9 Julho 2014

 

Na determinação cega de fechar fronteiras, a União Europeia e os seus estados membros estão a pôr em risco as vidas e os direitos de refugiados e migrantes, alerta a Amnistia Internacional num novo relatório que expõe o elevadíssimo custo humano das políticas de migração da “Fortaleza Europa”.

Este documento – intitulado “The human cost of Fortress Europe: Human rights violations against migrants and refugees at Europe’s borders” (O custo humano da “Fortaleza Europa“: violações de direitos humanos de migrantes e refugiados nas fronteiras europeias) e divulgado esta quarta-feira, 9 de julho – denuncia a forma como as políticas de migração europeias e as práticas de controlo de fronteiras estão a bloquear o acesso de refugiados a asilo na União Europeia (UE) e a pôr em risco as vidas de pessoas que enfrentam viagens cada vez mais perigosas para chegarem à segurança.

“A eficácia das medidas europeias para conter o fluxo de migrantes e refugiados irregulares é, no melhor dos termos, questionável. E entretanto, o custo em vidas humanas e sofrimento por elas causado é incalculável, e está a ser pago por algumas das pessoas em maior vulnerabilidade no mundo inteiro”, frisa o diretor do Programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional, John Dalhuisen.

Controlo de fronteiras

A UE está a financiar as suas políticas de migração ao som de milhares de milhões de euros: todos os anos são gastos milhões de euros pelos estados membros em barreiras, sofisticados sistemas de vigilância e patrulhas de fronteira.

Num muito revelador indicador das prioridades, a UE gastou já quase dois mil milhões na proteção das fronteiras externas entre 2007 e 2013, mas apenas 700 milhões na melhoria das condições em que são acolhidos refugiados e aqueles que procuram pedir asilo dentro do espaço europeu naquele mesmo período.

A UE e os seus estados membros estão também a cooperar e a financiar países vizinhos, como a Turquia, Marrocos e Líbia, a criarem zonas-tampão em volta da Europa, num esforço para parar migrantes e refugiados antes de estes chegarem às fronteiras europeias. Ao mesmo tempo, viram a cara aos abusos de direitos humanos que migrantes e refugiados estão a sofrer naqueles países.

“Os países da UE estão basicamente a pagar a países vizinhos para lhes policiarem as fronteiras. O problema é que muitos destes países são frequentemente incapazes de garantirem os direitos dos refugiados e migrantes que neles se encontram encurralados. Muitas destas pessoas acabam sem meios de subsistência, exploradas, intimidadas e privadas de acederem a asilo”, explica John Dalhuisen, instando os estados membros da UE a não se destituírem de cumprir “as suas obrigações de direitos humanos para com aqueles que tentam entrar no território europeu através de um outsourcing do controlo da migração para países terceiros”. “Esta cooperação tem que acabar”, remata o diretor do Programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional.

“Devoluções” ilegais

Os migrantes e refugiados que conseguem chegar às fronteiras da Europa arriscam-se, por seu lado, a serem empurrados imediatamente para trás. A Amnistia Internacional documentou vários incidentes de “devoluções” feitas por guardas-fronteiriços na Bulgária e na Grécia – e neste último país, a prática revelou-se, de resto, profundamente generalizada. Estas “devoluções” são ilegais, negam às pessoas o direito de requererem asilo, envolvem frequentemente atos de violência e algumas vezes põem vidas em risco.

A prática de empurrar migrantes e refugiados para trás das fronteiras é observada não apenas no sudeste da Europa. Em fevereiro passado, a Guarda Civil espanhola disparou balas de borracha, tiros de pólvora seca e gás lacrimogéneo contra um grupo de cerca de 250 migrantes e refugiados que nadavam desde Marrocos ao longo das praias em direção a Ceuta, enclave espanhol no Norte de África. Pelo menos 14 pessoas morreram neste incidente. Outras 23, que conseguiram alcançar a praia, foram imediatamente enviadas de volta, aparentemente sem lhes ser permitido acesso a qualquer procedimento formal de requisição de asilo.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados há atualmente mais pessoas deslocadas das suas casas do que em qualquer outra altura desde o final da II Guerra Mundial. “De forma chocante, a resposta da União Europeia a esta crise humanitária tem sido a de torná-la ainda maior”, avalia John Dalhuisen.

Este perito evoca ainda que “quase metade das pessoas que tentam entrar de forma irregular na Europa estão em fuga de conflitos ou perseguição em países como a Síria, o Afeganistão, a Eritreia e a Somália”. “Os refugiados têm de ter ao seu dispor mais formas de entrar na Europa em segurança e legalmente, para que não se vejam forçados logo de início a encetar viagens de elevado risco”, defende.

Vidas perdidas no mar

Face aos cada vez maiores obstáculos para chegar à Europa por terra, refugiados e migrantes estão também cada vez mais a enveredar pelas muito perigosas vias marítimas em direção à Grécia e a Itália. Todos os anos morrem centenas de pessoas a tentar chegar às costas europeias.

Na esteira das tragédias que ocorreram junto à zona costeira da ilha italiana de Lampedusa (na fotografia, ação da Amnistia Internacional Itália em defesa dos migrantes em Lampedusa, em julho de 2012: ativistas compõem um SOS nas águas junto à ilha italiana), em que mais de 400 pessoas morreram em 2013, a Itália lançou em outubro daquele mesmo ano uma iniciativa de busca e resgate – a “Operação Mare Nostrum” –, no contexto da qual foram salvas das águas já mais de 50 mil pessoas nestes últimos nove meses.

Mas isto não chega. Só nos primeiros seis meses de 2014, mais de 200 pessoas morreram no Mediterrâneo e no mar Egeu; centenas mais terão desaparecido. E muitos daqueles que morreram estavam claramente a fugir de perseguição e violência.

“A responsabilidade pelas mortes daqueles que tentam chegar à UE é uma responsabilidade coletiva. Outros países membros podem e devem seguir o exemplo de Itália e pôr fim a esta tragédia de pessoas a morrerem afogadas no mar – bastando que fortaleçam os seus esforços de busca e resgate nos mares Mediterrâneo e Egeu”, sustenta o diretor do Programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional.

John Dalhuisen não tem dúvidas de que “as tragédias humanas que estão a acontecer todos os dias nas fronteiras europeias não são inevitáveis, nem estão para lá das capacidades de controlo da UE”. Antes, defende, que “muitas são mesmo criação da própria Europa”. “Os estados membros da UE têm de, pelo menos, começar a pôr as pessoas acima das fronteiras”.

A Amnistia Internacional tem em curso desde 20 de março deste ano a campanha “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras“, iniciativa de pressão a nível global para que a Europa mude as políticas de migração e asilo, no sentido de migrantes, refugiados e candidatos a asilo serem tratados com dignidade à chegada às fronteiras europeias.

 

 

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