30 Janeiro 2014

A Amnistia Internacional entrega esta quinta-feira, 30 de janeiro, a representantes do gabinete presidencial russo, a petição global que nos últimos meses movimentou mais de 336 mil ativistas em 112 países numa denúncia comum do generalizado estrangulamento dos direitos humanos na Rússia.

Em Portugal contam-se 1.070 petições assinadas nesta campanha, que são entregues esta manhã na embaixada da Rússia em Lisboa. No total, pelo mundo inteiro, foram assinadas 336.412 petições em defesa dos direitos humanos na Rússia.

Aproveitando o foco de atenções posto nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sotchi, que começam a 7 de fevereiro, a Amnistia quer que o mundo inteiro veja mais do que as competições olímpicas – o desafio é de que todos ponham olhos também na forma como o regime russo tem vindo a restringir cada vez mais o exercício das liberdades mais básicas dos cidadãos.

Desde a recondução de Vladimir Putin à presidência da Rússia em 2012 (para um terceiro mandato no Kremlin), foram aprovadas novas leis que limitam ainda mais fortemente a liberdade de expressão, de reunião e de assembleia no país, além de medidas que estrangulam o trabalho das organizações não-governamentais, e foi adotada uma propaganda gritantemente homofóbica que põe em risco a liberdade e a segurança de membros e ativistas da comunidade LGBTI (lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual).

A entrega da petição ao gabinete presidencial russo, em Moscovo, é feita por uma delegação de oito diretores de secções europeias da Amnistia Internacional, e precedida por um evento artístico na capital. Pelo mundo fora, este mesmo apelo é entregue em cada país participante na respetiva embaixada da Rússia, tal como acontece em Portugal.

O secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, escreve, também no âmbito desta campanha, uma carta ao Presidente russo, onde elenca as violações de direitos humanos que foram consagradas com o novo quadro legislativo. E insta Putin a pôr o país “em rumo firme para a sociedade justa, inclusiva e respeitadora de direitos e liberdades que o povo [russo] merece”.

“A mensagem que queremos dar ao Presidente Putin, vinda das bases de apoiantes e ativistas da Amnistia Internacional, é a mesma que se tem ouvido dos muitos líderes mundiais que decidiram boicotar os Jogos de Sotchi: afaste as leis que limitam os direitos de expressão, e de reunião e de assembleia”, sublinha por seu lado o diretor do escritório moscovita da Amnistia Internacional, Serguei Nikitin. “Estas leis sufocam a criatividade e o desenvolvimento da sociedade civil e minam o papel legítimo que os ativistas de direitos humanos desempenham na Rússia. A liberdade de expressão é crucial para o funcionamento saudável da sociedade”, prossegue.

Serguei Nikitin sustenta que “não se pode permitir que as autoridades russas usem os Jogos Olímpicos de Sotchi para disfarçarem o seu currículo miserável de direitos humanos”.

 

Operações de relações públicas

Ao longo dos últimos dois meses, as autoridades russas tiveram uma série de iniciativas que se destinam a “passar verniz” sobre o grosseiro desrespeito pelas obrigações internacionais de direitos humanos assumidos por Moscovo.

Peritos e analistas por todo o mundo perceberam que o Kremlin está apostado em passar uma imagem favorável do regime, quando estão prestes a realizar-se os Jogos Olímpicos de Sotchi – a cujos princípios, de não discriminação, igualdade, inclusão, respeito e entendimento mútuo, de resto, o Governo russo se comprometera formalmente.

No início de janeiro foi anunciado que afinal serão autorizadas manifestações em Sotchi, algo que fora proibido há um ano. Mas isto não se traduz num aligeirar das restrições existentes no país no que toca à liberdade de expressão. Na verdade, essas manifestações apenas se podem realizar numa zona escolhida pelas autoridades e os organizadores de eventuais protestos terão de obter autorização tanto das autoridades municipais como dos departamentos regionais do Ministério do Interior, além dos Serviços Federais de Segurança (FSB, a agência sucessora do KGB).

Da mesma forma, as recentes amnistias legislativas e perdões presidenciais concedidos a cerca de duas mil pessoas, incluindo alguns muito mediáticos prisioneiros de consciência – como as duas cantoras da banda punk Pussy Riot e o ex-magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky – têm toda a carga de expediente político de relações públicas por parte de um regime que é frequentemente acusado de ignorar todas as recomendações para pôr fim aos abusos de direitos humanos.

A realidade é que muitas mais pessoas do que as que foram contempladas pela Lei de Amnistia e o perdão de Putin permanecem nas prisões russas por crimes consubstanciados em atos que mais não foram do que o livre exercício de direitos humanos, como o de liberdade de expressão e de reunião e de assembleia.

E a Rússia não se limita a apertar o cerco a qualquer forma de dissidência, com a nova legislação a ser utilizada para punir pessoas com acusações que são politicamente motivadas. Está também a estrangular o trabalho das organizações não-governamentais, forçando-as a registarem-se formalmente e identificarem-se em todos os conteúdos de informação como “agentes estrangeiros” caso recebam financiamentos de outros países, sob pena de pesadas multas que tornam impossível o funcionamento daqueles grupos.

O cerco está igualmente a apertar-se em volta da comunidade LGBTI no país, com a adoção de uma série de restrições legais, a propagação de um comportamento abusivo por parte das forças policiais e de segurança, e um discurso de teor marcadamente homofóbico ao mais alto nível – desde o presidente da Câmara de Sotchi até ao próprio chefe de Estado russo.

 

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