22 Janeiro 2014

A manutenção em funcionamento da prisão de Guantánamo, cinco anos já desde que o Presidente norte-americano, Barack Obama, assinou a ordem executiva de encerramento daquele complexo prisional, é um exemplo maior da duplicidade de pesos e medidas dos Estados Unidos no que toca a direitos humanos.

“Dar a ordem para fechar Guantánamo no prazo de um ano foi uma das primeiras decisões oficiais de Obama, assim que assumiu mandato, tomada a 22 de janeiro de 2009. Cinco anos depois, essa promessa de mudança tornou-se num falhanço de direitos humanos que ameaça ensombrar o legado do Presidente norte-americano, tal como ensombrou o do seu antecessor”, avalia a diretora do programa Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara Rosas.

Passaram-se 12 anos desde que os primeiros detidos chegaram a Guantánamo, desembarcando de aviões e amarrados como carga. Hoje, continuam ali presas 150 pessoas, a maioria detida sem que tenham sido formuladas contra elas quaisquer acusações nem sujeitas a julgamento. Apenas alguns dos presos de Guantánamo estão a ser julgados – e estes por uma comissão militar que tão pouco funciona de acordo com os padrões internacionais de um julgamento justo.

Dos quase 800 presos que estiveram em Guantánamo desde janeiro de 2002, menos de 1% foram declarados culpados por aquela comissão militar, e a maioria destes foram condenados em resultado de acordos firmados antes dos julgamentos.

Os Estados Unidos esperam que outros países façam aquilo que se recusam a fazer: que aceitem detidos entretanto libertados e que não podem ser repatriados. Por isso, mesmo aqueles que conseguem obter uma decisão judicial contra a sua detenção em Guantánamo são ali mantidos presos.

A transferência, no mês passado para a Eslováquia, de três cidadãos chineses uigures (minoria turcófona e muçulmana, que se concentra na região do extremo ocidente da China) ocorreu mais de cinco anos depois de um juiz federal norte-americano ter decretado que a sua detenção era ilegal.

Mais de 70 detidos, a maioria oriundos do Iémen, receberam “aprovação de transferência”, mas as frágeis condições de segurança nos seus países de origem, a par de outras circunstâncias, têm sido usadas como argumentos por parte da Administração de Obama para adiar a sua libertação de Guantánamo.

 

Presos de Guantánamo vivem no limbo

“Os presos de Guantánamo permanecem no limbo, com as vidas em suspenso anos a fio. Muitos deles sofreram gravíssimas violações de direitos humanos, incluindo o seu desaparecimento forçado e tortura às mãos de agentes de segurança norte-americanos, mas o acesso destas pessoas a alguma forma de reparação tem sido sistematicamente bloqueado e a responsabilização das autoridades mínima”, critica Erika Guevara Rosas.

A diretora do programa Américas sublinha ainda que, “ao mesmo tempo que mantêm o campo prisional de Guantánamo em funcionamento, os Estados Unidos continuam a proclamar o seu compromisso e respeito pelos padrões internacionais de direitos humanos – têm feito isto todos os anos, ao longo destes 12 anos que a prisão existe”. “Se qualquer outro país tivesse um tal vazio de direitos humanos como o de Guantánamo, é certo e seguro que estaria a ser criticado pelos Estados Unidos”, remata.

São 12 anos de duplicidade de pesos e medidas de direitos humanos: “É mais do que tempo para as autoridades norte-americanas porem fim a esta duplicidade”, insta Erika Guevara Rosas.

A Amnistia Internacional urge as autoridades dos Estados Unidos a garantirem que são feitas investigações independentes e imparciais a todas as alegações credíveis de violações dos direitos humanos que ocorreram na prisão de Guantánamo e em outros locais onde são mantidos os detidos por suspeitas de atos terroristas. E insta a que as conclusões destas investigações sejam tornadas públicas, assim como a que os responsáveis por crimes consagrados nas leis internacionais de direitos humanos sejam julgados, independentemente do cargo público que ocupem ou tenham desempenhado.

O secretismo sobre as violações de direitos humanos atribuídas a militares norte-americanos ou agentes dos serviços secretos tem de acabar. “Toda esta impunidade em relação aos crimes consagrados nas leis internacionais, como a tortura e os desaparecimentos forçados de detidos, incluindo em Guantánamo, constitui uma injustiça sórdida e infeciosa que coloca os Estados Unidos numa situação de séria violação das suas obrigações internacionais”, sustenta a diretora do Programa Américas da Amnistia Internacional.

Para a organização é essencial que todas as vítimas de violações dos direitos humanos cometidas pelos Estados Unidos, incluindo atuais e antigos detidos em Guantánamo, tenham um verdadeiro e efetivo acesso a uma reparação relevante.

 

O artigo de opinião, de Erika Guevara Rosas, diretora do programa Américas da Amnistia Internacional, no diário Público (edição de 22 janeiro de 2014): http://www.publico.pt/mundo/noticia/fechem-guantanamo-e-acabem-com-a-hipocrisia-de-direitos-humanos-1620529

 

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