14 Novembro 2013

De um momento para o outro, o pior pesadelo de Attiyeh tornou-se realidade: foi a 21 de novembro de 2012. O filho, de 13 anos, seguia no caminho de casa para uma loja próxima na zona de Al-Manara, na Faixa de Gaza, quando foi atingido por um míssil disparado por um drone israelita.

Morreu instantaneamente. Tinha com ele apenas uma moeda com a qual ia comprar uma caneta para a irmã mais nova.

“Quando encontraram o corpo de Mahmoud e o levaram para o hospital, o médico abriu-lhe a mão, cerrada em punho, e descobriu a moeda”, recordou Attiyeh Abu Khousa, em testemunho aos delegados da Amnistia Internacional que examinaram o local do ataque alguns dias mais tarde.

O míssil atingira Mahmoud numa estrada bem larga, com ótima visibilidade de cima. A vigilância aérea israelita teria sido capaz de ver que quem ali estava era uma criança. Testemunhas no local revelaram não haver quaisquer alvos militares evidentes nas proximidades naquela altura.

Mahmoud foi morto no último dos oito dias de conflito travado entre o exército israelita e grupos armados palestinianos da Faixa de Gaza. O Estado judaico lançara a 14 de novembro a operação “Pilar de defesa”, matando nesse dia o comandante da ala militar do Hamas, Ahmed al-Jabari, em resposta a uma vaga de rockets disparados desde março desse mesmo ano contra o sul de Israel, e na esteira de já vários ataques entre os dois lados nos dias anteriores.

Em cerca de uma semana, foram mortos mais de 165 palestinianos, incluindo 30 crianças e pelo menos 70 outros civis, dos quais 13 mulheres, que não tiveram qualquer participação direta nas hostilidades, assim como seis israelitas, dos quais quatro civis. Um cessar-fogo foi alcançado na noite de 21 de novembro.

O exército israelita jamais se pronunciou sobre a morte de Mahmoud –  a qual ocorreu num dos 18 ataques documentados pela Amnistia Internacional em que morreram civis em Gaza com os disparos de mísseis israelitas através de drones (aeronaves não tripuladas) durante aquela semana trágica.

Dezenas de milhares de habitantes da Faixa de Gaza abandonaram as casas durante o conflito. Apesar de a maioria destas famílias já terem regressado às suas casas logo após o cessar-fogo, continuam porém a debater-se com o trauma de terem tido de fugir, em muitos casos debaixo de fogo. E centenas de outras famílias de Gaza permanecem deslocadas uma vez que as suas casas foram destruídas durante os ataques. Um ano passado, a maior parte não pode ainda reconstrui-las devido às restrições impostas por Israel à entrada de materiais de construção na Faixa de Gaza.

 

Disparos indiscriminados de rockets desde Gaza

Em Israel os civis também carregam o fardo do conflito de 14 a 21 de novembro de 2012. Grupos armados palestinianos dispararam mais de 1.500 rockets e granadas de morteiro ao longo daqueles oito dias. A grande maioria destas armas eram indiscriminadas – o que significa que não eram capazes de serem dirigidas diretamente  e com precisão contra alvos militares, o que constitui uma violação clara das leis internacionais de direitos humanos.

O israelita David Amsalem e toda a sua família não esquece a manhã de 15 de novembro de 2012. A mulher telefonara-lhe para o trabalho às oito da manhã, garantindo-lhe que tudo estava calmo em casa. Mas 15 minutos depois tudo mudou quando um rocket disparado desde Gaza atingiu o edifício de apartamentos onde moravam, na cidade de Qiryat Malachi, no sul de Israel. O filho do casal, Itzik, de 24 anos, morreu.

“Assim que os alarmes soaram, o nosso filho mais novo levou a minha mulher para fora do apartamento, mas o Itzik ficou para trás. A minha mulher gritou pelo nome dele. Um dos nossos vizinhos entrou no prédio para o salvar e acabou por ser morto também. Itzik foi atingido em cheio… Na semana a seguir, enquanto fazíamos o luto, centenas de rockets caíam à nossa volta”, contou David Amsalem à Amnistia Internacional.

O vizinho dos Amsalem tinha três filhos, chamava-se Aharon Smadja e tinha 49 anos. Mirah Scharf, de 25 anos e mãe de três crianças pequenas, também morreu no mesmo ataque.

 

Sem justiça

Um ano passado, nenhum dos lados envolvidos no conflito levou a cabo quaisquer investigações imparciais e independentes às alegações feitas sobre as violações cometidas.

Os órgãos judiciais internos das Forças de Defesa Israelitas (IDF) receberam múltiplas queixas submetidas por organizações não-governamentais palestinianas e israelitas, incluindo casos de civis que foram mortos em ataques que podem constituir crimes de guerra. Mas, segundo a Amnistia Internacional conseguiu apurar, não foi ainda aberta uma única investigação criminal.

A administração de facto do Hamas na Faixa de Gaza também não fez investigações a quaisquer violações das leis internacionais humanitárias na ação dos grupos armados palestinianos durante o conflito. Além dos quatro civis israelitas mortos pelos ataques indiscriminados de rockets, há indícios de que vários civis palestinianos de Gaza morreram atingidos por rockets palestinianos.

A falta de responsabilização nestas e noutras violações sérias das leis internacionais de direitos humanos – incluindo crimes de guerra – vai muito além do sucedido no conflito de novembro de 2012. É antes sistémica e provoca receios, tanto entre palestinianos como israelitas, de que os civis acabarão por voltar a arcar as consequências em futuras vagas de combates.

“O receio de novos derramamentos de sangue paira como uma nuvem negra sobre homens, mulheres e crianças, os quais se sentem encurralados num ciclo de violações alimentadas por um clima geral de impunidade”, sublinha a investigadora da Amnistia Internacional Deborah Hyams, especialista sobre Israel e os Territórios Palestinianos Ocupados.

E, se o medo de mais ataques mortais não bastasse, os habitantes de Gaza têm de viver com as consequências nefastas do continuado bloqueio terrestre, marítimo e aéreo que Israel impõe no território, com cerca de 1,7 milhões de habitantes, a somar ainda às restrições adotadas pelo Egito. Quem vive na Faixa de Gaza vê-se em dificuldades para obter água potável, enfrenta cortes de energia de 12 horas todos os dias e muitos mal conseguem satisfazer necessidades básicas como alimentação e medicamentos.

“O mundo esqueceu-se de Gaza, esqueceu-se das mulheres e das crianças de Gaza. O bloqueio é tão mau como a guerra: é como uma morte lenta para todos quantos vivem em Gaza. Estamos a pagar o preço das disputas entre poderes. Não é uma vergonha? O mundo perdeu a sua humanidade”, lamenta o pai de Mahmoud à Amnistia Internacional.

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