17 Novembro 2015

A União Europeia tem de resistir à tentação, na esteira dos atrozes ataques de Paris, na sexta-feira, de cerrar ainda mais firmemente as suas fronteiras externas, medida que só continuaria a alimentar uma variedade de abusos de direitos humanos ao mesmo tempo que nada faria para interromper o fluxo de refugiados desesperados que rumam para a Europa em fuga da perseguição e da violência, avalia a Amnistia Internacional em novo relatório publicado esta terça-feira, 17 de novembro.

A organização de direitos humanos exorta à criação de rotas seguras, legais e reguladas de entrada na Europa, assim como de processos de avaliação de requerimento de asilo justos, eficientes e rigorosos que sejam capazes de dar resposta aos refugiados que procuram proteção na Europa e identificar possíveis ameaças à segurança.

“Fear and Fences: Europe’s approach to keeping refugees at bay” (Medo e vedações: a abordagem da Europa para manter os refugiados à distância) revela como as medidas para cerrar as fronteiras terrestres e alinhar os países vizinhos – como a Turquia e Marrocos – como guarda-portões do espaço europeu têm vindo a negar aos refugiados o acesso a asilo, a expor estas pessoas a maus-tratos e a empurrar refugiados e migrantes para viagens marítimas de elevadíssimo risco de vida.

“A expansão das vedações ao longo das fronteiras europeias apenas entrincheiraram violações de direitos humanos e exacerbaram os desafios que se colocam na gestão dos fluxos de refugiados de forma humana e pacífica”, sustenta o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

“Ceder ao medo na esteira dos ataques atrozes de Paris não irá proteger ninguém. As pessoas que fogem da perseguição e dos conflitos não vão desaparecer, nem vai desaparecer o direito que têm a ser protegidas. Depois desta tragédia, o falhanço em prestar solidariedade a quem procura abrigo na Europa, que frequentemente está em fuga do mesmo tipo de violência, será uma abdicação cobarde da responsabilidade, e também significará uma vitória trágica para o terror sobre a humanidade”, prossegue o perito.

John Dalhuisen frisa ainda que “enquanto houver violência e guerra, as pessoas vão continuar a vir e a Europa tem de encontrar melhores maneiras de providenciar proteção”. “A União Europeia [UE] e os países-membros na linha da frente têm de repensar a maneira de garantirem acesso seguro e legal ao espaço europeu, tanto nas suas fronteiras terrestres externas como nos países de origem e de trânsito. E isto pode ser conseguido através do aumento do recurso aos mecanismos de reinstalação, de reunificação de famílias e de vistos humanitários”, explica.

Este novo relatório da Amnistia Internacional e um novo briefing publicado também esta terça-feira pela Human Rights Watch – intitulado “Europe’s Refugee crisis: An Agenda for Action” – apresentam recomendações detalhadas em que se exorta a União Europeia e os seus Estados-membros a fazerem muito mais para enfrentar a atual crise global de refugiados.

O balanço pesado das vedações da “Fortaleza Europa”

No total, os países membros da UE construíram mais de 235 km de cercas nas fronteiras externas do espaço europeu, com o custo de mais de 175 milhões de euros, no que se incluem:

  • uma vedação de 175 km ao longo da fronteira entre a Hungria e a Sérvia

  • uma vedação de 30 km na fronteira da Bulgária com a Turquia, e a qual será alargada em mais 130 km

  • 18,7 km de vedações nas fronteiras dos enclaves espanhóis de Ceuta e de Melilla com Marrocos

  • uma vedação de 10,5 km na região de Evros ao longo da fronteira entre a Grécia a Turquia

Em vez de suster as pessoas de rumarem para a Europa, estas vedações apenas têm redirecionado os fluxos de refugiados para outras rotas terrestres ou ainda mais perigosas rotas marítimas. De acordo com os dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês), o número de chegadas à UE pelo mar em 2015 chegou a 792.883 em novembro – uma subida enorme em comparação com as cerca de 280 mil chegadas terrestres e por via marítima registadas pela Agência Europeia de Fronteiras, Frontex, em todo o ano de 2014.

Desde o início de 2015, são já 647.581 as pessoas que chegaram à Grécia por mar, com 93% dessas chegadas a terem origem nos dez países de onde mais afluem refugiados em todo o mundo, ainda segundo o ACNUR.

Até 10 de novembro passado, pelo menos 512 pessoas morreram no mar Egeu este ano, e quase 3.500 no Mediterrâneo.

Retornos forçados e outras violações cometidas nas fronteiras

Pessoas que tentaram passar as fronteiras terrestres da Grécia, da Bulgária e da Espanha relataram à Amnistia internacional terem sido forçadas a voltar para trás por autoridades fronteiriças sem lhes ser permitido aceder aos procedimentos de asilo nem terem a oportunidade de recorrer da decisão de as fazerem recuar – o que constitui uma infração direta e clara da lei internacional.

