29 Janeiro 2016

 

Um novo plano para dar resposta aos fluxos sem precedentes de refugiados para a Europa, lançado a debate pela presidência holandesa da União Europeia, está repleto de falhas uma vez que faria o sistema depender do regresso forçado de requerentes de asilo e de refugiados da Grécia para a Turquia, alerta a Amnistia Internacional.

Esta ideia, conhecida na quinta-feira, 28 de janeiro, passa por classificar a Turquia como um “país terceiro seguro” na ótica da União Europeia (UE), contemplando a transferência de dezenas de milhares de pessoas do território grego, sem o cumprimento dos devidos trâmites nem dando acesso aos procedimentos de requerimento de asilo – o que viola de forma flagrante tanto a lei internacional como europeia.

“Que ninguém se deixe enganar pelo ‘brilho’ humanitário desta proposta, falhada na sua essência. É um expediente político, pura e simplesmente, que visa parar os fluxos de pessoas desesperadas que atravessam o mar Egeu”, sublinha o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen. “Qualquer proposta de reinstalação que tenha como condição o efetivo fecho de fronteiras e retornos forçados de dezenas de milhares de pessoas, enquanto lhes é negado acesso aos procedimentos de asilo, é uma falência moral. A resposta pan-europeia à crise global de refugiados há muito que é uma enorme desordem, por isso é que são tão necessárias soluções, e depressa. Mas não há desculpa para se violar a lei e desrespeitar as obrigações internacionais nesse processo”, insta o perito da organização de direitos humanos.

Ao abrigo da legislação internacional, não pode ser negado acesso a proteção às pessoas vulneráveis em fuga de conflitos e de perseguição, as quais têm o direito de ver avaliados os seus requerimentos de asilo.

Se o plano proposto pela presidência holandesa da UE avançar, o que pode acontecer já na primavera, os países do espaço europeu começarão a considerar a Turquia um “país terceiro seguro”, designação que resultará em que forcem o retorno de requerentes de asilo intercetados na travessia das águas rumo à Grécia. A Amnistia Internacional alertou já que esta linha de ação constitui retornos forçados ilegais ao abrigo da legislação internacional.

Retornos forçados e abusos documentados nas investigações

Em troca da Turquia aceitar aqueles que sejam forçados a voltar para trás, um grupo de países da UE concordariam voluntariamente em reinstalar entre 150 000 e 250 000 pessoas que se encontram atualmente em território turco.

A situação de refugiados e requerentes de asilo na Turquia é inspiradora de graves preocupações. O país acolhe uns estimados 2,5 milhões de refugiados sírios e 250 000 refugiados e requerentes de asilo de outros países, incluindo o Afeganistão e o Iraque. Os requerimentos de asilo de cidadãos não-sírios na prática só muito raramente são processados.

Acresce que desde setembro de 2015, e em paralelo às negociações sobre migrações entre a UE e a Turquia, as autoridades turcas têm vindo a juntar de forma ilegal grupos de refugiados e de requerentes de asilo – possivelmente na ordem das centenas – que enfiam em autocarros e transportam para centros de detenção isolados, a mais de mil quilómetros de distância, onde estas pessoas são mantidas em regime de incomunicabilidade. Alguns reportam terem sido mantidos algemados durante vários dias, espancados e forçados a regressar aos países de onde fugiram. Tudo isto tem sido documentado nas investigações da Amnistia Internacional.

“A Turquia não pode de forma nenhuma ser considerada um país seguro para os refugiados. Nem sequer é um país seguro para muitos dos seus próprios cidadãos. Nos meses recentes, refugiados têm sido ilegalmente forçados a voltar ao Iraque e à Síria, e refugiados oriundos de outros países enfrentam anos de limbo antes de os seus requerimentos de asilo chegarem a ser ouvidos”, descreve John Dalhuisen.

O diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central sustenta que “um sistema de reinstalação em larga escala para os refugiados da Turquia para a UE é uma boa ideia, mas fazê-lo depender de um retorno forçado célere daqueles que passam a fronteira irregularmente é o equivalente a estar a trocar vidas humanas”. “Nestes anos recentes, o bloqueio de uma rota em direção para a Europa tem inevitavelmente conduzido os refugiados a procurarem outra forma de alcançarem proteção, e frequentemente mais perigosa que a anterior. Providenciar rotas seguras e legais para a Europa é a única solução sustentável para a atual situação de refugiados”, reitera.

O plano em preparação pela presidência holandesa da UE não é ainda conhecido na sua totalidade, mas o líder social-democrata da Holanda, Diederik Samson, revelou alguns dos pormenores numa entrevista exclusiva esta quinta-feira, 28 de janeiro, ao jornal De Volkskrant. A Holanda preside atualmente à UE e está a arregimentar apoios para esta proposta junto dos outros Estados-membros da União.

A crise dos refugiados sírios em números

A Amnistia Internacional exorta, em petição, os líderes políticos a mudarem as políticas de asilo nos seus países e, em particular, os governos europeus a garantirem que os refugiados encontram um destino seguro na Europa, através dos mecanismos de reinstalação e outros que permitam a admissão legal e segura nos seus territórios de quem foge de conflitos e perseguição. Assine!

 

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