16 Julho 2014

O sistema prisional norte-americano de máxima segurança segue políticas de isolamento extremo e por períodos prolongados, em flagrante violação das leis internacionais – um preso pode passar mais de oito anos numa solitária entre 22 e 24 horas por dia, é denunciado em novo relatório.

A Amnistia Internacional avalia que esta prática da Administração norte-americana em manter os presos em isolamento prolongado na única e de muito má-reputação prisão federal de máxima segurança constitui um tratamento e punição cruel, desumano e degradante.

No novo relatório – intitulado “Entombed: Isolation in the US Federal Prison System” (Enclausurados: Isolamento no Sistema Prisional Federal dos Estados Unidos) e divulgado esta quarta-feira, 16 de julho – revela as condições profundamente adversas que os presos enfrentam na United States Penitentiary, Administrative Maximum Facility, conhecida como ADX Florence, que se localiza perto da cidade de Florence, no estado do Colorado.

“É impossível exagerar o impacto devastador que longos períodos em prisão solitária podem ter na condição física e mental de um preso. Tal tratamento desumano é uma prática rotineira nos Estados Unidos e está em violação das leis internacionais”, avalia a diretora do Programa Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara-Rosas.

Este relatório expõe as consequências físicas e psicológicas do isolamento de presos em celas solitárias durante 22 a 24 horas por dia. As condições brutais na ADX Florence levaram já mesmo alguns presos a auto mutilarem-se gravemente e até a suicidarem-se. Os sintomas de isolamento por longos períodos incluem ansiedade, depressão, hipertensão, paranoia extrema, distorção da perceção e psicose.

Mínimo de 12 meses em solitária logo à chegada

A ADX Florence tem capacidade para 490 presos do sexo masculino, tendo a maioria sido condenados já na prisão por crimes graves como agressão física, homicídio e tentativa de evasão. Outros foram condenados em crimes de terrorismo.

Nesta prisão federal de máxima segurança, os presos passam o mínimo de 12 meses em solitária antes de serem avaliados para uma eventual redução das restrições aplicáveis à sua detenção. Na realidade, muitos passam muito mais tempo do que um ano em isolamento – um estudo, desenvolvido por juristas norte-americanos, revelou que os presos na ADX Florence passam em média 8,2 anos confinados ao isolamento.

Equipas da Amnistia Internacional visitaram a prisão de máxima segurança de Florence em 2001 e, desde então, não voltou a ser autorizado nenhum dos vários pedidos de acesso à ADX feitos pela organização de direitos humanos. Toda a informação coligida no novo relatório agora divulgado foi recolhida através de várias fontes como documentos de tribunais a que a Amnistia conseguiu aceder devido a processos judiciais e informações prestadas por advogados que representam presos detidos naquela prisão, assim como diretivas de políticas de conduta emitidas pela Agência Federal Prisional.

A maior parte dos presos na ADX Florence são mantidos em celas (na foto) de 2m por 4m, com paredes sólidas e uma exígua câmara fechada com vidros e barras antes da porta de metal para os corredores, para garantir que não têm qualquer contacto com outros presos. Uma pequeníssima janela retangular dá-lhes vista para o céu ou para as paredes de tijolos exteriores.

O equipamento dentro das celas é construído em cimento: um beliche fixo à parede, uma mesa e um banco, assim como um chuveiro e uma sanita. As refeições e os banhos são tomados dentro da cela, e as consultas médicas – incluindo check-ups de saúde mental – são frequentemente feitos através de teleconferência.

Detenção em isolamento não é exclusiva da ADX Florence

A prática de confinamento prolongado em solitária não se limita, de resto, à ADX. A Amnistia Internacional apurou que outras prisões federais norte-americanas também mantêm presos em isolamento durante longos períodos de tempo naquilo que o sistema prisional designa como Unidades Especiais de Gestão.

Em alguns casos, os presos são mantidos em isolamento até mesmo antes de irem a julgamento. No Centro Correcional Metropolitano, em Nova Iorque, conhecido como “Pequena Gitmo” (em referência à prisão norte-americana de Guantánamo) é prática recorrente alojar detidos a aguardar julgamento em solitárias durante meses, até mesmo anos, antes de irem a tribunal.

Estes presos praticamente não têm contacto com luz natural e não lhes é permitida a prática de exercício nas áreas exteriores da prisão.

Em 2011, o relator especial das Nações Unidas sobre a tortura e tratamento cruel, desumano e degradante, Juan Mendez, instou os países a abandonarem o sistema prisional de confinamento em solitária, salvo em circunstâncias muito excecionais e pelos mais curtos períodos possíveis – com uma proibição absoluta de tal ser praticado no caso de presos menores e indivíduos com deficiências mentais.

Deterioração mental dos presos em isolamento

A Amnistia Internacional detalha no novo relatório vários exemplos de casos de uma drástica deterioração mental dos presos em resultado do isolamento.

Num desses casos, em setembro de 2013, um preso com um historial clínico de doença mental enforcou-se na cela ao fim de mais de uma década de pena cumprida na ADX Florence durante a qual apenas intermitentemente recebeu assistência médica psicológica. Este preso apresentava claros sintomas de psicose, que terão sido ignorados pelos funcionários prisionais nos dias que antecederam a suicídio.

Há agora sinais de que a Administração dos Estados Unidos planeia expandir esta política de isolamento em prática na ADX Florence a todo o sistema prisional federal. Os planos para a nova prisão de máxima segurança Centro de Correcional Thomson, em Ilinóis, incluem a detenção em solitárias de forma semelhante ao que é usado na ADX Florence.

“Isto é a derradeira forma de armazenar presos e a ideia de que a Administração norte-americana se prepara para expandir esta prática em face da já manifestada consternação internacional é profundamente preocupante. O recurso a estas práticas de confinamento em solitária vai para além de tudo o que se pode aceitar como medidas legítimas correcionais e entra já no campo do tratamento cruel e desumano”, defende Erika Guevara-Rosas.

A perita da Amnistia Internacional sublinha ainda que “a Administração dos Estados Unidos tem de garantir que a detenção em isolamento é usada apenas em circunstâncias excecionais e como último recurso, e nunca durante períodos de tempo prolongados nem indefinidos. E nenhum preso que sofre de uma doença mental, ou está em risco de um tal quadro clínico, deve jamais ser mantido em solitária”.

 

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