2 Dezembro 2013

A carga policial violenta com que as autoridades ucranianas dispersaram neste fim-de-semana os protestos na Praça da Independência, em Kiev, mostra um desrespeito vergonhoso pelo direito das pessoas a manifestarem-se, avalia a Amnistia Internacional.

Para a Amnistia impõe-se uma investigação imediata, eficiente e independente às alegações de abusos e casos de excesso de força cometidos por agentes da força policial ucraniana antimotim, a Berkut. “Ao decidirem dispersar as manifestações [na manhã de sábado] de forma tão violenta, as autoridades violaram exatamente os mesmos princípios e valores a que dizem aspirar”, sustenta a investigadora da Amnistia Internacional para a Ucrânia, Heather McGill.

Segundo foi apurado pela Amnistia Internacional, pouco antes das 4h da madrugada de 30 de novembro, a polícia antimotim avançou em largo número sobre os manifestantes. À frente, tinham já entrado na Praça da Independência trabalhadores municipais em vários camiões que se preparavam para montar no local o equipamento necessário para erguer a tradicional árvore de Ano Novo.

Porta-voz do ministério do Interior ucraniano, em declarações ao Canal 5, explicou que a dispersão dos manifestantes se deveu aos preparativos para as celebrações do Ano Novo.

“Os princípios internacionais de direitos humanos permitem de facto algumas restrições ao direito de reunião e de assembleia, mas apenas em casos de ‘imperiosa necessidade social’. E erguer uma árvore para as festividades de Ano Novo não pode de forma nenhuma ser considerada uma razão válida para limitar o direito dos cidadãos a manifestarem-se”, sublinha Heather McGill.

De acordo com testemunhas entrevistadas pela Amnistia Internacional, agentes da Berkut avisaram inicialmente os manifestantes de que deveriam dispersar da Praça da Independência, alegando que o protesto era “ilegal”. Depois, lançaram uma carga violenta sobre a multidão, espancando as pessoas que permaneceram no local. Vídeos então captados mostram, em várias ocasiões, agentes da Berkut a agredirem manifestantes e a perseguirem homens e mulheres pela praça fora com o intuito de agressão.

Pelo menos 35 pessoas foram até agora acusadas do crime de hooliganismo, ao abrigo do Código Administrativo ucraniano. Dezenas de outras pessoas foram hospitalizadas devido a ferimentos sofridos na carga policial.

Em declarações aos investigadores da Amnistia Internacional, Vasil Patchenko, arquiteto residente em Kiev, descreveu o que lhe aconteceu na manhã de sábado na Praça da Independência: “Vi [os agentes da Berkut] a baterem nas pessoas. Batiam nelas mesmo caídas no chão. Também fui empurrado e caí, e vi três deles a espancarem-me e a duas outras pessoas bem perto de mim. Depois levantaram-nos e disseram-nos para ir embora dali”.

Vasil ainda tentou ajudar uma outra mulher que fora espancada pela polícia antimotim a encontrar ajuda médica – acabaram por ser espancados os dois uma vez mais enquanto estavam à procura de uma ambulância.

 

Explicações nada convincentes

Este arquiteto foi entretanto acusado do crime de hooliganismo por ter “impedido que fosse erguida a árvore de Ano Novo”, segundo as autoridades de Kiev. Apresentou queixa, por seu lado, do tratamento abusivo por parte da polícia. “Aqui, na Ucrânia, não temos nenhuma expetativa de sermos indemnizados, mas quero que identifiquem os homens responsáveis pelas agressões”, assevera à Amnistia Internacional.

Outro residente da capital ucraniana, Vasil Katola, dentista, descreveu como o entendimento antes cordial com as forças da Berkut se transformou subitamente na manhã de sábado. “Havia agentes da Berkut nas manifestações todas as noites [desde que os protestos irromperam com a recusa do Governo ucraniano em assinar o Acordo de Associação com a União Europeia, na semana passada]. Eles até eram simpáticos, muitos bebiam chá connosco. E na noite de sexta-feira até houve um confronto, por causa de um carro que estava estacionado onde não era permitido, mas os polícias ainda ajudaram uma rapariga que deixara cair o cachecol nas escaramuças. Mas aqueles que apareceram nesta manhã [de sábado] eram muito agressivos. Tive medo”.

Durante a tarde de sábado, o primeiro-ministro ucraniano, Mikola Azarov, em declarações transmitidas pela televisão estatal, disse estar consternado e preocupado com o que se passara na noite anterior na Praça da Independência. O chefe da Polícia Municipal de Kiev assumiu as responsabilidades de mobilizar a polícia antimotim para o local e sublinhou então que a violência registada fora resultado de “provocações”.

Estas explicações apresentadas pelas autoridades ucranianas não são convincentes. As imagens de vídeo obtidas não fornecem quaisquer provas de terem sido feitas provocações pelos manifestantes e, de qualquer modo, sugerem também que a ordem para dispersar a multidão foi dada antes de acontecer qualquer tipo de provocação.

É antes claro que alguém decidiu pôr fim ao protesto e entendeu que as manifestações tinham de acabar. Não há, porém, nenhuma justificação para a dispersão das pessoas da Praça da Independência e nada dá legitimidade à violência que foi usada pela polícia.

A Amnistia Internacional insta as autoridades ucranianas a agirem em conformidade com as obrigações de direitos humanos assumidas e a protegerem o direito dos cidadãos de se reunirem e manifestarem. Têm ainda de abrir uma investigação às razões que motivaram a ordem para a polícia dispersar os manifestantes da Praça da Independência e garantir que todas e cada uma das alegações de uso excessivo de força por parte da polícia serão investigadas.

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