Um refugiado sírio de 31 anos descreveu um desses típicos retornos forçados na fronteira terrestre da Grécia com a Turquia, que ocorreu em abril passado: “Conduziram-nos em direção à margem do rio e disseram-nos para ajoelharmos. Já estava escuro nessa altura, era por volta das 20h30. Havia lá mais pessoas que estavam a ser forçadas a voltar para a Turquia. Um dos polícias empurrou-me nas costas… e bateu-me nas pernas e na cabeça com um pau. Levaram-nos para mais perto do rio e ordenaram que não nos mexêssemos e ficássemos calados. Depois separaram-me do grupo e começaram a bater com os punhos e a dar pontapés quando estávamos no chão. Agarraram-me pelos cabelos e empurraram-me na direção ao rio”.

A investigação feita pela Amnistia Internacional para este relatório mostra que os retornos forçados na fronteira terrestre da Grécia com a Turquia são rotineiros; ao longo da fronteira entre a Bulgária e a Turquia continuam a ser frequentes.

Em março de 2015, a Espanha aprovou legislação que tornou legais os retornos forçados de refugiados e migrantes feitos pela guarda-civil espanhola em Ceuta e em Melilla, dois enclaves de Espanha no Norte de África que têm fronteiras com Marrocos. E em setembro, a Hungria definiu zonas de trânsito nas suas fronteiras com a Sérvia para fazer regressar àquele país requerentes de asilo após procedimentos extremamente expeditos e com duvidosas salvaguardas dos direitos das pessoas.

“Onde há cercas, há abusos de direitos humanos. Os retornos forçados ilegais de requerentes de asilo tornaram-se numa característica intrínseca de qualquer fronteira externa da UE que esteja localizada nas principais rotas de migrações, e ninguém está a fazer nada de significativo para o parar”, critica John Dalhuisen.

O diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central defende ainda que “regulamentar a entrada na UE é uma coisa, e negá-la aos refugiados é algo totalmente diferente”. “A primeira é uma medida sensata e legítima, enquanto a segunda é desumana, é ilegal e tem de parar”, insta.

Na tentativa de manter refugiados e migrantes fora da Europa, a UE e os seus Estados-membros estão cada vez mais a virar-se para países terceiros para fazê-los funcionar como guarda-portões do espaço europeu.

Os “guarda-portões” da Europa

A mais recente proposta colocada sobre a mesa de negociações consiste num Plano de Ação Conjunto entre a UE e a Turquia, no qual a Turquia se compromete a “prevenir a migração irregular”. Este acordo faz vista grossa a violações dos direitos de refugiados e migrantes que ocorrem naquele país.

Nos últimos meses, a Turquia tem vindo a deter migrantes e requerentes de asilo que interceta sem lhes permitir o acesso a advogados e a forçar o retorno a refugiados oriundos da Síria e do Iraque, em manifesta violação da lei internacional. Muitos refugiados não sírios esperam durante mais de cinco anos para os seus requerimentos de asilo serem processados.

Por seu lado, os guardas-fronteiriços marroquinos têm também sido cúmplices em maus-tratos de pessoas que tentam saltar as cercas que rodeiam os enclaves espanhóis, enquanto as reformas do sistema de asilo em Espanha continuam por se tornarem efetivas.

“A UE não devia virar-se para países que não conseguem respeitar ou que simplesmente não respeitam os direitos de refugiados e de migrantes para que façam o trabalho sujo. Os países vizinhos da Europa deviam era receber apoio no desenvolvimento de sistemas de receção e de asilo – e não serem alistados como ‘guardas’ com desdém indiferente pelas consequências sobre os migrantes e os refugiados”, reitera John Dalhuisen.

Recomendações à União Europeia

A UE pode e deve pôr em marcha uma séria de medidas realistas e exequíveis para dar resposta à crise global de refugiados e para garantir a proteção das centenas de milhares de pessoas que já chegaram ao continente europeu.

“A crise global de refugiados constitui um grande desafio para a UE, mas está longe de ser uma ameaça à sua existência. A verdade é que rotas seguras, legais e reguladas contribuiriam largamente para a identificação de ameaças à segurança mesmo antes de estas alcançarem a Europa. A UE tem de responder não com o medo e vedações, mas sim na linha das melhores tradições dos valores que proclama defender”, remata o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central.

A Amnistia Internacional insta a União Europeia e os seus Estados-membros a:

  • abrirem rotas seguras e legais, incluindo o alargamento da reinstalação, da reunificação de famílias, das admissões e vistos humanitários;

  • garantirem que os refugiados têm acesso ao território e a asilo nas fronteiras externas terrestres da UE;

  • porem fim aos retornos forçados e outras violações de direitos humanos nas fronteiras, em especial através de investigações eficazes às alegações de abusos cometidos a nível nacional e também o lançamento pela Comissão Europeia de procedimentos de infração nos casos em que a lei europeia tenha sido violada;

  • aumentarem de forma significativa a capacidade de receção e a assistência humanitária de curto-prazo nos países da linha da frente da Europa;

  • e acelerarem e alargarem a concretização dos mecanismos de relocalização para os requerentes de asilo.

 

A Amnistia Internacional tem em curso, desde 20 de março de 2014, a campanha “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras“, iniciativa de pressão global para que a União Europeia mude as políticas de migração e asilo, no sentido de minorar os riscos de vida que migrantes, refugiados e candidatos a asilo correm para chegar à Europa, e garantir que estas pessoas são tratadas com dignidade à chegada às fronteiras europeias. Dê força a esta mensagem: assine a petição.

 

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