de Berta Cáceres. Vários membros da comunidade contaram terem sido abordados e intimidados por indivíduos desconhecidos junto às suas casas e na estação de rádio comunitária.

A 15 de março, Nelson García, também líder do COPINH, foi morto a tiro na rua quando regressava a casa de moto depois de uma reunião com a comunidade para organizar um protesto mais tarde nesse mesmo dia. As autoridades abriram uma investigação a este assassinato que não produziu ainda nenhuns resultados.

E a 6 de julho foi encontrado num contentor de lixo o corpo sem vida da ativista do direito à terra Lesbia Urquía, em Marcala, cidade junto à fronteira com el Salvador. Alguns dias depois, as autoridades detiveram dois homens suspeitos de ligação a esta morte, os quais não foram até à data visados com acusações formais.

Uma semana mais tarde, Martín Gómez Vásquez, um dos líderes da MILPAH foi apedrejado quando partia da comunidade de Azacualpa, na região ocidental das Honduras. O ativista descreveu que foi atacado por membros de uma família que alega ser proprietária de uma porção das terras ancestrais dos lenca. As autoridades hondurenhas não iniciaram nenhum inquérito a este ataque.

Advogados e ativistas que lutam para obter justiça no caso do assassinato de Berta Cáceres têm também sido alvo de ataques e intimidação.

A 13 de julho, os escritórios do defensor de direitos humanos e advogado Víctor Fernández, que representa a família de Berta Cáceres, foram assaltados. Os ladrões levaram apenas materiais com informação sobre o caso da líder indígena. A polícia diz estar a investigar este caso mas até à data não reportou quaisquer resultados.

A 2 de maio foi o jornalista hondurenho Félix Molina a ser alvo de um ataque: alvejaram-no quando viajava num táxi na capital do país, após ter publicado um artigo sobre o caso de Berta Cáceres. De novo, as autoridades falharam, não tendo ainda sequer sido aberta uma investigação.

Campanhas de difamação na Guatemala

Na Guatemala, os ativistas ambientais e do direito à terra são constantemente sujeitos a campanhas de difamação, de estigmatização e de desacreditação com o propósito de os forçar a pararem de fazer o trabalho legítimo que desenvolvem. Aqui se incluem acusações falsas julgamentos para os silenciarem.

E as comunidades que combatem a extração mineira e outros projetos de exploração de recursos naturais têm sido particularmente afetadas por esta conduta.

No início de 2016, uma das antigas líderes da organização Resistencia Pacífica La Puya – que luta contra um projeto mineiro perto capital guatemalteca – foi ameaçada, assim como os seus dois filhos. A ativista apresentou denúncia às autoridades e acredita que aquelas ameaças visam demovê-la de continuar a opor-se à construção da mina, que a organização avalia ter um potencial muito negativo para a comunidade local e as suas terras.

Pela mesma altura, um dos maiores jornais nacionais na Guatemala, o Prensa Libre, publicou um anúncio de página inteira em que um representante de topo da empresa de mineração responsável por aquele projeto acusava a Resistencia Pacífica La Puya de “terrorismo”, contribuindo para o padrão de estigmatização destas organizações na Guatemala.

Proteção ineficaz

Os mecanismos de proteção dos defensores de direitos humanos que se encontram em situações de risco tanto nas Honduras como na Guatemala têm-se mostrado repetidamente ineficazes.

Nas Honduras, apesar de ter sido aprovada uma lei que consagra mecanismos de proteção dos defensores de direitos humanos em risco, na prática, o programa contido na legislação não foi concretizado de forma adequada devido à falta de vontade política e de recursos financeiros.

Os defensores de direitos humanos queixam-se que não são sequer devidamente consultados sobre as necessidades de segurança que têm e, às vezes, é-lhes oferecida proteção pelas mesmas forças de segurança que são suspeitas de os atacar e ameaçar.

“Quantos mais defensores de direitos humanos têm de morrer como Berta Cáceres até às autoridades agirem devidamente e protegerem aqueles que defendem o nosso planeta? Fracassar em que se faça justiça contribui para o clima de medo e de impunidade que levaram ao aumento destes crimes”, remata a diretora da Amnistia Internacional para as Américas.

 

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