6 Novembro 2013

As sentenças de morte proferidas esta terça-feira por um tribunal do Bangladesh contra 152 ex-militares envolvidos no motim de fevereiro de 2009 naquele país constituem uma perversão da justiça, denuncia a Amnistia Internacional.

“Simplesmente, não foi feita justiça com aquela decisão, a qual, se for cumprida, resultará apenas em mais 152 violações dos direitos humanos”, avalia a vice-diretora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico, Polly Truscott. “O Bangladesh tem de decretar uma moratória sobre as execuções, dando assim um primeiro passo na abolição da pena capital no país”, apontou.

Os ex-soldados que receberam estas sentenças de pena de morte pertenciam a um grupo de centenas de tropas das BDR (Bangladesh Rifles), força paramilitar associada à guarda-fronteiriça daquele país, os quais foram condenados por crimes de homicídios, tomada de reféns e outras violações de direitos humanos cometidos durante o motim.

A Amnistia Internacional condenou então veementemente aquela vaga de violência que ocorreu no Bangladesh, entre 25 e 26 fevereiro de 2009, e instou as autoridades a levar os responsáveis a tribunal para julgamentos justos. Truscott aponta que “não há qualquer dúvida de que o motim de 2009 foi uma série de eventos brutais, deixando um rasto de mortes e uma população traumatizada”, e considera que “é compreensível que as autoridades queiram ‘arrumar’ todo este episódio”. “Mas”, sublinha, “ fazê-lo com recurso à pena de morte só vai redobrar o sofrimento”.

Para a vice-diretora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico, com as sentenças agora proferidas “o Bangladesh desperdiçou uma oportunidade para fortalecer a confiança no Estado de Direito, através da garantia de que os tribunais civis fazem justiça”. “Em vez disso, foram emitidas penas de morte, que são o castigo mais cruel, desumano e degradante e que, aliás, jamais ficou demonstrado ser dissuasor da prática de crime”, argumenta.

 

Tortura dos revoltosos detidos

A revolta deflagrou no quartel-general das BDR na capital do Bangladesh, em Dhaka, a 25 de fevereiro de 2009, cerca de dois meses após ter sido eleito um novo Governo no país. Os militares amotinados mataram o diretor-geral daquela força paramilitar e vários oficiais, dispararam contra civis e sequestraram muitos outros soldados do quartel. Ao segundo dia, o motim tinha já alastrado para 12 outras cidades e vilas, saldando-se na morte estimada de 74 pessoas, incluindo seis civis, e ainda 57 oficiais, um soldado e nove recrutas do Exército. Foram precisas mais de 33 horas para o Governo conseguir negociar a rendição dos BDR revoltosos.

Milhares de membros daquela força paramilitar foram então detidos sob suspeita de envolvimento no motim, muitos submetidos a tortura, muitos outros vendo ser-lhes negada assistência legal durante semanas ou mesmo meses.

Ainda em 2009, a Amnistia Internacional recolheu testemunhos de familiares dos detidos e de responsáveis governamentais, apurando que centenas foram submetidos a tortura: privação de sono durante dias consecutivos, espancamentos, inserção de agulhas debaixo das unhas, choques elétricos e esmagamentos dos genitais. O recurso persistente à tortura por parte das autoridades contra os amotinados deverá ter causado a morte de dezenas dos detidos, é estimado pela Amnistia Internacional.

Além das 152 sentenças de morte proferidas esta terça-feira, outros 159 arguidos no processo foram condenados a pena perpétua, 235 receberam sentenças de prisão entre os três e 10 anos, e 277 outros arguidos foram absolvidos.

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