14 Julho 2014

Uma nova investigação da Amnistia Internacional expõe o crescendo de mortes sectárias e raptos levados a cabo pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), desde que no mês passado este grupo armado rebelde tomou controlo de Mosul, a segunda maior cidade iraquiana, e outras regiões no noroeste do país.

Northern Iraq: Civilians in the line of fire” (Norte do Iraque: Civis na linha de fogo), publicado esta segunda-feira, 14 de julho, contem relatos angustiantes de civis deslocados que fugiram das áreas que caíram sob controlo do ISIS, os quais temem pelas suas vidas depois de terem testemunhado raptos e a morte de familiares às mãos do grupo armado e face ao risco cada vez maior de serem atingidos pelos raides aéreos feitos pelas forças governamentais para conter a rebelião.

A investigadora da Amnistia Internacional Donatella Rovera, que regressou recentemente de uma missão no Norte do Iraque, recorda que “uma vez mais, os civis no Iraque vêem-se cercados por todos os lados numa espiral de violência sectária”: “Centenas de milhares de pessoas fugiram das suas casas com medo dos raptos e dos assassinatos pelos combatentes do ISIS e dos bombardeamentos aéreos do Exército iraquiano, com ambos os lados no conflito a revelarem um total desprezo pelas leis internacionais de direitos humanos”.

Esta vaga de violência no Norte do Iraque causou já centenas de milhares de deslocados civis, os quais fugiram sobretudo para as áreas curdas sob administração do Governo Regional do Curdistão. Recentemente foi restrito pelas autoridades locais o acesso a estas zonas para iraquianos não curdos que fogem da violência, deixando civis totalmente sitiados e sem refúgio seguro. A Amnistia Internacional insta as autoridades curdas a inverterem esta decisão e, assim, permitirem acesso a todos os civis que fogem do conflito.

ISIS arrasa cidades, vilas e aldeias não sunitas

Em todas as cidades, vilas e aldeias que caíram sob o controlo do ISIS repetem-se os relatos de raptos. Muitas das pessoas levadas continuam desaparecidas, outras foram encontradas mortas.

A Amnistia Internacional entrevistou os familiares de um rapaz de 18 anos, de Gogjali, a leste de Mosul, e de um seu tio, de 44 anos, que foram raptados pelo ISIS num posto de controlo de estrada a 20 de junho, e posteriormente mortos. A mãe do adolescente encontrou os corpos, mutilados, dois dias após o desaparecimento – esta mulher mostrou à investigadora da Amnistia Internacional fotografais dos cadáveres: as cabeças tinham sido esmagadas com objetos pesados e as mãos estavam algemadas atrás das costas. Um deles tinha a garganta cortada e o corpo estava parcialmente queimado. A família destas vítimas, da comunidade shabak (minoria oriunda do xiismo), fugiu imediatamente de Gogjali.

“Estes brutais ataques contra civis mostram claramente às comunidades não sunitas que não estão seguras em zonas controladas pelo ISIS”, sublinha Donatella Rovera. “Os raptos e mortes dos cativos parecem estar entre as ferramentas usadas pelo grupo para esmagar a oposição e intimidar os civis”, prossegue a investigadora.

A organização de direitos humanos documentou uma série de incidentes em que à captura pelo ISIS se seguiu a morte das pessoas raptadas.

Num desses casos, três polícias xiitas foram sumariamente executados pelo ISIS logo depois de terem sido capturados numa esquadra em Mosul. Noutro caso, ocorrido a 27 de junho passado, e reportado por testemunhas locais, combatentes do ISIS mataram outros três homens xiitas que tinham raptado na aldeia shabak de Tobgha Ziyara, tendo posteriormente deitado os corpos no leito de um rio seco nas imediações. Os moradores daquela aldeia avançaram ainda que a zona ficara totalmente desprotegida desde a retirada das forças militares iraquianas a 10 de junho.

“O ISIS continua a arrasar as vilas no Norte do Iraque que ficaram desprotegidas desde a partida do Exército há cerca de um mês. O grupo está também a aterrorizar a população não sunita por todo o país, provocando êxodos maciços com as pessoas a fugirem para não morrerem”, explica Donatella Rovera.

Forças governamentais também violam direitos humanos

Esta recente vaga de violência no Iraque ocorre num contexto de antigas tensões inter sectárias no país e brutais picos de violência entre sunitas e xiitas.

O ISIS não é, porém, o único interveniente no conflito que está a cometer crimes de guerra. A missão da Amnistia Internacional no Norte do Iraque recolheu provas de que mais de 100 sunitas foram mortos a sangue frio e sob custódia das forças governamentais ou de milícias xiitas em ataques de pura vingança, antes da retirada das cidades de Tal’Afar, Mosul e Baquba conforme se assistia ao avanço no terreno dos combatentes do ISIS.

Uma mulher ouvida pelos investigadores da organização de direitos humanos descreveu os ferimentos horríveis no corpo de um familiar que estivera detido na prisão de Tal’Afar: “Tinha sido alvejado várias vezes na cabeça e no peito, todo o corpo estava coberto de sangue, mas era difícil perceber se o sangue era dele ou de outros porque os cadáveres estavam todos empilhados”.

Os bombardeamentos de artilharia pesada e raides aéreos indiscriminados feitos pelas forças governamentais contra as aéreas controladas pelo ISIS também mataram e feriram dezenas de civis, e forçaram muitos a fugir de suas casas. Tais bombardeamentos e raides aumentaram muito significativamente nas semanas recentes, aumentando o risco de vida para os civis.

“Todos os lados cometeram crimes de guerra e violações graves de direitos humanos num ciclo de uma cada vez mais intensa violência no Iraque. A segurança dos civis é fundamental. Ambos os lados no conflito têm de parar de matar quem têm detido, e tratar estas pessoas de forma humana, além de refrearem os ataques indiscriminados, incluindo o uso de bombardeamentos de artilharia pesada e raides aéreos sobre zonas densamente povoadas”, insta Donatella Rovera.

 

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