5 Agosto 2015

 

Os raptos a um ritmo desenfreado por grupos armados tornaram-se uma parte da vida quotidiana na Líbia, avalia a Amnistia Internacional na análise de centenas de casos ocorridos no último ano, e que acompanha o lançamento de uma nova campanha visando o fim da epidemia de raptos que assola aquele país.

“Vanished off the face of the Earth: Abducted civilians in Libya” (Desparecidos da face da Terra: Civis raptados na Líbia) expõe que mais de 600 pessoas foram dadas como desaparecidas no período de fevereiro de 2014 a abril de 2015, segundo os registos da Sociedade Crescente Vermelho da Líbia, e o paradeiro e destino de pelo menos 378 continuam desconhecidos. E estes números estarão muito provavelmente bastante aquém da realidade.

“Os civis na Líbia vivem no fio da navalha. O caos e a ilegalidade generalizados têm sido exacerbados ainda mais pelos rotineiros raptos, com os grupos armados a reforçarem o seu controlo no país”, explica o diretor interino do programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Said Boumedouha. “Centenas de civis foram raptados por caprichos, apenas devido ao local de onde são oriundos ou porque um grupo crê que a pessoa é apoiante de um grupo político rival. Em muitos casos, os civis raptados são mantidos cativos para pressionar um grupo armado a fazer troca de reféns ou para coagir os familiares a pagarem um resgate”, prossegue o perito.

O total colapso de autoridade central na Líbia e a ausência de forças de segurança e de um sistema funcional de justiça criaram uma atmosfera de impunidade generalizada que tem vindo a permitir aos perpetradores destes raptos escaparem-se a serem responsabilizados e julgados.

A tomada de civis como reféns é expressamente proibida pela lei humanitária internacional e quando ocorre em contexto de conflito armado constitui um crime de guerra.

A Amnistia Internacional insta a comunidade internacional a aumentar o apoio ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para que investigue os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na Líbia. Até à data o procurador do TPI não abriu ainda nenhumas investigações a crimes previstos pela lei internacional que tenham sido cometidos por grupos armados naquele país desde 2011.

Ativistas, funcionários consulares e trabalhadores de agências humanitárias

As pessoas raptadas por grupos armados são frequentemente torturadas e submetidas a outros maus-tratos durante o seu cativeiro. Muitas são espancadas, ameaçadas de morte, mantidas vendadas durante vários dias, agredidas física e verbalmente e amiúde torturadas com choques elétricos ou forçadas a permanecer em posições de enorme desgaste físico. Várias pessoas raptadas por estes grupos armados morreram depois de terem sido torturadas ou foram executadas sumariamente – e os corpos mais tarde largados à beira das estradas.

Os grupos armados têm de libertar todos os civis que mantêm em cativeiro e tratar todos os detidos, incluindo combatentes capturados, humanamente, e devem ainda fornecer informações sobre o destino e paradeiro de todos os que estão dados como desaparecidos. Qualquer pessoa que se encontre detida por estes grupos tem de poder contactar de forma regular com os familiares.

Entre as pessoas que foram capturadas pelos grupos armados estão ativistas, funcionários públicos e outros civis raptados por agressores não identificados, devido às suas afiliações políticas ou por causa do trabalho que exercem.

Neles se incluem o antigo membro do Congresso líbio Suleiman Zobi, de 71 anos, e o ativista de direitos políticos e blogger Abdel Moez Banoun – este último tendo sido raptado bem perto de casa, quando se encontrava no seu carro, depois de se ter pronunciado publicamente e organizado protestos contra a presença de milícias em Trípoli, a capital líbia. Abdel Moez Banoun está desaparecido há mais de 300 dias e o irmão do ativista relata que ele “desapareceu da face da Terra”.

Também o procurador Nasser al-Jaroushi foi raptado. Estava a investigar o assassinato da ativista de direitos humanos Salwa Bugaighis (em Bengasi, em junho de 2014), assim como a atividade de grupos criminosos ligados ao tráfico de drogas.

Os trabalhadores de agências humanitárias Mohamed al-Tahrir Aziz, Mohamed al-Munsaf al-Shalali e Waleed Ramadan Shalhoub foram raptados a 5 de junho quando se preparavam para começar a distribuição de abastecimentos a cidades afetadas pelos combates na região do sudoeste da Líbia.

Outras pessoas raptadas são trabalhadores migrantes no país, funcionários de consulados estrangeiros e membros da comunidade de Tawergha, atualmente uma cidade-fantasma depois de os habitantes terem sido deslocados durante o conflito de 2011.

Chamada à ação pelo mundo inteiro

Os esforços de campanha agora lançados pela Amnistia Internacional interpelam os grupos armados para que ponham fim a este padrão de raptos e que se declarem publicamente contra os raptos e contra a prática de tortura.

O diálogo político na Líbia, que prossegue sob a égide das Nações Unidas e visa acabar com o ciclo de violência no país e a formação de um governo de acordo nacional, tem também como propósito encontrar soluções para refrear os raptos e as detenções ilegais – vistas, aliás, como medidas essenciais à construção de confiança. Os participantes neste diálogo, incluindo os líderes municipais líbios, têm assim de exercer a sua influência junto daqueles que comandam os grupos armados e intervir para que se alcance a libertação de todos os civis raptados.

A Amnistia Internacional chama à ação todos os apoiantes da organização de direitos humanos a fazerem-se ouvir nas redes sociais e a organizarem concentrações num esforço concertado e integrado de campanha por todo o mundo, com o apelo crucial aos grupos armados e às autoridades na Líbia para que ajam de forma a pôr fim aos raptos e a assegurar a libertação imediata e de forma incondicional das centenas de civis que continuam ilegalmente detidos.

 

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