10 Dezembro 2015

 

A Jordânia tem de agir quanto antes para dar assistência às mais de 12 mil pessoas às quais foi negada a entrada no país e se encontram agora em situação desesperada e a tentar sobreviver sob temperaturas geladas na “terra de ninguém” do lado jordano da fronteira com a Síria, alerta a Amnistia Internacional. Entre estes refugiados estão mulheres grávidas, crianças e idosos e pessoas em condições clínicas graves.

Testemunhos dados por refugiados sírios e trabalhadores de agências humanitárias internacionais na Jordânia a investigadores numa recente missão àquela região sugerem que centenas de refugiados têm chegado à zona com uma frequência diária nas últimas semanas, mas têm-lhes sido negada a entrada no país pelas autoridades jordanas. Acresce análise de imagens de satélite que também confirmam que o número de refugiados a chegarem à fronteira entre a Síria e a Jordânia tem vindo a aumentar significativamente nos meses recentes.

“Com a continuação do conflito na Síria, é crítico que a Jordânia e os outros países vizinhos da Síria mantenham as fronteiras abertas àqueles que fogem do derramamento de sangue, da violência e da perseguição. Ao negarem santuário a civis que procuram segurança no território jordano, as autoridades do país estão a alimentar um desastre humano bem à sua porta”, avalia o responsável da Amnistia Internacional pelo programa Refugiados e Migrantes, Sherif Elsayed-Ali. “Milhares de pessoas arriscaram a vida na árdua viagem através das zonas de combate sírias e acabam por chegar à fronteira jordana e ser-lhes insensivelmente recusado refúgio, sendo deixados num limbo, a passos de distância da segurança”, critica este perito da organização de direitos humanos.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados  (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês) anunciou, na passada terça-feira, 8 de dezembro, que o número de refugiados naquela fronteira subiu acentuadamente desde o início de novembro, de 4.000 para 12.000 pessoas, na esteira do recente intensificar do conflito na Síria.

As autoridades jordanas não apresentaram nenhuma razão oficial para a recusa da entrada no país aos refugiados. Desde 2011, a Jordânia providenciou abrigo a mais de 632 mil sírios em fuga da guerra no país natal, mas as políticas de concessão de asilo àqueles que fogem do conflito têm vindo a tornar-se cada vez mais restritivas.

A Jordânia é um dos cinco países na região que acolhem atualmente 95% dos refugiados oriundos da Síria e enfrenta grandes dificuldades com a pressão devida ao avolumar deste fluxo. Apenas 52% das necessidades de financiamento humanitário para os refugiados de que a Jordânia carece foram preenchidos pelos doadores internacionais, e as autoridades do país exortam a comunidade internacional a aumentar substancialmente os seus compromissos.

Em 2012, a Jordânia aumentou as restrições à entrada de refugiados tanto nas travessias fronteiriças oficiais como informais, e desde meados de 2013 a maioria das fronteiras jordanas têm-se mantido fechadas à grande parte das pessoas que fogem da Síria em busca de refúgio – com poucas exceções para casos de indivíduos em situações de particular vulnerabilidade.

As restrições intensificaram-se ainda mais em julho de 2014 para os sírios que tentavam entrar naquele país pelas fronteiras orientais da Jordânia. E desde então, acumulam-se as provas de que é cada vez maior o número de sírios que estão encurralados na “terra de ninguém” de fronteira, para norte da “berm” (uma barreira construída de areia que marca o limite jordano da fronteira, perto das zonas de travessia de Rukban e de Hadalat).

Alguns refugiados veem-se forçados a esperar até três meses antes de lhes ser permitido entrarem na Jordânia, e a outros é recusada a passagem. Muitos acabam por decidir regressar à Síria, depois de passarem várias semanas à espera em condições deploráveis.

A luta pela sobrevivência em circunstâncias terríveis

Desde que este aumento de refugiados na zona fronteiriça se começou a registar em julho de 2014, as autoridades jordanas restringiram o acesso das organizações internacionais à zona. Provas reunidas pela Amnistia Internacional indicam que os refugiados que aguardam naquela “terra de ninguém” enfrentam condições chocantes.

No inverno, as temperaturas na zona de deserto da fronteira podem baixar até graus negativos. Os refugiados ali encurralados vivem em abrigos improvisados, com cada vez mais diminutos abastecimentos, e estão prestes a enfrentar ainda mais dificuldades com o aproximar dos meses mais frios do inverno. O acesso a alimentos, a água, a cobertores e medicamentos e equipamento clínico, providenciados pelas agências internacionais de ajuda humanitária, é cada vez mais limitado.

Warde, uma mulher síria na casa dos 60 anos, só conseguiu entrar na Jordânia em julho passado, depois de um dos guardas-fronteiriços se ter apiedado dela. Estivera na “terra de ninguém” ao longo de um mês, junto com outras duas mil pessoas. Sobreviviam graças a entregas de alimentos e outros bens essenciais pelas agências internacionais humanitárias, com não mais do que uma parca refeição por dia.

“Acampávamos ali na terra… Foi terrível… Fizemos as tendas com os nossos cobertores – que cosíamos uns aos outros –, era a proteção que tínhamos do sol e do vento”, descreveu esta refugiada síria aos investigadores da Amnistia Internacional. E lembra ainda: “Algumas crianças e mulheres morreram, à espera [da permissão para passar a fronteira] e foram ali enterradas. Outros voltaram à Síria. Um dia disse a um dos soldados jordanos que sou já idosa e ia morrer ali, e ele respondeu-me ‘ está ali uma pá, podes cavar a tua própria cova’”.

