23 Março 2016

“A tinta ainda não estava sequer seca do acordo entre a União Europeia e a Turquia quando várias dezenas de afegãos foram forçados a voltar a um país no qual as suas vidas podem estar em risco”, revela o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

Eram 23h40 de sexta-feira, 18 de março, e os líderes da União Europeia e da Turquia tinham assinado o acordo em Bruxelas há poucas horas. A Amnistia Internacional recebe uma chamada com um requerente de asilo afegão em pânico. Vamos tratá-lo por H.R., embora as iniciais do nome tenham sido alteradas por questões e segurança.

H.R. disse estar num avião em Istambul, na Turquia. Cerca de uma hora depois voltou a ligar quando o voo fez escala em Ancara. Contou estar a ser retornado à força para Cabul juntamente com cerca de outros 30 afegãos – mulheres, homens e crianças – após os seus pedidos para preencher o requerimento de asilo na Turquia terem sido recusados.

H.R. acrescenta que estava incluído num grupo que tentou chegar à Grécia por mar. Intercetados pela guarda costeira turca, ficaram detidos na cidade de Izmir. Após cinco dias de detenção, H.R. garante ter sido psicologicamente forçado a colocar a impressão digital num documento onde “concordava” com o retorno voluntário ao Afeganistão. Não teve acesso a uma cópia do documento e, ao telefone, assegura: “Não queremos voltar ao Afeganistão, porque corremos perigo. Se voltarmos, vamos ser assassinados pelos talibãs”.

O voo de Ancara para Cabul partiu à 1h30 da manhã de sábado, 19 de março. O requerente de asilo enviou para a Amnistia Internacional o talão de embarque e um documento emitido pelas autoridades afegãs na Turquia. O papel refere que H.R. foi “deportado devido à entrada ilegal [na Turquia]”.

No domingo, pelo meio-dia, H.R. respondeu de Cabul às mensagens que a Amnistia Internacional enviou. Todas as tentativas de contacto posteriores falharam e o telefone parece ter sido desligado.

Turquia como “país seguro” é um engano

A informação credível que chegou à Amnistia Internacional que indica que a Turquia retornou à força estes cerca de 30 requerentes de asilo afegãos para um local onde a sua vida está em risco, sem ter sido assegurado o acesso ao procedimento de asilo, é uma violação das leis europeias e internacionais e vem mostrar que implementar o acordo faz com que a vida dos refugiados fique em perigo.

“Este episódio recente reforça os riscos de enviar requerentes de asilo para a Turquia e as repercussões que o acordo provavelmente terá nos refugiados em trânsito através desse país”, alerta John Dalhuisen.

Questionada pela Amnistia Internacional sobre estas devoluções, a Direção-Geral da Gestão da Migração da Turquia reconheceu o retorno de 27 afegãos, porém insistindo que todos retornaram voluntariamente e que nenhum requereu asilo.

As descrições feitas por H.R. correspondem ao padrão de retornos forçados e de outras violações já documentadas pela Amnistia Internacional no relatório publicado em dezembro de 2015. A investigação dava conta que refugiados e requerentes de asilo foram presos na fronteira ocidental, estiveram detidos sem acesso a advogado e foram retornados à força para a Síria e para o Iraque após serem obrigados a assinar papéis de “retorno voluntário”.

Na altura a Comissão Europeia respondeu dizendo que ia manter este “assunto sério em análise”, porém, até agora não reconheceu as violações documentadas pela Amnistia Internacional.

Nos últimos meses, um número cada vez mais elevado de refugiados intercetados ao tentarem chegar à Grécia foram levados para o Centro de Transferências de Erzurum, na Turquia, financiado pela União Europeia, de onde foram devolvidos à força para os seus países de origem, sem acesso a advogado ou a procedimentos de asilo.

Sem existirem quaisquer referências ao nível dos direitos humanos ou à monitorização independente da implementação do acordo União Europeia-Turquia, não há garantias que estes abusos não se vão voltar a repetir.

“Os retornos para a Turquia não podem acontecer tendo na sua base o pressuposto de que este é um país seguro para os refugiados”, continua o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central. A lei turca protege o direito dos requerentes de asilo de pedirem asilo em detenção, mas a Amnistia Internacional documentou muitos casos onde este direito, na prática, não foi garantido.

Os pedidos de asilo para pessoas que estão na Turquia raramente são processados. A Amnistia Internacional pediu já por diversas vezes às autoridades turcas que libertem informação sobre os números dos pedidos de asilo e o das pessoas a quem o estatuto de refugiado foi reconhecido. Até agora as autoridades têm-se recusado a dar esta informação, sustentando que é “confidencial”.

John Dalhuisen conclui: “a União Europeia deve adotar um plano independente de reinstalação e trabalhar com o seu parceiro, a Turquia, para que ponha fim às violações dos direitos dos refugiados”.

 

A Amnistia Internacional exorta, em petição, os líderes políticos a mudarem as políticas de asilo nos seus países e, em particular, os governos europeus a garantirem que os refugiados encontram um destino seguro na Europa, incluindo Portugal, através dos mecanismos de reinstalação e outros que permitam a admissão legal e segura nos seus territórios de quem foge de conflitos e perseguição. Assine!

 

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