O avolumar do fluxo de sírios às fronteiras da Jordânia nos meses recentes resulta do intensificar dos combates em território sírio, a par do facto de que os outros dois países vizinhos da Síria que receberam nestes anos de guerra um número muito significativo de refugiados – o Líbano e a Turquia – também fecharam efetivamente as suas fronteiras aos que fogem da Síria.

“É óbvio que a Jordânia e outros países na região estão sobre uma pressão incrível devido ao fluxo de refugiados. Porém, as autoridades jordanas não podem ficar a olhar enquanto milhares de refugiados desesperados lutam para sobreviver sob temperaturas geladas e com tão pouca comida, água potável e roupas quentes e abrigos”, sustenta Sherif Elsayed-Ali.

As autoridades jordanas têm também de pôr fim às restrições feitas às organizações internacionais que tentam fazer chegar assistência aos refugiados que procuram entrar na Jordânia.

Não há nenhuma justificação para deixar refugiados encurralados na fronteira semanas ou meses a fio. Atualmente, o campo de refugiados de Azraq, no Leste da Jordânia, não está com a capacidade repleta e três outros campos de trânsito têm espaço para acolher mais refugiados. As comunidades anfitriãs nas áreas urbanas devem também receber apoio para conseguirem receber refugiados que queiram viver nessas zonas.

“A comunidade internacional tem de fazer mais para ajudar a Jordânia e partilhar a responsabilidade de dar resposta a esta crise”, insta o responsável da Amnistia Internacional pelo programa Refugiados e Migrantes.

É urgente que a comunidade internacional intensifique o seu compromisso tanto em termos da assistência humanitária e outra ajuda de natureza financeira à Jordânia como através da aceitação de maior número de vagas de reinstalação para refugiados oriundos da Síria.

As provas de imagens de satélite

Várias imagens de satélite foram divulgadas na terça-feira, 8 de dezembro, pela Human Rights Watch, mostrando a existência de mais de 1.450 abrigos improvisados na zona de travessia fronteiriça de Rukban – estas imagens foram captadas a 5 de dezembro. A análise feita pela Amnistia Internacional a imagens de satélite captadas antes daquela mesma zona dava conta de 705 abrigos a 24 de setembro, e de 175 abrigos em imagens obtidas pela Human Rights Watch a 20 de abril de 2015.

Ainda antes, a 3 de novembro do ano passado, a análise de imagens pelas Nações Unidas mostravam a existência de 155 estruturas de abrigo na mesma área; em julho de 2014 eram 90.

As análises feitas a imagens de satélite da zona da fronteira de Hadalat demonstram também um aumento significativo dos abrigos. Em imagens obtidas pela Amnistia Internacional a 15 de outubro de 2015 eram identificáveis 92 abrigos. Nas imagens conseguidas pelas Nações Unidas a 21 de abril eram 70.

Estes abrigos são maioritariamente construídos com cobertores, lonas e materiais similares. Refugiados que passaram a fronteira jordana e trabalhadores das agências internacionais testemunharam que cada uma dessas tendas acolhe seis ou mais pessoas, em alguns casos até 20, incluindo muitas crianças.

A Amnistia Internacional defende que qualquer pessoa em fuga da Síria em busca de asilo tem de ser considerada como estando necessitada de proteção internacional devido aos generalizados abusos de direitos humanos que estão a ser cometidos no conflito na Síria, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Fechar fronteiras a quem precisa de asilo constitui uma violação do princípio de “non-refoulement” – a obrigação de não devolução de indivíduos a uma situação em que fiquem em risco de perseguição ou de serem alvo de abusos de direitos humanos descritos na lei internacional.

Controlos fronteiriços mais apertados

O acesso através da travessia oficial entre a cidade jordana de Ramtha e a cidade síria de Deraa foi restringido em 2012, bloqueando a entrada na Jordânia a algumas categorias de refugiados, incluindo palestinianos em fuga da Síria, homens sozinhos que não consigam provar ter laços familiares na Jordânia e pessoas que não possuam documentos de identificação.

Em meados de 2013, as travessias fronteiriças orientais e ocidentais foram também, na essência, fechadas aos refugiados sírios, com poucas exceções feitas para pessoas feridas pelos combates e os mais vulneráveis de acordo com os critérios definidos pelas próprias autoridades jordanas – alguns sendo obrigados a regressar à Síria após tratamentos médicos, em contravenção das obrigações internacionais da Jordânia. Em maio de 2014, as autoridades jordanas começaram também a impedir a chegada de sírios ao país através dos aeroportos internacionais, a não ser que estes tivessem autorização de residência na Jordânia ou preenchessem os requisitos definidos para um muito limitado número de exceções especiais de entrada no país.

Desde dezembro do ano passado, as autoridades têm permitido que alguns refugiados que chegam à fronteira possam viajar até ao campo de trânsito em Ruweishid, onde os casos são avaliados pelas autoridades antes de as pessoas serem eventualmente transferidas para o campo de refugiados de Azraq. Estima-se que é permitida a entrada na Jordânia a cerca de 40 pessoas por dia. São muito mais aqueles que as autoridades jordanas deixam entrar no país mas que acabam por não passar o pouco transparente processo de triagem e se veem forçados a regressar à Síria. Centenas, se não mesmo milhares, terão sido devolvidos apenas este ano.

Os dados do ACNUR dão conta que as novas chegadas registadas de sírios à Jordânia baixaram significativamente de 310.000 pessoas em 2013 para 82.400 em 2014, e apenas 25.532 em 2015 até outubro.

 

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